A Ciência por trás do Futebol #2: Dados e o Futebol (V.4, N.8, P.7, 2021)

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Divulgador da Ciência:

Julian Andres Munevar Cagigas – Possui bacharelado em física pela Universidade Nacional da Colômbia (2006), mestrado (2009) e doutorado (2013) no CBPF com bolsa da CAPES e CNPq respectivamente.  Realizou post-doutorado no CBPF (2014) através do programa PNPD da CAPES, na UFABC (2015) financiado pela FAPESP, e no instituto Paul Scherrer (2017) dentro do programa PSIFELLOW, financiado pelo programa Marie Curie da União Européia e o PSI.  Atua na área de física da Matéria Condensada, fazendo uso de espectroscopias (Mössbauer e de múons) para o estudo de propriedades magnéticas e supercondutoras de materiais com elétrons fortemente correlacionados.

 

O futebol nasceu na Inglaterra no século XIX, e compartilha origens com outro esporte pouco conhecido no Brasil: o rugby. No início, os jogadores em campo só podiam tocar a bola com o pé, mas logo foi percebido que desta forma seria muito fácil marcar gols, e por isso foi introduzida a possibilidade de que apenas um jogador possa pegar a bola com as mãos: o goleiro. Já no rugby, os jogadores podem segurar a bola com as mãos, e também podem chutar a bola com os pés. O futebol foi historicamente um esporte praticado por operários na Europa, e em parte graças a isso acabou se tornando um esporte popular. Como foi que o futebol acabou se tornando um negócio extremamente lucrativo, além de ser popular? A resposta envolve ciência, mas não como você poderia imaginar. 

 

Após a popularização do futebol, principalmente na Europa, surgiu o interesse de realizar competições entre equipes de futebol, e as Olimpíadas acabaram se tornando o cenário ideal para poder realizar competições de futebol. A primeira competição entre seleções nos Jogos Olímpicos aconteceu no ano 1900 em Paris, e a Grã Bretanha ganhou ouro na ocasião, seguida da França e Bélgica. Durante as seguintes competições, o domínio das equipes europeias no torneio correspondia com a formação de clubes e campeonatos locais, e a profissionalização do jogador de futebol. 

 

A hegemonia das equipes europeias se manteve até 1924, quando foram convidados às Olimpíadas times de fora da Europa em uma tentativa de globalizar a competição, e de forma surpreendente o selecionado de Uruguai ganhou a competição. O futebol foi introduzido na América do sul no início do século XX pelos operários europeus que eram deslocados para esta região, os quais fundaram clubes de futebol e popularizaram o esporte. Não só no Uruguai, mas como também no Brasil, Argentina e no Chile surgiram novos clubes e novos talentos. O escritor uruguaio Eduardo Galeano soube relatar em vários de seus livros a forma como era vivenciado o futebol nesta parte do mundo, e por que historicamente o futebol praticado na América do Sul é diferente do praticado na Europa.

 

A linha difusa que existia entre futebol amador e futebol profissional, e a erupção dos jogadores sul-americanos no cenário mundial levou à separação da competição olímpica em dois torneios diferentes: um para jogadores profissionais liderado pela nascente FIFA, e outro de futebol amador ainda sob o regimento do Comitê Olímpico. A partir desse ponto, o futebol cresceu não só como esporte, mas também como modelo de negócios, sendo a Copa do Mundo o maior produto oferecido ao mundo do futebol.

 

A lista de campeões da Copa mostra um seleto grupo de oito seleções que ganharam pelo menos uma vez desde 1930, dentre as quais aparecem tr6es selecionados da América do Sul: Brasil, Argentina e Uruguai. As outras cinco seleções que já venceram, Alemanha, Espanha, Inglaterra, França e Itália, fazem parte do grupo de seleções que historicamente tiveram campeonatos locais fortes e uma forte tradição futebolística, entre outros fatores políticos que não serão discutidos neste texto, mas que não deixam de ser interessantes.

 

Com o decorrer do tempo, e apesar da hegemonia dos países citados acima, o sucesso no futebol acabou dependendo de diversos fatores: a qualidade dos jogadores de futebol, o conhecimento e liderança do treinador e preparadores físicos e técnicos, e a habilidade de tornar lucrativo o jogo por parte dos empresários. Já falamos sobre a importância da preparação dos jogadores de futebol e como a Física está envolvida no desempenho de um bom jogador. Além da qualidade dos jogadores, é necessário posicionar eles em campo, de acordo com as suas responsabilidades e suas habilidades específicas. Este é o trabalho do treinador.

