Tecnologia Blockchain para Gerenciamento de Prontuários Médicos de Pacientes do SUS (V.5, N.6 P.5, 2022),

Tempo estimado de leitura: 9 minute(s)

Autores:

Luciana Millaré, aluna do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia/UFABC

Carlo Kleber da Silva Rodrigues, professor do CMCC/UFABC

 

 

Você se lembra de todas as vezes que passou em consulta médica ou foi atendido em um serviço de saúde? Muito provavelmente não, mas ao menos uma vez na vida, no seu nascimento, você recebeu cuidados médicos. E, ao nascer, um documento foi criado para registrar todas as informações importantes e padronizadas sobre você. A esse documento, dá-se o nome de prontuário médico.

 

Sempre que você utiliza um serviço de saúde, seja uma consulta de rotina, um tratamento com um fisioterapeuta ou um atendimento de emergência médica, esse documento é criado ou, caso você já frequente o estabelecimento em questão, o seu prontuário é localizado e as informações do atendimento corrente são inseridas nele.

Seguindo esse raciocínio, podemos deduzir que uma pessoa com cerca de 50 anos deve ter pelo menos uma dezena de prontuários abertos em diversas entidades de saúde (clínicas, hospitais, laboratórios, etc.), considerando que seja uma pessoa relativamente saudável. No entanto, estes registros médicos estão separados e as informações neles contidas estão fragmentadas, não possibilitando ao profissional que o acessa ver todo o histórico de saúde desta pessoa.

 

A prática de registro das informações médicas de um paciente data de 2500 a.C., no Egito. No século V, Hipócrates, considerado o pai da medicina, orientava que fossem realizados os registros das informações sobre o curso da doença e as possíveis suspeitas diagnósticas. 

No Brasil, o uso do prontuário surgiu em 1944, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, posteriormente sendo adotado a nível nacional pelo Instituto Nacional de Previdência Social e, por fim, pelo Código de Ética Médica, que estabelece a obrigatoriedade de elaboração de prontuários individuais.

 

 

Mas qual a definição formal para prontuário médico? 

Segundo o Conselho Federal de Medicina brasileiro, o prontuário médico pode ser entendido como: um documento único, constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registrados, gerados a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo (CFM, 2003, resolução nº 1.638/2002, art. 1º).

 

Desde seu advento, o prontuário médico do paciente é feito no papel (Figura 1). Com o desenvolvimento da informática, mais precisamente na década 1970, nos Estados Unidos surgem então os primeiros sistemas de Prontuários Eletrônicos do Paciente (PEPs). No Brasil, os primeiros sistemas de PEPs apareceram por volta do ano de 1990, no meio universitário.

 

A imagem é em preto e branco; apresenta um prontuário médico, que é uma pasta com divisórias de A até Z

Figura 1: Ilustração do prontuário médico.

 

      

Atualmente, diversos sistemas de informática oferecem soluções para que os serviços de saúde, sejam públicos ou privados, utilizem o conceito de PEP. Estes sistemas são baseados na arquitetura de banco de dados cliente-servidor, onde todas as informações dos PEPs ficam concentradas em uma entidade confiável (i.e., o servidor), e somente os computadores (i.e., os clientes) ligados a ele conseguem acessar as informações armazenadas.

 

A adoção do PEP traz inúmeros benefícios para os pacientes e para as equipes de saúde, pois possibilita um registro mais seguro e acessível dos dados médicos. No entanto, ele também apresenta pontos críticos quanto ao seu gerenciamento, que são: segurança, disponibilidade, confidencialidade e privacidade. Para resolver essa questão, tem-se então a possibilidade de uso da tecnologia Blockchain, conforme explicado a seguir.

 

 

Como aplicar a tecnologia Blockchain no gerenciamento de PEPs?

A tecnologia Blockchain, que surgiu em 2008 com a criptomoeda Bitcoin, é uma promissora solução para emprego na área da saúde, mais especificamente, no gerenciamento dos PEPs e, sendo assim, tem sido um objeto de estudo em todo o mundo.

 

No Brasil, a utilização de um sistema eletrônico de gerenciamento, que permita acesso ao PEP por qualquer entidade de saúde vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), pode certamente garantir ao cidadão um atendimento mais customizado, seguro e rápido.

