Visões Além do Arco-Íris: dicromatismo e tetracromatismo (V.7. N.1. P.2, 2024)

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Divulgadoras(es) da Ciência: Gabrieli Bovi dos Santos, Théo H. Lima-Vasconcellos e Alexandre Hiroaki Kihara

 

A visão é um dos sentidos mais importantes para a sobrevivência, principalmente quando deve-se distinguir o alvo diante do ambiente/ cenário em que se encontra. A visão das cores tem grande participação nisso, assim como estudos acerca da evolução podem ser correlatos a evolução da visão das cores.

Primeiro, precisamos entender o que são as cores e suas tonalidades. A cor é a impressão causada pela luz, percebida por nós através de comprimentos de ondas, também conhecidas como fótons. Diferentes comprimentos de ondas representam diferentes cores. A cor branca é a união de todas as cores, já o preto é a ausência delas, porque não consegue refletir a luz, mas sim a absorve. Por exemplo, quando a luz incide sobre um objeto amarelo, o comprimento de onda que corresponde a essa cor será refletido para os nossos olhos (1). No fundo do olho temos um tecido que faz parte do sistema nervoso central, conhecido como retina. A retina possui diversas células capazes de captar, traduzir e transmitir os sinais luminosos em um sinal entendido pelo cérebro, onde as informações percebidas pelo olho serão processadas em uma imagem, processo conhecido como fototransdução. Para isso acontecer, precisamos de células especializadas em captar a luz, conhecidas como fotorreceptoras (1).

Na retina humana temos dois tipos de células fotorreceptoras (foto = luz, receptora = que recebe), são elas os bastonetes e cones. Normalmente possuímos três subtipos diferentes de cones, conhecidos como tricromáticos. Essas células possuem proteínas chamadas “fotopigmentos”, responsáveis por iniciar o processo de fototransdução (Fig. 1C), conhecidas como rodopsinas (bastonete) e opsinas (cones). As células bastonete são responsáveis pela visão noturna, isso porque essas células são mais sensíveis à luz que os cones, captando estímulos de até um fóton, sendo seu pico de resposta em 510 nm, também participam da visão diurna regulando o brilho e contraste (Fig. 1A) (1,2). Os cones, são responsáveis pela visão diurna e de cores, além da acuidade visual (Fig. 1B), os subtipos são: os cones de comprimento de onda longa (L, 570 nm, vermelho), média (M, 540 nm, verde) e curta (S, 440 nm, azul). As cores secundárias são as misturas das cores primárias (vermelho, verde e azul). Assim, a formação das cores secundárias se dá pela diferença na intensidade de ativação dos cones e possibilitando a formação de milhares de cores (1–3).

 

Figura 1 – Como fotorreceptores percebem as diferentes cores. (A) Visão noturna é responsável pelo fotorreceptor bastonete, que possui uma sensibilidade maior a luz. (B) Visão diurna é responsável pelos fotorreceptores cones, que em humanos são diferentes tipos que captam 3 diferentes comprimentos de ondas. (C) Processo de fototransdução ocorre nos discos dos fotorreceptores, com a ativação da cascata por meio das opsinas.

 

Em geral, a maioria das pessoas nasce com os três subtipos de cones, mas, há casos de mulheres com presença de um quarto subtipo de cone, reconhecendo mais cores que indivíduos normais. Esse fenômeno é conhecido como tetracromatismo, um exemplo é a artista Concetta Antico, que expressa em sua arte sua visão (4,5). Contudo, considerando que os genes para os cones do tipo M e L estão localizados no cromossomo X as chances de ocorrer em mulheres é maior que em homens. Interessantemente, o tetracromatismo acontece quando uma das cópias dos genes está mutada/anômala e a outra normal, gerando o quarto subtipo de cone(6). Com isso, o amarelo passa a ser primária. Quando a mutação ocorre nos dois alelos ou em apenas um deles, no caso dos homens, a ausência ou disfunção de um dos cones podem levar a uma das diversas formas de daltonismo. Os daltônicos têm dificuldade de diferenciar algumas cores. Assim, as chances de daltonismo são aumentadas para a população masculina (6).

O tetracromatismo está presente em várias espécies de aves, peixes, anfíbios, répteis e insetos, mas nos mamíferos esses genes foram sofrendo alterações, como os cães e gatos. Ambos os animais são considerados dicromáticos, ou seja, possuem apenas dois tipos de cones. Os gatos possuem cones do tipo L e S, picos em 560 e 450 nm (7,8), já os cães possuem cones os comprimentos de onda M/L e S, picos em 555 e 429 nm, considerados cegos para as cores vermelho e verde, enxergando semelhante ao daltonismo humano conhecido como deuteranopia (9). Assim como esses animais domésticos, os ratos e camundongos também são dicromáticos, com cones para ondas 510 e 360 nm (10,11). Ondas abaixo de 400 são consideradas ultravioletas (UV), um espectro não visível aos humanos (Fig. 1B, 2). Curiosamente os animais não-mamíferos são comuns de perceber quatro ou mais cores, e até percebem ondas UV.

Animais como peixe-zebra ou goldfish (12), pombos (13), abelhas e tartarugas têm cones responsáveis pela percepção da cor UV e para cada espécie esse cone tem um papel diferente e fundamental. Nos pombos a cor UV é importante para a seleção sexual e busca por alimentos. As fêmeas escolhem os machos pela cor UV refletida nas penas (13). As abelhas conseguem perceber a cor UV do pólen nas flores, sendo uma vantagem na busca de alimento (14). As tartarugas têm cones para UV e outros cinco tipos, além disso carregam um gene vermelho compartilhado com os dinossauros, capaz de perceber diferentes tons de vermelhos (15,16).

