Blockchain no setor jurídico do Brasil (V.5, N.4 P.7, 2022)

Tempo estimado de leitura: 8 minute(s)

Autores:
Renata dos Santos Silva Paes, aluna de Engenharia da Informação/UFABC
Carlo Kleber da Silva Rodrigues, professor do CMCC/UFABC.

 

         Muito provavelmente você já ouviu falar de criptomoedas e ficou curioso sobre elas, afinal o assunto está super aquecido e frequentemente é pauta para notícias. Logo, você já deve ter notado que junto desse tema, principalmente quando fala-se sobre a Bitcoin, um termo geralmente citado é Blockchain. Mas o que é isso? Blockchain é uma tecnologia mencionada pela primeira vez em 2008 em um paper científico, que tem como título: “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, de autoria de Satoshi Nakamoto, e é essa tecnologia que suporta e permite as transações envolvendo criptomoedas.

 

E como ela funciona?

         A Blockchain é uma rede peer-to-peer, ou seja, uma máquina se comunica diretamente com outras máquinas, sem a necessidade de um intermediário. Isso torna essa tecnologia independente de burocracias envolvendo o governo e os bancos de um país, por exemplo. Como o próprio nome diz, Blockchain (Block = bloco, chain = cadeia) é uma cadeia de blocos de transações. Em cada um desses blocos, que estão espalhados pelo mundo, um código de números e letras é gerado por uma função matemática chamada hash, protegendo o envio e o transporte dos dados das transações realizadas. Por estar espalhada e livre de intermediação, a Blockchain registra as operações ocorridas em um livro razão, que pode ser acessado por qualquer um dentro da rede. A imagem abaixo mostra o funcionamento simplificado da Blockchain.

Funcionamento da blockchain de modo simplificado

 

          O bloco vermelho representa o ativo digital vendido/enviado, como por exemplo, uma criptomoeda.

          Os blocos verdes representam a cadeia de transações já realizadas.

          Assim que o hash do bloco vermelho for validado, ele se ligará aos blocos verdes da cadeia.

 

Ok, mas ela pode ser utilizada apenas para criptomoedas?

         Apesar de estar muito relacionada às criptomoedas e consequentemente ao sistema financeiro, a Blockchain pode ser utilizada em diversos setores e contextos, como os famosos e polêmicos Tokens Não Fungíveis (NFTs), que são documentos virtuais únicos, exclusivos e insubstituíveis (por isso o “não fungível”). Também é possível utilizá-la para autenticação de documentos ou mesmo direta ou indiretamente pelo sistema judiciário, como já acontece, por exemplo, na China, Índia e Brasil.

         Em particular, no Brasil, alguns sistemas utilizam a Blockchain para produção de provas digitais como capturas de tela para anexação em processos, como é o caso da plataforma “Posso Provar”. Por meio dela, capturas de tela e outros arquivos digitais são autenticados e um relatório, contendo o hash, é gerado, permitindo o uso como evidências em processos jurídicos, pois, com a certificação em Blockchain, há a garantia de que esses arquivos não sofreram algum tipo de alteração e manipulação. Ademais, alguns cartórios brasileiros também já utilizam a tecnologia para fazer o reconhecimento de firma de documentos, permitindo que o procedimento seja realizado a distância e totalmente online pelo sistema e-Notariado. A seguir é explicada mais detalhadamente a aplicação da Blockchain no setor jurídico do Brasil.

 

O Poder Judiciário brasileiro e o seu processo de digitalização

          O Poder Judiciário brasileiro nasceu junto com os outros dois poderes, o Legislativo e Executivo, por meio da Constituição Federal de 1988, e é ele que garante os direitos dos cidadãos brasileiros, assim como interpreta e aplica leis, sempre visando à promoção da justiça.

          O processo de informatização dos processos jurídicos se deu por meio da lei 11.419/2006. Em 2013, o Sistema Processo Judicial Eletrônico – (PJe) foi instituído como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e, em 2020, foi criada a Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br, com o intuito de integrar os tribunais do País.

