A Ciência por trás do Futebol #1: no campo de jogo (V.4, N.8, P.6, 2021)

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Divulgador da Ciência:

Julian Andres Munevar Cagigas – Possui bacharelado em física pela Universidade Nacional da Colômbia (2006), mestrado (2009) e doutorado (2013) no CBPF com bolsa da CAPES e CNPq respectivamente.  Realizou post-doutorado no CBPF (2014) através do programa PNPD da CAPES, na UFABC (2015) financiado pela FAPESP, e no instituto Paul Scherrer (2017) dentro do programa PSIFELLOW, financiado pelo programa Marie Curie da União Européia e o PSI.  Atua na área de física da Matéria Condensada, fazendo uso de espectroscopias (Mössbauer e de múons) para o estudo de propriedades magnéticas e supercondutoras de materiais com elétrons fortemente correlacionados.

Provavelmente o esporte mais popular do mundo, e um dos negócios mais lucrativos, o futebol permeia as nossas vidas de inúmeras formas. Sendo um esporte praticado de forma rotineira pela grande maioria da população, tem atraído também o interesse de cientistas que, juntando a paixão pelo esporte e pela ciência, procuram entender a ciência por trás do futebol.

 

O futebol é um esporte no qual dois grupos de 11 pessoas disputam a posse da bola, com o objetivo de marcar um gol, ou seja, encaixar a bola no arco do time contrário. A única pessoa que pode pegar a bola com as mãos é o goleiro, quem efetivamente defende o gol; os outros 10 jogadores devem controlar a bola com qualquer parte do corpo exceto as mãos e braços.

 

Desta forma, para poder marcar um gol, o jogador precisa chutar a bola com os pés, ou a cabeça, ou qualquer parte do corpo que não sejam os braços. A forma como o jogador impacta a bola determina a trajetória de movimento da bola, mas ela poderá ir em qualquer direção.  Para o sucesso do chute será crucial a forma em que o jogador impacta a bola com o seu pé, a parte da superfície da bola que recebe o contato do pé, a força com a que o pé impacta a bola e o tempo de contato entre a bola e o pé.

 

 

Se o jogador acerta a bola bem no meio, ela irá sair na mesma direção de movimento do pé, mas se acertar ela um pouco abaixo do centro da bola, ela irá se elevar. Isto é fundamental para realizar um lançamento de bola bem sucedido.  Para que a bola possa viajar distâncias longas, o jogador precisa exercer uma força sobre a bola de tal forma que a velocidade após o pé deixar de fazer contato com a bola seja a maior possível.  Para isto, é necessário que a força com que a bola é impactada seja a maior possível, e o tempo total de contato entre a bola e o pé seja o menor possível. Fazer o lançamento de bola perfeito requer muita prática e conhecimento intuitivo do movimento da bola. Existe uma pessoa no mundo considerada o melhor cobrador de tiro livre, e não é o Messi e nem o Cristiano Ronaldo: é o Juninho Pernambucano.

 

 

Uma vez a bola inicia o movimento precisamos saber onde a bola vai parar.  Para isto, inicialmente, podemos supor que a bola de futebol agora é um ponto no espaço, e basta apenas ver como este ponto se desloca para saber onde a bola vai parar.  Geralmente, a bola descreve uma trajetória parabólica, bem descrita pelas equações da cinemática.  Sendo assim, sabemos que se queremos que a bola percorra a maior distância possível, o ângulo inicial da trajetória da bola deve ser de 45 graus com relação ao solo, e dessa forma a distância em linha reta que será percorrida pela bola dependerá apenas da velocidade inicial da bola.  Porém, esta explicação está parcialmente correta devido a que é necessário levar em consideração a forma da bola e a interação da bola com o ar.

 

Os jogos de futebol geralmente acontecem ao ar livre, e isto quer dizer que tanto os jogadores quanto a bola estão submersos num fluido: o ar. Por esta razão, quando a bola viaja pelo espaço, ela deverá deslocar a massa de ar que se encontra à frente, e durante este processo a bola irá perdendo velocidade aos poucos.  Esta força é chamada de força de arrasto. E como alguns de vocês já devem ter ouvido falar, na altitude a bola viaja mais rápido: isto acontece porque a maior altitude temos uma densidade do ar menor, e como a força de arrasto é proporcional à densidade do ar, significa que para uma densidade menor a bola sofrerá uma força de arrasto menor, e por tanto parece que viaja mais rápido.

 

Mas o ar não só dificulta as coisas: graças à interação do ar com a bola de futebol em rotação podemos observar chutes descrevendo trajetórias curvas. No vídeo acima podemos ver algumas cobranças onde a bola desvia da trajetória esperada, mas para ilustrar melhor este efeito podemos ver o gol que o Roberto Carlos fez com a seleção brasileira contra a França há alguns anos.

