Por que precisamos falar dos povos indígenas? – Parte II (V.4, N.6, P.4, 2021)

Tempo estimado de leitura: 8 minute(s)

Divulgador da Ciência:

Luis Roberto de Paula, Professor da UFABC [Lattes]

 

“No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”.

 

Povo Guarani (SP) – Fonte: https://www.facebook.com/ProgramaAldeias/photos/pcb.2808626519162010/2808555442502451/

 

Esta frase foi escrita por um dos maiores antropólogos brasileiros especializado em povos indígenas, Eduardo Viveiros de Castro. O que ela significa? Que todo brasileiro poderia, se quisesse, se autodeclarar indígena? Ou seria ao contrário, só a FUNAI (órgão governamental que trabalha com povos indígenas) é que poderia dizer quem é indígena ou quem não é? A resposta é um pouco mais complexa. Toda a legislação jurídica, nacional (p.e. Estatuto do Índio) ou internacional (p.e. Convenção 169-OIT), que trata do tema da identificação de uma pessoa e uma coletividade como indígena assinala a importância e a exigência de sempre relacionarmos (1) a autodeclaração individual (“eu sou indígena”), com a indicação do (2) seu pertencimento a uma das etnias indígenas que existem no país (p.ex. “eu sou indígena Guarani”) e – agora a parte principal – (3) que o grupo étnico indicado reconheça este pertencimento (“Nós lideranças da comunidade Guarani reconhecemos que João Paulo Guarani’ é membro do nosso povo”). Vejamos que interessante que é esta ideia de identidade indígena: pouco importa o fenótipo da pessoa (sim, nem todos os indígenas são parecidos com “orientais”, muitos, na verdade, são bem misturados), ou maior ou menor grau de integração aos costumes e valores dos não indígenas (viver em situação de isolamento voluntário em meio à floresta ou estudar numa universidade para ser médico de seu povo), pouco importa ainda o local de residência (viver na terra indígena ou na cidade), ou ter por base de sua alimentação a caça, a coleta, a pesca e as roças complementares – como antigamente – ou, ao contrário, ter que comprar alimentos via renda obtida com a venda de artesanato, pelo trabalho precário em frigoríficos e fazendas ou mesmo a partir de um emprego como professor indígena em uma prefeitura. Todos estes estereótipos sobre quem são os povos indígenas que aprendemos (equivocadamente) em nosso processo educacional perdem o sentido diante da identidade que associa a autodeclaração indígena e o pertencimento ao grupo étnico. Em outras palavras, não importam os elementos culturais contrastivos que a pessoa carrega ou não, mas sim, a relação que a pessoa mantém de pertencimento com o grupo étnico do qual faz parte. O mesmo ocorre com o grupo étnico: não importa se os povos indígenas não mantêm mais a língua materna, ou moram nas cidades, ou vivem de alguma fonte de renda precária, ou ainda se são “indígenas misturados” (povos que antigamente eram classificados, e se auto classificavam, como “caboclos”, “ribeirinhos”, etc). É por isso que quando um estudante pretende entrar na universidade pela alternativa das cotas sociais associada a cotas indígenas é exigida a apresentação não só de uma autodeclaração de que é indígena, mas também a indicação do povo do qual faz parte via declarações, cartas, documentos etc. Este foi o mecanismo jurídico que o movimento indígena brasileiro e os seus parceiros (órgãos governamentais e não-governamentais) encontraram para preservar e fortalecer as políticas públicas voltadas exclusivamente para os povos indígenas. Mas, e se você tiver uma avó ou bisavó indígena, pode se autodeclarar indígena? Se esta tomada de posição for importante para sua biografia de vida, para o fortalecimento de sua identidade pessoal e, quem sabe, para te ajudar a defender os direitos indígenas, sem problemas. O que não pode acontecer de jeito nenhum, e isso é importante dizer, é você se autodeclarar indígena com o intuito de acessar as políticas públicas diferenciadas voltadas exclusivamente para estes povos sem que nenhum destes povos o reconheça como parte de uma coletividade específica. Se fizer isto, você irá criar, mais cedo ou mais tarde, um grande problema: para você mesmo e, principalmente, para os povos indígenas. Pois bem. Mas quantos são os povos e a população indígena total no país? Onde vivem e como vivem? Como eles são reconhecidos como grupos étnicos pela sociedade mais ampla e o Estado brasileiro?