 

Figura 2 – Visão de cores em diferentes espécies. A visão dos roedores e animais domésticos representados são consideradas dicromáticas, já para a maioria dos humanos é tricromática, enquanto as lagostas e outros animais como tartarugas são tetracromáticos.

 

A lacraia do mar ou lagosta boxeadora é um crustáceo com uma percepção de cores fantástica e diferente de qualquer outro animal. Na visão deles possui dezesseis cones diferentes no total, mas doze deles enxergam cores primárias distintas de comprimento de onda menor que 300 nm até acima de 700 nm. A lagosta também é capaz de perceber a luz polarizada pelos seus quatro outros cones (Fig. 2) (17). A luz polarizada é o feixe de luz direcionado em um único plano, enquanto não polarizada se propaga para todos os planos. Com essa descoberta, pesquisadores estão usando a biologia da visão da lagosta para diagnóstico de câncer, isso porque as células cancerígenas refletem de maneira diferente do tecido saudável a luz polarizada. A University of Queensland e Washington University estão tentando desenvolver uma câmera com base nos olhos da lagosta para o diagnóstico de cânceres (18,19). Assim, as possibilidades de cores são mais que conseguimos pensar e enxergar, sendo que seu estudo possibilita criação de novas tecnologias e entendimento da evolução pela perspectiva da visão.

 

Referências

1. Kroemer Elbert KE, Kroemer HB, Kroemer Hoffman AD. Human Senses. Ergonomics. 2018;171–252.
2. Ingram NT, Sampath AP, Fain GL. Why are rods more sensitive than cones? J Physiol [Internet]. 2016 Oct 10 [cited 2022 Jul 11];594(19):5415. Available from: /pmc/articles/PMC5043029/
3. Rodriguez-Carmona M, Barbur JL. Variability in normal and defective colour vision: Consequences for occupational environments. Colour Des Theor Appl Second Ed. 2017 Jan 1;43–97.
4. Jordan G, Mollon J. Tetrachromacy: the mysterious case of extra-ordinary color vision. [cited 2022 Jul 11]; Available from: https://doi.org/10.1016/j.cobeha.2019.08.002
5. The women with superhuman vision – BBC Future [Internet]. [cited 2022 Jul 11]. Available from: https://www.bbc.com/future/article/20140905-the-women-with-super-human-vision
6. Porter B. Teleosemantics and tetrachromacy. Biol Philos 2020 351 [Internet]. 2020 Jan 2 [cited 2022 Jul 11];35(1):1–22. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s10539-019-9732-9
7. Huberman AD, Niell CM. What can mice tell us about how vision works? Trends Neurosci [Internet]. 2011 Sep [cited 2022 Jul 11];34(9):464. Available from: /pmc/articles/PMC3371366/
8. Clark DL, Clark RA. Neutral point testing of color vision in the domestic cat. Exp Eye Res. 2016 Dec 1;153:23–6.
9. Siniscalchi M, D’Ingeo S, Fornelli S, Quaranta A. Are dogs red–green colour blind? R Soc Open Sci [Internet]. 2017 Nov 8 [cited 2022 Jul 11];4(11). Available from: /pmc/articles/PMC5717654/
10. Niklaus S, Albertini S, Schnitzer TK, Denk N. Challenging a Myth and Misconception: Red-Light Vision in Rats. Anim an Open Access J from MDPI [Internet]. 2020 Mar 1 [cited 2022 Jul 11];10(3). Available from: /pmc/articles/PMC7143485/
11. Denman DJ, Luviano JA, Ollerenshaw DR, Cross S, Williams D, Buice MA, et al. Mouse color and wavelength-specific luminance contrast sensitivity are non-uniform across visual space. Elife [Internet]. 2018 Jan 10 [cited 2022 Jul 11];7. Available from: /pmc/articles/PMC5762155/
12. Robinson J, Schmitt EA, Hárosi FI, Reece RJ, Dowling JE. Zebrafish ultraviolet visual pigment: absorption spectrum, sequence, and localization. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet]. 1993 Jul 7 [cited 2022 Jul 11];90(13):6009. Available from: /pmc/articles/PMC46856/?report=abstract
13. Hunt DM, Wilkie SE, Bowmaker JK, Poopalasundaram S. Review Vision in the ultraviolet.
14. Backhaus W, Kliegl R, Werner JS. Color vision : perspectives from different disciplines. 1998 [cited 2022 Jul 11];343. Available from: https://books.google.com/books/about/Color_Vision.html?hl=pt-BR&id=DrduOSrOFegC
15. Twyman H, Valenzuela N, Literman R, Andersson S, Mundy NI. Seeing red to being red: conserved genetic mechanism for red cone oil droplets and co-option for red coloration in birds and turtles. Proc R Soc B Biol Sci [Internet]. 2016 Aug 17 [cited 2022 Jul 11];283(1836). Available from: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2016.1208
16. Grötzner SR, de Farias Rocha FA, Corredor VH, Liber AMP, Hamassaki DE, Bonci DMO, et al. Distribution of rods and cones in the red-eared turtle retina (Trachemys scripta elegans). J Comp Neurol [Internet]. 2020 Jun 15 [cited 2022 Jul 11];528(9):1548–60. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/cne.24830
17. Marshall J, Oberwinkler J. The colourful world of the mantis shrimp. Nat 1999 4016756 [Internet]. 1999 Oct 28 [cited 2022 Jul 11];401(6756):873–4. Available from: https://www.nature.com/articles/44751
18. Nature’s elegant and efficient vision systems can detect cancer – UQ News – The University of Queensland, Australia [Internet]. [cited 2022 Jul 11]. Available from: http://www.uq.edu.au/news/node/115345
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