Você sabia que boa parte da sua segurança alimentar depende de polinização? (V.5, N.6 P.2, 2022)

Tempo estimado de leitura: 12 minute(s)

Divulgadores da ciência:

Caroline Sayuri Yamada, estudante do Bacharelado em Ciência e Tecnologia (UFABC)

Gudryan J Baronio, possui mestrado (2013) e doutorado (2017) em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Uberlândia, além de graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (2010).

 

 

Figura 1: Abelha realizando processo de polinização. Fonte: Gudryan J. Baronio

 

“Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana“ (ECOA). Essa é uma frase muito famosa, pronunciada pelo renomado físico Albert Einstein, mas será que ele estava realmente certo? Nesta publicação vamos entender um pouco sobre a importância dos polinizadores e como eles influenciam em nossa segurança alimentar e nutricional.

 

 

Primeiro de tudo…o que é a polinização?

A polinização é a transferência de pólen das estruturas (partes) masculinas para as femininas de uma flor, que podem estar localizadas na mesma flor (autopolinização) ou em flores diferentes (polinização cruzada). Esse processo ocorre por meio do vento, água e mais frequentemente através de interações (contato) entre as plantas e animais. Mais ou menos 90% das plantas dependem de polinização por animais (Ollerton et al., 2011). Tal tipo de polinização ocorre por meio de insetos, aves ou mamíferos que geralmente procuram uma recompensa na flor que visitam, como néctar e pólen e acabam garantindo a fecundação da flor indiretamente.

As abelhas têm destaque, especialmente nas culturas agrícolas, pois visitam mais de 90% dos 107 principais cultivos já estudados no planeta (BPBES). Realizando esse serviço de polinização, os animais são contribuintes essenciais para a reprodução das plantas, que está relacionada ao bem-estar humano. Já imaginou o seu café da manhã sem café? Sim, o café é um fruto produzido por meio da polinização! E existem centenas de outros que dependem dos polinizadores.

A interação entre os animais polinizadores e plantas beneficia ambos: os polinizadores, que se alimentam de recursos florais como o néctar, e as plantas aumentam a chance de reprodução tendo pólen transportado.

Na figura a seguir, é possível observar o esquema de autopolinização e polinização cruzada.

 

 

 

E a Segurança Alimentar e Nutricional?

De acordo com o recentemente extinto Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é a garantia ao acesso contínuo a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente de modo universal, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.

A qualidade dos alimentos envolve os processos de produção e preparação, os quais são passíveis de prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente. Já a quantidade trata de disponibilidade, de modo que seria possível suprir as necessidades de todos os habitantes de determinado local (CEPEA). Tal processo deve respeitar as diversidades culturais, além de ser sustentável nos quesitos ambiental, econômico e social, a fim de promover esse fundamento.

 

 

Polinizadores são agentes de segurança!

A polinização realizada por animais é econômica, social e culturalmente relevante. Ela está relacionada à agricultura e segurança alimentar devido a garantia da produção de biocombustíveis, fármacos, materiais de construção, fibras e principalmente alimentos de maneira global (é importante salientar que este também depende da disponibilidade de água, nutrientes, solo e luz solar). (Peixoto et. al, 2022)

A maioria das espécies vegetais não apresenta autopolinização ou é passível de frutificação na ausência de polinizadores. Ademais, a polinização cruzada auxilia no aumento da variabilidade genética, que é importante para enfrentar turbulências como a chegada de novos patógenos; além da capacidade de melhora na qualidade dos frutos [1]. Logo, esse serviço ecossistêmico beneficia, tanto em curto como a longo prazo – pensando na manutenção dos cultivos agrícolas como produtos úteis aos humanos, especialmente na maior qualidade e quantidade de alimentos, e consequentemente a Segurança Alimentar e Nutricional. (Peixoto et. al, 2022)

 

 

Os cultivos que dependem da polinização produzem não apenas mais frutos, mas frutos mais nutritivos e saborosos, que contém micronutrientes como vitamina A (cerca de 50% das plantas no sudoeste da Ásia) e C, cálcio e ácido fólico. Entretanto, o desaparecimento de polinizadores tem afetado negativamente o globo como um todo: um estudo comparativo avaliou 224 tipos de alimentos em 156 países, demonstrando que a ausência deles representa uma produção e suprimento global de micronutrientes 35% e 40% menores que o possível, respectivamente (CGEE).

Além disso, é possível realizar uma estimativa monetária com base nas porcentagens de dependência em relação a polinização animal pelas plantas – sim, os polinizadores têm valor econômico, pois trabalham para maximizar a quantidade e a qualidade dos frutos! Esse cálculo multiplica a taxa de dependência de um cultivo por polinizadores pelo valor da produção anual desse cultivo. Em 2018 os serviços de polinização foram estimados em 43 bilhões de reais totais (BPBES).

O último Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil mostrou as 44 culturas que exibem mais de 1% da produção total brasileira são exibidas no gráfico abaixo com suas respectivas dependências de polinizadores. Os círculos coloridos representam a dependência da polinização, variando desde vermelho para altamente dependente, até verde para pouco dependente. Também é possível observar seus tipos de polinizadores, da esquerda para a direita: morcegos, mariposas, vespas, borboletas, moscas, besouros e abelhas; sendo o último, o grupo mais abrangente em relação a quantidade de culturas às quais se associa.