 

 

Povo Xukuru (PE) – Fonte: https://www.indios.org.br/pt/Povo:Xukuru

 

Quem são eles? Quantos são? Onde vivem? Como vivem?

 

Segundo estudos realizados em 2010 pelo IBGE, 896.917 pessoas se autodeclararam indígenas no Brasil, filiando-se a 305 povos (ou grupos étnicos) falantes de 274 idiomas distintos entre si. A maioria da população indígena brasileira reside em cerca de 770 terras indígenas regularizadas e localizadas em todos os estados e também, na maioria das vezes, em áreas rurais (em casos raros, há algumas terras indígenas situadas em áreas urbanas, como nos distritos de Parelheiros e Jaraguá em São Paulo). O conjunto das terras indígenas regularizadas ocupa 13,5% do território nacional (o que significa que 86,5% está em outras mãos – vale a pena pesquisar!). Mas existem muitos povos indígenas ainda sem terra demarcada e muitos vivendo em terras diminutas, pouco adequadas para a sobrevivência. Não por acaso é que quase 40% da população indígena brasileira reside em espaços territoriais considerados urbanos (normalmente na periferia das grandes metrópoles e de pequenas cidades). Os motivos para esse processo migratório são muitos: busca de trabalho para obtenção de renda, formação educacional, assistência à saúde e a antiga fuga de contextos de violência fundiária que inúmeros povos indígenas ainda enfrentam e, como dito, a impossibilidade de viver em terras diminutas onde não há mais caça, coleta e pesca. Não há dúvida de que nestes contextos urbanos os indígenas estão imersos em um cotidiano de alta vulnerabilidade social (alimentação precária, informalidade no trabalho; dificuldades no atendimento à saúde, à educação, ao transporte e à moradia; além da imersão em contextos de preconceito e violência típicos das cidades grandes). Temos povos indígenas vivendo em todas as regiões e ecossistemas brasileiros: cerrado, caatinga, mata atlântica, pantanal, floresta amazônica…. É justamente na região dos estados pertencentes à Amazônia Legal onde podemos encontrar as terras indígenas demarcadas com maior extensão territorial e que garantem ainda a reprodução física e cultural dos povos indígenas que nela habitam, conforme garantido no Artigo 231 da Constituição Federal de 1988. O que resta da biodiversidade no país está em grande parte associada a práticas de conservação milenares dos povos indígenas e tradicionais que têm sido repassada de geração a geração. Por isso, é muito importante compreendermos, por exemplo, que os povos indígenas e tradicionais devem ter acesso garantido à repartição dos benefícios derivados da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico realizados por Estados e empresas a partir do conhecimento que eles – os povos tradicionais – mantêm e transmitem há séculos.

 

Terras Indígenas no Brasil – Fonte: https://www.socioambiental.org/pt-br/mapas/terras-indigenas-do-brasil-janeiro-2017

 

A melhor maneira de ajudarmos os povos indígenas – e todas as populações tradicionais no Brasil – é, antes  de mais nada, nos informarmos muito bem sobre eles! E para que isto ocorra é necessário saber quais fontes são confiáveis. Seguem algumas delas.

 

Para saber mais:

 

APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil – https://apiboficial.org/

Comissão Guarani Yvyrupa  –  http://www.yvyrupa.org.br/

PIB/ISA – Povos Indígenas no Brasil/Instituto Socioambiental  –  https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal

CIMI – Conselho Indigenista Missionário – https://cimi.org.br/

CTI – Centro de Trabalho Indigenista –  https://trabalhoindigenista.org.br/home/

Iepe – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – https://institutoiepe.org.br/?gclid=CjwKCAjwhMmEBhBwEiwAXwFoETbm42fxBYWiPBvvVOOHFne0R4BAxsYFXuqcAQ_YVJ4wGNhJUdsFRhoClGMQAvD_BwE

CPI – Comissão Pró-Índio

IBGE – Indígenas – https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3.html

 

Vídeos: 

 

“Nós somos a floresta” – https://www.youtube.com/watch?v=AKSgvH0ESH4&ab_channel=InstitutoSocioambiental

“À Sombra de um Delírio Verde” – (2011, 29 min) – Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu. –  https://www.youtube.com/watch?v=c2_JXcD97DI&ab_channel=Ecodebate

“Menos preconceito, mais índio” – Instituto Socioambiental  https://www.youtube.com/watch?v=uuzTSTmIaUc&ab_channel=InstitutoSocioambiental

Related Post

Você pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Twitter
Blog UFABC Divulga Ciência