 

O posicionamento dos jogadores no início do futebol está ligado ao rugby, onde os jogadores formavam uma estrutura única e dessa forma disputavam a bola. Como o decorrer do tempo, tanto no rugby quanto no futebol, veio a sofisticação do jogo e a melhora na qualidade dos jogadores, o fato de otimizar a posse de bola através dos passes entre jogadores, e começou a se tornar, além de um jogo coletivo, um jogo de estratégia. Desta forma, passamos a observar no futebol como o posicionamento dos jogadores em campo evoluiu de disputar a bola diretamente a um posicionamento onde além da disputa pela bola há uma disputa pelo espaço no campo de jogo. Foi assim como surgiram diversas formações, indo do 1-1-8 (1 zagueiro, 1 meia e 8 atacantes) ao clássico 4-4-2, ou as formações atualmente mais usadas: 4-3-3 ou 3-5-2.

 

 

Estes posicionamento dos jogadores em campo não é mais estático, mas obedece ao momento do jogo e ao local onde a bola se encontra. E para podermos quantificar e compreender de uma forma mais confiável qual a melhor formação para determinado time de futebol, o uso de teoria de redes tem sido explorado de forma satisfatória tanto por analistas quanto por clubes de futebol. Os cientistas começaram a modelar o posicionamento dos jogadores em campo como uma rede neural, onde cada jogador representa um nodo e os passes de bola representam linhas que unem esses nodos, dessa forma formando uma rede (como mostrado na figura para as seleções da Holanda e Espanha na final da Copa de 2010). Assim, após fazer uma análise desta informação, é possível saber qual jogador em campo é importante para iniciar as jogadas, ou para finalizar as jogadas, que área do campo não está sendo explorada, ou que jogadores não estão envolvidos na construção de jogo. 

 

Em um jogo de futebol, tem inúmeras ações que podem ser quantificadas: o número de gols, número de faltas cometidas ou sofridas, a porcentagem do tempo com a posse de bola, o número de tentativas de acertar o gol, o número de passes realizado por um jogador ou um time, a distância percorrida por um jogador de futebol ou a parte do campo ocupada por ele. Outras informações que parecem menos relevantes como a frequência de ocorrência de lesões, a tendência a receber cartões amarelos, ou o desempenho de um jogador em situações adversas ou após cometer um erro, ou informações específicas do papel do jogador no campo também são importantes para o planejamento de uma equipe de futebol. Todas estas informações vem sendo coletadas por alguns times de futebol e firmas especializadas para poder criar modelos que permitam tomar decisões sobre a melhor formação, sobre que jogadores são imprescindíveis, ou se é necessário reforçar alguma posição em campo com outro jogador. E para poder obter estas informações, vem sendo aplicado o que é chamado de Ciência de Dados.

 

A Ciência de Dados é um campo interdisciplinar que usa ferramentas de análise de dados e o método científico para poder obter informações significativas de conjuntos de dados sem correlação aparente. Baseia-se no uso de ferramentas desenvolvidas em Matemática, Estatística e Computação Científica, e cujos pilares são o que é chamado de Big Data (análise de grandes volumes de dados), machine learning e data mining (obtenção de informação significativa de dados brutos). A Ciência de Dados tem se tornado um campo relevante de pesquisa e desenvolvimento, por apresentar aplicações em muitas e diversas áreas. A ciência de dados é de alguma forma decorrente da criação de campos interdisciplinares como a Econofísica, que envolve conceitos e ferramentas usadas em Física para a compreensão de fenômenos econômicos, comportamento de mercados, finanças, etc. 

 

Para algumas pessoas o futebol é um esporte onde 22 pessoas correm atrás de uma bola, e não acham graça disso. Mas vemos que não é só isso, pois para poder construir uma equipe de futebol competitiva, que possa ganhar campeonatos, é necessário investir no planejamento do funcionamento da equipe, e a Ciência vem ajudando com esse planejamento. Se a equipe ganha, o torcedor fica feliz e movimenta a economia, as marcas comerciais vão querer pautar com os times que possuem uma maior visibilidade, e acaba dando retorno ao clube/seleção. 

 

Referências e Links

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_futebol_do_Brasil

https://www.football-stadiums.co.uk/articles/football-formations/

https://www.footballhistory.org/formations.html

https://www.ucl.ac.uk/~ucahjlo/files/201204-Paris-slides.pdf

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