 

Figura 3: Valoração do serviço ecossistêmico de polinização distribuído entre 44 plantas cultivadas e silvestres (sentido anti-horário, ordem decrescente) de interesse econômico no Brasil. Fonte: BPBES

 

 

Como possibilitar maior segurança alimentar e nutricional?

Com base nisso tudo, mitigar os riscos aos polinizadores e garantir e ampliar os serviços ecossistêmicos de polinização certamente maximiza nossa segurança alimentar, além de auxiliar na conservação da natureza.

Isso se torna possível a partir de políticas e estratégias governamentais, institucionais e até mesmo individuais; tendo-se como exemplo o projeto “Guardiões da Chapada” (@guardioesdachapada), iniciativa da Universidade federal da Bahia e coparticipantes, a qual conta com a participação de voluntários que realizam a coleta de dados acerca das relações planta-polinizador. (BPBES) Esse projeto é o primeiro envolvendo a ciência cidadã no monitoramento de polinizadores do Brasil!

 

Na prática, projetos desse tipo – também intitulados como Citizen Science – norteiam várias atividades relacionadas aos polinizadores e têm contribuído no avanço de estudos sobre o tema, envolvendo tanto biodiversidade, quanto a própria ampliação da participação popular na tomada de decisão, o que fortalece a capacidade do uso eficiente desse conhecimento devido ao engajamento dos cidadãos. (CGEE)

Nos últimos 20 anos, os estudos acerca do assunto se intensificaram e possibilitaram a criação de projetos dedicados à observação e conservação desses seres vivos, demonstrando que a pesquisa contínua também é importante para entender melhor a dinâmica deles no Brasil e no mundo. Assim, é essencial que haja políticas públicas que subsidiem o conhecimento científico, indígena e local, possibilitando a tomada de decisão (BPBES, p. 39).

Pode-se citar como exemplo anterior o “Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica” (Planapo), lançado em 2013, e tendo sua versão atualizada nos anos de 2016 a 2019, a qual possui como alguns objetivos o uso sustentável da terra, promoção da segurança alimentar e nutricional, valorizar a agrobiodiversidade e promover sistemas justos de produção. (Brasil Ecológico)

 

É importante considerar o manejo sustentável de polinizadores e pela polinização, podendo-se citar como alguns dos impactos na agricultura:

  • Incremento na produtividade ou na estabilidade em longo prazo, a um custo menor do que o do sistema de polinizadores manejados ou de outros meios (por exemplo, polinização manual).
  • Redução do risco financeiro decorrente de fluxos de renda diversificados, por meio de outros tipos de safra.
  • Ação sinérgica envolvendo conservação de polinizadores e outras práticas de intensificação ecológica para incremento de outros serviços ecossistêmicos, por exemplo biocontrole natural, regulação do regime hidrológico e diminuição da sedimentação com restauração de vegetação ciliar
  • Polinizadores como recursos biológicos para pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde desenvolvimento de medicamentos com base em produtos de abelhas a mini-robôs aéreos (robobees). (BEBPS)

 

Por fim, percebe-se que não somente as abelhas, mas diversos outros polinizadores – como parte da biodiversidade do nosso planeta – são essenciais para a manutenção dos serviços de polinização. Considerando essa ampla diversidade, são necessárias diferentes estratégias de manejo entre esses animais e as plantas que polinizam.

Portanto, a exclusão das abelhas ou de qualquer outro grupo de polinizadores certamente direcionaria a humanidade a um cenário de redução de alimentos e outros produtos, ou pior, um cenário de ausência de um ou muitos alimentos. A eliminação dos polinizadores em sua totalidade seria o início de uma catástrofe em proporções assustadoras. Entenda como as interações entre plantas e polinizadores ocorre e permita-se conservar a biodiversidade e garantir boa alimentação para a humanidade.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BPBES – Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Disponível em: https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/03/BPBES_CompletoPolinizacao-2.pdf

BPBES – Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Serviços Ecossistêmicos. Disponível em: https://www.bpbes.net.br/

Brasil Ecológico. Planapo, Política Nacional. Disponível em: http://www.agroecologia.gov.br/plano

CEPEA. Segurança Alimentar e o Papel do Brasil na oferta Mundial de Alimentos. Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/seguranca-alimentar-e-o-papel-do-brasil-na-oferta-mundial-de-alimentos.aspx

CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Importância dos polinizadores na produção de alimentos e na segurança alimentar global. Disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10182/734063/polinizadores-web.pdf

Ecoa. Abelhas desaparecendo: Einstein estaria certo?. Disponível em: https://ecoa.org.br/abelhas-desaparecendo-einstein-estaria-certo/

OLLERTON, Jeff; WINFREE, Rachael ; TARRANT, Sam, How many flowering plants are pollinated by animals?, Oikos, v. 120, n. 3, p. 321–326, 2011. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1600-0706.2010.18644.x

Peixoto et al. The Significance of Pollination for Global Food Production and the Guarantee of Nutritional Security: A Literature Review Environ. Sci. Proc. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.3390/environsciproc2022015007

 

 

 

 

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