          Com a pandemia da Covid-19, a digitalização do judiciário, assim como de diversos setores, sofreu uma aceleração, mudando não só as relações de trabalho, mas também a forma como os procedimentos jurídicos são realizados. Algumas resoluções observadas nos últimos anos dispõem sobre o “Juízo 100% digital”, que permite audiências e atos processuais de forma totalmente remota, sendo esse um dos núcleos do “Programa Justiça 4.0 – Inovação e efetividade na realização da Justiça para todos”, que busca a utilização de novas tecnologias e inteligência artificial pela justiça brasileira. Neste contexto, é possível pensar na utilização da Blockchain como uma dessas novas tecnologias, a fim de incluir não só modernidade, mas também segurança a essa nova era do setor judiciário brasileiro.

 

A utilização da Blockchain e a justificativa

            O acesso aos sistemas do PJe é por meio de sites e são utilizados certificados e assinaturas digitais para acesso a informações restritas. Apesar disso, não é incomum o conhecimento de casos de invasão aos sites dos tribunais, como ocorrido em 2021 com o TJ-RS.

           Proteger arquivos e dados digitais é de extrema importância, não à toa que em agosto/2020 entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a fim de assegurar a proteção aos dados pessoais de todo cidadão brasileiro. Além disso, garantir a proteção dos sistemas utilizados para o armazenamento de arquivos judiciais é essencial para a garantia de justiça ao cidadão, função pela qual o sistema judiciário foi criado. Portanto, se faz necessária a adequação e utilização de tecnologias que garantam a segurança dos softwares utilizados pelo judiciário brasileiro.

            Uma das tecnologias que pode ser adotada, como visto acima, é a Blockchain, mas como isso pode ser feito? Assim como já abordado, esta pode e já é utilizada para garantir autenticidade de documentos e arquivos digitais. Isso porque uma vez registrado no livro razão, um arquivo não pode mais ser alterado ou removido da rede Blockchain, assegurando a integridade da operação. Indo além, é possível citar o controle de acesso e transações por meio dessa tecnologia no judiciário brasileiro. Um modelo de como esse controle pode ser implementado pode ser simplificadamente visto na imagem a seguir.

Modelo de controle simplificado


            (1) O sistema possui pessoas autorizadas (sejam partes dos processos ou funcionários/agentes do judiciário) que possuem uma chave pública e uma privada, e uma lista com transações permitidas para o tipo de registro e função dentro do contexto jurídico.

            (2) Por meio da chave privada, que funciona como uma senha, uma assinatura digital é gerada e a tentativa de acesso e/ou realização de determinada transação, como acesso aos autos de um processo, é encriptada com a assinatura digital.

            (3) Através da chave pública, a assinatura digital é desencriptada e a autenticidade do usuário é validada.

            (4) Um bloco com as informações da transação, um código hash e o timestamp são gerados.

            (5) O bloco gerado passa por validação pela rede, por meio do que é conhecido como “mineração”, que nada mais é do que a resolução de um algoritmo para confirmar a veracidade.

            (6) Caso a rede valide o bloco, ele é registrado na cadeia de blocos e a transação é registrada no livro razão.

 

           As possibilidades com a Blockchain são muitas e a tendência é a utilização dessa tecnologia nos mais diversos contextos, podendo ser explorada pelos órgãos do Governo em seus sistemas.

           Com a digitalização da justiça brasileira e os projetos para um acesso cada vez mais online e moderno, a Blockchain pode ser uma alternativa viável e interessante para assegurar a segurança dos acessos, dados e transações realizadas pelo setor.

 

Fontes principais de consulta
https://www.e-notariado.org.br/
https://www.tjsp.jus.br/PoderJudiciario/PoderJudiciario/OrgaosDaJustica
www.possoprovar.org
https://www10.trf2.jus.br/corregedoria/justica-4-0/
https://www10.trf2.jus.br/corregedoria/justica-4-0/nucleos-de-justica-4-0/
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/Cartilha-Justica-4-0-WEB-28-06-2021.pdf
https://justicadigital.com/digitalizacao-judiciario/
https://www.tjrs.jus.br/novo/justica-gaucha-tv/poder-judiciario-gaucho-e-vitima-de-invasao-cibernetica/

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