 

 

Esse gol foi possível pela destreza do jogador e graças à força Magnus. Esta força é causada por uma diferença de pressão entre dois lados opostos da bola de futebol, e por sua vez essa diferença de pressão surge da interação da superfície da bola com o ar: a parte da bola cuja superfície rotaciona no mesmo sentido da direção do fluxo de ar terá uma pressão baixa porque o ar viaja com uma velocidade relativa maior, enquanto a parte da bola cuja superfície rotaciona no sentido oposto da direção do ar terá uma pressão alta porque o ar viaja com uma velocidade relativa menor. Esta explicação também é decorrente da equação de Bernoulli, apesar que o fenômeno discutido aqui é um pouco mais complexo. A equação de Bernoulli não é mais do que a lei da conservação da energia para fluidos, envolvendo o fluxo de energia dado pela pressão exercida sobre o fluido, a energia cinética do fluido e a energia potencial gravitacional do fluido.

 

Como saber a direção que a bola vai tomar após o chute? Aqui fazemos uso de uma ferramenta pedagógica usada por matemáticos, físicos e engenheiros: a regra da mão direita. Visualize uma seta apontando na direção de movimento, representando a velocidade da bola; quanto maior a seta maior a velocidade. Lembre-se da direção desta seta. 

 

 

Agora, leve em consideração a direção de rotação da bola: no vídeo do gol do Roberto Carlos, a bola está rotacionando aproximadamente em torno de um eixo vertical, em sentido horário. Abra a palma da sua mão e com os dedos siga a direção de rotação da bola, feche a mão e veja para onde aponta o polegar: teremos um vetor que podemos associar com a rotação da bola, e que chamaremos de velocidade angular; no exemplo citado o polegar ficará apontando para abaixo. Lembre-se desta direção. 

 

Agora, finalmente, use o dedo apontador para indicar a direção da velocidade da bola, e o dedo do meio para apontar na direção da velocidade angular, ao mesmo tempo. Em qual direção está apontando o polegar? Na direção na qual a força Magnus estará atuando na bola, e esta será a mesma direção que a bola desviará durante o seu voo. Verifique que o ângulo entre os dedos é de 90 graus. Veja o vídeo do Roberto Carlos, e verifique se a explicação acima confere. 

 

 

Voltando às cobranças do Juninho Pernambucano, perceberam que os chutes de longa distância tem em comum que a bola parece que permanece estática enquanto viaja no ar, enquanto que as cobranças onde a bola descreve curvas a bola parece não viajar tão rápido? Se desprezarmos o impacto do pé com a bola e a própria elasticidade da bola, podemos apelar à conservação da energia: para poder dar a maior velocidade à bola em cobranças de longa distância, o jogador acerta a bola de tal forma que toda a energia que ele transfere para a bola se transforma em movimento de translação. No caso dos lançamentos com curva, uma parte da energia que o jogador dá à bola vai para a rotação da bola.

 

Estas forças aerodinâmicas não são apenas úteis para compreender algumas das maravilhas do esporte rei, mas também aplica para outros esportes como o golf ou o beisebol, servem para explicar a trajetória de discos voadores (nada relacionado com extraterrestres), o comportamento do ar ao passar pelas assas de um avião e a aerodinâmica de um carro de Fórmula 1. 

 

Mas o futebol não é só dar chutes a uma bola.  É um esporte de contato físico, e lesões são muito comuns. Durante a formação dos jogadores de futebol, eles precisam aprender o jeito certo de disputar a bola com o oponente, e de forma implícita eles aprendem o conceito de momento linear,  impulso e pressão. Na física, define-se o impulso como a variação do momento linear do corpo. Por sua vez, o momento linear é uma grandeza usada por físicos para quantificar o estado de movimento que um objeto tem, porém não é algo que possa ser medido como um comprimento ou uma massa. Os jogadores, ao disputar uma bola, levam em conta de forma intuitiva estas variações de momento linear para poder manter o equilíbrio e evitar lesões, minimizando o impulso, ou o efeito das forças envolvidas na disputa da posse de bola. 

 

Para evitar lesões também é muito útil aumentar a área de contato na qual uma força é exercida, pois desta forma a pressão será reduzida, ou dito de outra forma, a força será distribuída em uma área maior. No vídeo abaixo podemos ver várias defesas de jogadores experientes, e podemos perceber que os jogadores estão em movimento o tempo todo, inclusive em lances perigosos. Desta forma eles minimizam o risco de sofrer lesões.

 

 

Finalmente, para o jogador aprender a dominar a bola precisa usar os conceitos de colisões elásticas e inelásticas, e a conservação da energia. Um jogador que sabe controlar a bola ao receber um passe, geralmente tem a habilidade de transformar uma colisão aproximadamente elástica (entre a bola e o pé) em uma colisão inelástica (a bola fica no pé). Para o jogador dominar a bola, precisa transformar a energia cinética da bola em outro tipo de energia. Para isto, diferentes partes do corpo são mais adequadas para fazer este amortecimento do movimento da bola. 

 

 

A Física é muito útil para poder compreender a natureza e poder tirar proveito desse conhecimento para o nosso bem. Mas fica claro que para poder desfrutar de um jogo de futebol com os amigos não precisamos de papel e caneta para entender como chutar a bola na frente do gol. 

 

Referências e Links

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_futebol_do_Brasil

https://www.football-stadiums.co.uk/articles/football-formations/

https://www.footballhistory.org/formations.html

https://www.ucl.ac.uk/~ucahjlo/files/201204-Paris-slides.pdf

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