Isso principalmente porque, por meio de um sistema eletrônico de coleta de dados integrado nacionalmente, inúmeras pesquisas podem ser melhor conduzidas para, e.g., identificar o nível de vulnerabilidade de determinada região (quanto a maior ou menor incidência de doenças), otimizar a assistência de saúde ofertada à população em âmbito regional e nacional, auxiliar no desenvolvimento de novos medicamentos, dentre outros.

 

A imagem é colorida. Apresenta uma representação da blockchain como um grafo, em que os nós possuem cadeados, para representar a segurança

Figura 2: Ilustração da Blockchain.

 

A Blockchain funciona como um “livro-razão”, uma cadeia ordenada e consistente de blocos de transações, distribuída em diversos nós de uma rede peertopeer (P2P) (Figura 2). O bloco pode ser dividido em duas partes: “cabeçalho” e “dados”. Cada novo bloco acrescido na cadeia terá no seu próprio “cabeçalho” o valor do identificador do bloco anterior, além das informações das transações nele contidas.

Desta forma, a modificação de um bloco implica a mudança de todos os blocos subsequentes, o que é um trabalho computacional muito difícil de ser realizado e, assim, fica garantida a integridade de toda base de dados.

 

Na parte de “dados” do bloco são armazenadas as transações propriamente ditas, pertencentes a ele. No caso da área da saúde, considerando o conceito de PEPs, as transações podem conter os dados médicos do paciente, tais como um exame, uma receita médica, um diagnóstico.

Ademais, cada transação possui um identificador próprio e a informação de quem a criou, além de outras informações pertinentes, de acordo com a transação armazenada. Salienta-se, ainda, que a transação é uma unidade coerente de informação que será replicada e validada por vários nós da rede P2P.

 

Note que a rede P2P dá à Blockchain a característica de um sistema distribuído e disponível, pois a mesma informação armazenada na máquina 1, estará também na máquina 2 e em todas as máquinas pertencentes à rede P2P. Assim, caso a máquina 1 saia da rede, a informação que ela continha estaria replicada nas outras máquinas ainda pertencentes à rede, garantindo a disponibilidade e distribuição da informação.

 

 

Conclusões finais

A tecnologia Blockchain inova ao prover um mecanismo de confiança, que é a validação de todos os blocos e transações por todos os nós da rede, o que dificulta a inserção de registros incorretos na plataforma. A confiança da Blockchain está, portanto, depositada na rede, no comportamento coletivo.

Ademais, ao se utilizar a tecnologia Blockchain para o gerenciamento eletrônico do PEPs no SUS, quando um prontuário médico é criado em qualquer unidade de saúde ligada ao sistema, esse prontuário pode ser acessado por todas as outras unidades de saúde e atualizadas a cada nova visita do paciente. Ou seja, as informações do paciente não ficam mais concentradas em um só local como antes, mas sim ficam, agora, disponíveis para toda a rede. 

Por fim, a tecnologia Blockchain termina sendo uma grande aliada para promover e garantir um efetivo sistema de saúde para todos os brasileiros, culminando em uma sociedade mais justa, digna e inclusiva.  

 

 

Referências

Almeida, M. J. G. G; Figueiredo, B. B; Salgado H. C; Torturella, I. M. (2016) Discussão ética sobre o Prontuário Eletrônico do Paciente. Revista Brasileira de Educação Médica, 521-527.

Brandão A. F.; Castellano G; Dias D. R. C; Guimarães M.P. (2020). Blockchain para gerenciamento de prontuários eletrônicos. In Risti, abril 2020.

da Conceição, A. F; Rocha, V. M; de Paula, R. F. (2019). Blockchain e Aplicações em Saúde. In Livro de Minicursos. 19o Simpósio Brasileiro de Computação Aplicada à Saúde, 11 a 14 de junho de 2019. Sociedade Brasileira de Computação – SBC, Porto Alegre.

Rodrigues, C. K. S. (2021). Analyzing Blockchain Integrated architectures for effective handling of IoT-ecosystem transactions. Computer Networks, vol. 201, p. 108610, 2021.

doi:10.1016/j.comnet.2021.108610.

Rodrigues, C. K. S. (2021). Blockchain-Based Platform for Managing Patients’ Data in the Public Healthcare System of Brazil. Revista de Sistemas e Computacao (RSC), vol. 11, no. 3, pp. 63–72, 2021. doi:10.36558/rsc.v11i3.7541.

 

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