Blockchain em Internet das Coisas: Desafios e Futuro (V.5, N.8 P.5, 2022)

Tempo estimado de leitura: 12 minute(s)

Autores:

Miller Queiroz Paiva, aluno do curso de Bacharelado em Ciência da Computação/UFABC

Carlo Kleber da Silva Rodrigues, professor do CMCC/UFABC

Nos últimos anos, tem-se ouvido falar de Blockchain e Internet das Coisas (IoT). Mas o que realmente significam esses termos e, mais importante, como podem impactar o nosso dia a dia? Blockchain se refere a uma tecnologia utilizada para a construção de uma base de dados distribuída, tendo sua sustentação no emprego de criptografia. Internet das Coisas – IoT (do inglês Internet of Things – IoT), por sua vez, se refere à conexão de diversos dispositivos eletrônicos (as coisas) por meio da Internet que interagem entre si. O objetivo deste artigo é descrever o que são e como funcionam essas tecnologias, delineando como se daria a aplicação da Blockchain em IoT, considerando os desafios que se apresentam hoje e vislumbrando o futuro que nos espera.

 

O que é e como funciona a Blockchain?

Para entender Blockchain, é interessante começar pelo significado dessa palavra. Ela possui sua origem na língua inglesa, sendo composta pelas palavras “bloco” (block) e corrente (chain), o que poderia ser traduzido por “corrente de blocos” [1, 2, 3, 4, 5, 6].


Blockchain é na prática uma base de dados formada por uma corrente de blocos, em que cada bloco tem as informações (ou transações dos usuários) a serem guardadas em um sistema de informação dos mais diversos tipos de negócios (e.g., hospitais, escolas, indústrias, etc.). Essa base de dados opera sob uma topologia lógica de rede peer-to-peer (P2P), onde os nós da rede (chamados de mineradores) são responsáveis pela manutenção da mesma. Os mineradores mantêm uma cópia de todos os blocos do sistema (denominada de ledger), o que implica ser essa uma rede distribuída. O esquema pode ser visualizado simplificadamente na Figura 1, onde T refere-se à transação.

 

Orgonagrama Colorido em que há 6 pontos interligados. Cada ponto está nomeado com o nome “Nó” de 1 a 6 no sentido horário. Ao lado de cada ponto há um cilindro com a palavra “Ledger”.

Figura 1 – Blockchain como uma base de dados distribuída em uma rede P2P [1]

 

#ParaTodosVerem: Organograma Colorido em que há 6 pontos interligados. Cada ponto está nomeado com o nome “Nó” de 1 a 6 no sentido horário. Ao lado de cada ponto há um cilindro com a palavra “Ledger”.

 

Vamos agora entender um pouco sobre o mecanismo de segurança de uma rede Blockchain. Essa segurança é provida pelos chamados protocolos de validação de blocos, sendo bastante conhecido o protocolo denominado Prova de Trabalho (do inglês Proof of Work – PoW), que é o protocolo utilizado, por exemplo, no conhecido sistema de criptomoedas Bitcoin. Usando então o PoW para esse entendimento, temos então o seguinte. A validade de um novo bloco é determinada por consenso, ou seja, a maioria dos nós da rede (i.e., os mineradores) devem validá-lo coletivamente após terem realizado uma série de verificações no bloco. Os blocos vão sendo inseridos continuamente na cadeia de blocos conforme vão sendo validados [2, 3, 4, 5, 6].

Mas o que ocorre quando se tenta adicionar dois blocos ao mesmo tempo na cadeia? Nesse momento acontece o que se conhece como bifurcação (do inglês, fork), quando a cadeia de blocos se parte em duas, sem que se possa saber inicialmente qual ramo irá prevalecer ao final. Diz-se que há uma condição de corrida que, na prática, implica que o ramo que vai vencer será aquele que crescer (com a adição de outros novos blocos subsequentes) mais rapidamente. Isso está ilustrado na Figura 2. O ramo de cima (destacado em verde) é aceito, pois teve o bloco 106 adicionado antes do ramo de baixo (blocos que se tornam órfãos).

Figura 2 – Inserção de novos nós numa cadeia de blocos [1]

Mas o que acontece com os nós que se tornaram órfãos? As informações não são perdidas, elas são reservadas e ficam aguardando a inserção de novos blocos que possam eventualmente contê-las. Veja que todo esse processo exige poder computacional e, consequentemente, demanda um considerável gasto de energia elétrica para sustentar os hardwares das máquinas dos mineradores. 

