Por que paleontólogos pesquisam a força da mordida de espécies extintas? (V.4, N.3, P.12, 2021)

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Divulgadora da Ciência:

Lorena Doretto da Silva, aluna de doutorado em Biossistemas na área de imunologia do transplante.

Foi publicada recentemente uma nova pesquisa sobre os hábitos alimentares dos pterossauros – os répteis voadores do Mesozoico, que conviveram com seus parentes próximos, os dinossauros, embora sejam um grupo à parte. Os hábitos alimentares de alguns pterossauros têm sido muito obscuros e discutidos entre pesquisadores. Parte disso vem da grande diversidade de formas vistas em pterossauros, variando desde espécies com os mais distintos tipos de dentição até espécies com perda total dos dentes. Além disso, os pterossauros variavam muito de tamanho. Existiram espécies de pequeno porte, do tamanho de um pardal (20 centímetros de envergadura), até o tamanho de um pequeno caça aéreo (11 metros de envergadura) – o que dificulta na interpretação de como esses distintos animais se alimentavam, visto que diferentes tamanhos também implicam em diferentes estratégias para a obtenção de alimento.

A nova pesquisa, realizada pelos pesquisadores brasileiros Rodrigo Pêgas e Fabiana Costa (da Universidade Federal do ABC) e Alexander Kellner (do Museu Nacional), versa sobre a reconstrução da musculatura da mandíbula e estimativas de força de mordida para pterossauros. A reconstrução da musculatura em animais extintos é feita a partir dos ossos, através do estudo das marcas de inserção de músculos e comparações com animais viventes a respeito da posição dos músculos. Com isso, é possível avaliar as dimensões da musculatura e, em seguida, estimar a força de mordida do animal. Esse tipo de estudo é fundamental para a compreensão dos hábitos alimentares de animais extintos, e já havia sido realizado para dinossauros, mamíferos e até tubarões, embora nunca tenha sido feito antes para pterossauros – até então.

Para realizar a pesquisa, foram analisados nove pterossauros do período Cretáceo: Pteranodon, Nyctosaurus, Dsungaripterus, Tapejara, Caupedactylus, Tupuxuara, Thalassodromeus, Anhanguera e Tropeognathus. Destes nove, os últimos seis são brasileiros, provenientes da Bacia do Araripe – famosa mundialmente pela quantidade e qualidade excepcionais de seus fósseis, particularmente de pterossauros. O estudo corrobora a interpretação do pequeno pterossauro Tapejara wellnhoferi (~2 metros de envergadura) como um animal adaptado a quebrar frutas e sementes, que teria se alimentado de algumas das mais antigas frutas do planeta, potencialmente contribuindo para a expansão das angiospermas (plantas com flores e frutos, que surgiram no final do Jurássico). Já Caupedactylus e Tupuxuara (com 3 e 4 metros de envergadura, respectivamente), teriam sido generalistas, procurando por pequenos animais escondidos entre a vegetação, ou até mesmo peixes e carniça – semelhante a algumas cegonhas. Para o pterossauro Thalassodromeus, uma nova hipótese alimentar foi proposta. Com a maior força de mordida de todos, poderia ter empregado seu bico afiado, conjuntamente de uma estrutura única no céu da boca (sua protuberância palatal) para quebrar conchas duras de moluscos. Anhanguera e Tropeognathus (6 e 8,5 metros) teriam se alimentado de peixes, com mordidas mais adaptadas a um fechamento rápido do que a uma força alta (o que é típico de animais piscívoros), além de dentes longos adaptados a prender os peixes (semelhantes a gaviais e botos modernos). Contudo, com a mandíbula mais larga e uma força um pouco superior, é possível que Tropeognathus tenha se especializado em peixes maiores se comparado com Anhanguera, o que representa também uma nova hipótese. Já para os pterossauros Pteranodon (7 metros) e Nyctosaurus (2 metros), foi corroborada também a hipótese da piscivoria, com mordidas relativamente fracas embora rápidas. Por fim, o pterossauro Dsungaripterus, com seus dentes globosos e robustos, tem sido interpretado como um animal especializado em quebrar conchas. Uma musculatura mandibular robusta e uma alta força de mordida (a segunda mais alta, depois de Thalassodromeus) corroboram essa interpretação.

A comparação entre as 6 espécies do Araripe é particularmente interessante porque pode ajudar a explicar o alto número de pterossauros encontrados na mesma região: diferentes espécies de pterossauros poderiam ter compartilhado um habitat ao explorarem recursos alimentares de maneiras distintas. Essa versatilidade dos pterossauros pode ajudar a entender, ainda, de que forma eles espalharam em diferentes regiões e ecossistemas do mundo – e potencialmente ajudando a entender por que, no final do Cretáceo, se extinguiram, juntamente com os dinossauros não-avianos. Para entender melhor estes processos, futuras pesquisas deverão avaliar mais espécies de pterossauros, especialmente as formas mais antigas do Triássico e também as do Jurássico.

 

Artigo: Reconstruction of the adductor chamber and predicted bite force in pterodactyloids (Pterosauria). Zoological Journal of the Linnean Society.

Tradução: Reconstrução da câmara adutora e força de mordida estimada para pterodactyloides (Pterosauria). 

Autores: Rodrigo Pêgas, Fabiana Costa e Alexander Kellner.

Link para acesso ao artigo: 

https://academic.oup.com/zoolinnean/advance-article/doi/10.1093/zoolinnean/zlaa163/6105019?guestAccessKey=f885c1f4-7d05-4209-a9f7-dd859cb4e4a2

 

Contato:
Rodrigo Vargas Pêgas
rodrigo.pegas@hotmail.com

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