 

Internet das Coisas (IoT)

Como dito ao início, o termo Internet das Coisas (IoT) pode ser resumido na ideia de diversos objetos (as coisas) interligados através da Internet e interagindo entre si. A ideia de IoT seria, então, uma rede ubíqua que perpassa os objetos da vida cotidiana, onde cada objeto é um componente dessa rede, simultaneamente utilizando seus serviços e enviando informações que alimentarão o sistema. Note que as “coisas” podem ser carros, televisores, eletrodomésticos em geral, ou mesmo os óbvios celulares.

Para melhor visualizar as possibilidades, pode-se considerar um exemplo citado por Singer [3] de uma escola em Vitória da Conquista/BA. Nessa escola, foram instaladas nos uniformes escolares etiquetas de radiofrequência que monitoram os estudantes em tempo real. As etiquetas permitem monitorar a entrada dos alunos na escola e até disparar mensagens para os celulares dos pais. Outro exemplo, é o caso da frota de ônibus da região metropolitana de São Paulo, onde cada ônibus pode ser localizado precisamente na sua rota, com os dados atualizados através de aplicativos como o CittaMobi (https://www.cittamobi.com.br/home/). Assim, as filas de espera em pontos de ônibus não precisam mais ser tão longas. Esses são exemplos singelos do que se poderia e já se faz sob o rótulo de Internet das Coisas, mas o termo é bastante mais amplo [2, 3, 4, 5]. 

Neste contexto, a Figura 3 mostra um panorama elaborado por Albertin & Albertin [4], onde os autores demonstram as dimensões envolvidas nesse novo paradigma e os termos que costumam acompanhar seu estudo. Os autores deram uma boa ideia das dimensões envolvidas em IoT, dividindo-as em oferta, demanda e ambiente. Essas dimensões podem ser encaradas como lados de uma mesma moeda e, considerando as subdivisões de cada uma dessas três dimensões, pode-se perceber que essa é uma moeda de várias faces. Isso dá uma ideia não apenas do que significa hoje IoT, mas do seu potencial para o futuro

Entre os termos constantes da Figura 3, o acrônimo BYOD (Bring your own device) remete à possibilidade ampla de qualquer aparelho (coisa) se conectar a esse sistema que seria IoT, enquanto que Crowdsourcing remete ao fato de que IoT pode ser uma fonte inesgotável de informações que poderiam ser utilizadas de formas não totalmente previstas atualmente. Já outros termos são bem conhecidos do noticiário sobre tecnologia como, por exemplo, machine learning, big data e computação em nuvem.

Figura 3 – Dimensões da IoT: ambiente, oferta e demanda [4]

 

Blockchain resolve questões de segurança e privacidade de IoT?

Apesar das possibilidades promissoras que podem ser visualizadas de um uso sistemático e amplo do paradigma da IoT, algumas questões se colocam para ser pensadas como possíveis fontes de problemas. Algumas delas são a segurança e a privacidade. Em resposta a esses e outros desafios, se tem cogitado a utilização da plataforma Blockchain em IoT, pois, da mesma forma que uma rede IoT, uma rede Blockchain também se utiliza de nós distribuídos para processar suas transações, muitas vezes de lugares distantes entre si. Blockchain pode ser aplicada nas mais diversas tarefas. Em um exemplo citado no Simpósio Brasileiro de Segurança da Informação e de Sistemas Computacionais [1], os autores exemplificam isso com a entrega de encomendas por empresas de transportes, onde a perda de pacotes é um risco real. Nesse sentido, com sensores instalados em todos os lugares, cada um desses sensores poderia ser visto como um nó de uma rede Blockchain, que garantiriam o local exato e o tempo de entrega do pacote.

 

A seguir citamos algumas das vantagens de utilização da integração entre as tecnologias Blockchain e IoT:

  1. os dados (informações) transmitidos através de dispositivos IoT seriam registrados através da lógica das transações da Blockchain, ou seja, ficariam registrados no ledger e teriam garantidos autenticidade e integridade;
  2. gestão de identidades: os nós da Blockchain atuam por meio de diversos mecanismos criptográficos, o que daria maior segurança ao realizar uma transação entre dispositivos IoT;
  3. utilizando a ideia das moedas digitais, como Bitcoin, os dispositivos de IoT poderiam realizar a comercialização de ativos diversos.  

 

Mas quais são os desafios para integrar Blockhain e IoT?

Há, entretanto, muitos desafios para se fazer a devida integração entre as duas tecnologias vistas. Dois dos desafios que podem ser destacados são a escalabilidade e a segurança. A escalabilidade se refere à capacidade de um sistema de operar expandindo suas capacidades de prestação de serviços sem aumentar os custos. Mais ainda, um sistema dito escalável teria até a capacidade de tirar vantagem de uma expansão dos seus serviços sem ter que alterar os fundamentos sob os quais opera [2, 3, 4, 5].

Como exemplo relacionado à escalabilidade, um dos gargalos que se vê são os enormes recursos computacionais exigidos, por exemplo, pelo protocolo Prova de Trabalho. Isso porque se espera que dispositivos IoT sejam os mais diversos possíveis, mas a maioria possuindo limitadas capacidades computacionais. Nesse cenário, a ampliação de serviços pode ser vista como um gargalo, ainda mais quando se considera que a quantidade de dados tende a aumentar exponencialmente com a entrada de mais coisas (dispositivos) no sistema, o que aumentaria a necessidade de espaço de armazenamento da ledger nesses dispositivos.

Em relação à segurança, o leitor pode ter ficado confuso, uma vez que uma das vantagens da aplicação da Blockchain à IoT é justamente o aumento da segurança e privacidade. Entretanto, Blockchain não é um sistema absolutamente seguro, nem provê total privacidade aos usuários. A privacidade em Blockchain é condicionada à utilização de várias regras e pode ser considerada relativa, o que pode ser visto com mais detalhes na referência [1]. A segurança das transações em Blockchain está também condicionada ao fato de que nenhum dos nós possui individualmente mais da metade do poder computacional total de processamento do sistema, ou seja, nenhum nó sozinho consegue alterar maliciosamente os mecanismos de segurança da Blockchain. Entretanto, isso pode ser relativizado se considerarmos que atualmente já existem cooperativas de mineradores, nas quais os mesmos se unem para benefícios mútuos (i.e., pool mining). Apesar de isso ainda não ter se concretizado como ameaça real à segurança de sistemas Blockchain, é um fator a se considerar para o futuro.

Esses são alguns dos desafios que se apresentam na aplicação da Blockchain à IoT, e que irão demandar muitas pesquisas nos próximos anos, ainda mais quando se considera cada vez mais emergente esse paradigma denominado Internet das Coisas. Paralelamente às pesquisas realizadas pela iniciativa privada, esses desafios serão resolvidos e muitos outros propostos pelas nossas universidades e seus pesquisadores [2, 3, 4, 5].

 

 

Referências

[1] Minicurso (do) XVII Simpósio Brasileiro de Segurança da Informação e de Sistemas Computacionais, 06 a 09 de novembro de 2017, Brasília, DF: Sociedade Brasileira de Computação, 2017. Disponível em <https://sbseg2017.redes.unb.br/>. Acesso em 07 jul 2022.

[2] RIBEIRO, Lucas; MENDIZABAL, Odorico. Introdução à Blockchain e Contratos Inteligentes: Apostila para Iniciante. Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/221495>. Acesso em 07 jul 2022.

[3] SINGER, Talyta. Tudo conectado: conceitos e representações da Internet das Coisas. Disponível em <http://gitsufba.net/anais/simsocial-2012/>. Acesso em 08 jul 2022.

[4] ALBERTIN; Alberto Luiz; ALBERTIN, Rosa Maria M. A Internet das Coisas irá muito além das coisas. Disponível em <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/gvexecutivo/issue/view/3851>. Acesso em 08 jul 2022.

[5] RODRIGUES, Carlo K. da S.; ROCHA, Vladimir E. M. Uma Avaliação da Tecnologia Blockchain considerando Eficiência e Segurança de Aplicações do Ecossistema IoT. Disponível em <https://sol.sbc.org.br/index.php/sbseg/article/view/19232>. Acesso em 13 jul. 2022.

[6] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Eletronic Cash System. Disponível em <https://bitcoin.org/en/bitcoin-paper>. Acesso em 07 jul 2022.

 

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