Por que precisamos falar dos povos indígenas? – Parte I (V.4, N.5, P.9, 2021)

Tempo estimado de leitura: 8 minute(s)

Divulgador da Ciência:

Luis Roberto de Paula, Professor da UFABC [Lattes]

Em tempos de pandemias, de mudanças climáticas, de precarização do trabalho e aumento do desemprego, de péssimo uso dos recursos naturais (dê uma olhadinha nas condições do rio perto da sua casa, ou pelo qual você passa quando vai ao trabalho e à escola), do aumento da fome ao lado da concentração da riqueza produzida por todos apenas em poucas mãos, enfim, de um futuro que se anuncia incerto para toda a Humanidade e para o próprio Planeta, é necessário olhar para outros modos de existência que possuem práticas sociais e cosmovisões bem diferentes das nossas (“nossas” aqui é entendido como o modo de vida hegemônico na maior parte dos países do mundo atualmente: o modo de produção capitalista e do consumo). Apesar de todas as dificuldades que enfrentam para preservar seus modos de vida tradicionais, parcela significativa dos 305 povos indígenas (IBGE,2010) que vive no Brasil, pratica diariamente um outro modo de existir que pode ajudar a Humanidade como um todo a “adiar o fim do mundo” (ou seria tarde demais?). Muitos outros povos não tiveram a mesma sorte.

 

Nesta série sobre povos indígenas, o professor Luís Roberto de Paula traz importantes informações sobre aspectos culturais, sociais e ambientais relacionados aos povos indígenas e, além disso, como todos nós podemos com essas culturas a ter uma relação mais saudável e sustentável com o nosso planeta. 

 

 

 

Falar dos povos indígenas é preciso. Todo dia.   

 

Refletir sobre a importância dos povos indígenas para o Brasil (e para o Planeta) significa reconhecer que foram os legítimos donos destas terras que vieram a ser chamadas de “Brasil”. Reconhecer esse pertencimento não significa que os não-indígenas (como eu ou você não-indígenas), devam ir embora destas terras (não há mais possibilidade para isso!). Significa aprendermos algo que eles nos ensinam há muito tempo: a arte da composição. Faz séculos que eles buscam aliados entre nós, não porque nos achem simpáticos e tolerantes, mas porque sabem da força das armas, dos germes, das maquinarias dos europeus-portugueses que por aqui vieram do além mar. Eles querem parceiros que reconheçam e valorizem diversas formas de conhecimentos e  práticas, bem como os apoiem na defesa de seus direitos já conquistados. Um destes direitos fundamentais é o de ter uma terra demarcada e livre de invasões e ameaças daquilo que um dia foram seus inúmeros territórios. Curiosamente, a necessidade de participarmos da luta pela defesa dos direitos indígenas hoje – o que significa, antes de mais nada, aprendermos um pouco sobre seus modos de existência, suas práticas sociais, suas cosmovisões – parece ser obra de uma estranha reviravolta do destino, pois implica em adiar a destruição do Planeta. Neste sentido é muito importante que nos espelhamos cada vez mais neles e torçamos para que eles não se espelhem em nós, em particular, no terrível e diabólico feitiço do consumo desenfreado. Precisamos aprender com suas práticas diárias de cuidado com os recursos naturais, pois para eles, sem a manutenção destes recursos (água, floresta, minerais, animais, ar, montanhas..), é impossível que se mantenha por longo tempo as vidas humanas (e de outras “gentes” que habitam seus universos e que são invisíveis para nós). Inevitavelmente o mundo entra em desequilíbrio. Mas então os povos indígenas não usam os recursos naturais presentes em suas terras? Não bebem água? Não usam madeira para construir suas casas? Não se alimentam? Claro que sim, todos sabemos. E é aqui que está a chave do mistério, afinal, por que será que mesmo usando os recursos naturais desde antes da chegada do colonizador português em 1500, seus territórios (ou melhor os territórios que não foram deles tomado) mantêm uma floresta exuberante e rica em biodiversidade? A chave do mistério pode ser encontrada em suas práticas sociais e cosmovisões. Um indígena, mesmo que pudesse, jamais mataria 100 porcos do mato para levar para a aldeia. Por pelo menos três motivos. Primeiro, porque a ele e a seu grupo interessa se alimentar bem todos os dias durante toda a vida deles e das futuras gerações. Ou seja, eles não estão preocupados com a acumulação, a venda e o lucro, mas sim com a troca e reciprocidade entre as suas gentes. Segundo, porque se assim o fizessem, o caçador desequilibraria a reprodução dos animais em seu território, colocando em risco a possibilidade dos seus filhos e netos alimentarem-se no futuro. Terceiro, porque os donos dos animais – gentes invisíveis aos olhos comuns os meus e os seus, caro leitor tão jovem e cético – ficariam muito bravos com esta ação e se vingariam da aldeia e do grupo enviando doenças (é por isto, segundo muitos povos indígenas, que estamos vivendo a pandemia: os donos das florestas, rios, mares, minerais estão muito, mas muito bravos com o modo destrutivo da maioria da humanidade manejar os recursos naturais). Você que resistiu até agora e está chegando ao fim do texto, pergunte a você mesmo e aos seus colegas o que vocês comem todo dia? De onde vocês obtêm este alimento? Da floresta, da roça ou do mercado e açougue da esquina? De onde vem este alimento até chegar na sua mesa e geladeira? Onde e como é gerada a energia que deixa a sua geladeira e seu computador ligados 24 hs? Em que região do país são criados os animais dos quais você se alimenta? E a madeira de que é feita sua mesa? Quem trabalha para que o alimento – seja o bife, o frango, o leite, a bolacha, a cerveja, o tomate… – chegue à sua mesa? (e quem o transporta? quem trabalha em sua produção? Em quais condições? como estas pessoas vivem? onde elas vivem? quem são elas?). Parte dos povos indígenas e tradicionais (principalmente, aqueles que têm territórios demarcados adequadamente) tem ainda (talvez não por muito tempo) certo domínio do que produzem e do quanto devem trabalhar para produção da quantidade que precisam para se alimentarem. Tudo guiado sempre pela percepção passada de geração a geração de que eles não podem prejudicar as gerações futuras. Perguntamo-nos a nós mesmos sobre estas coisas todas. Não nos assustemos em não sabermos responder quase nenhuma das questões acima. E, então, se sintam estimulados a aprofundar suas leituras e reflexões sobre os povos indígenas para podermos estar ao lado deles em suas lutas por direitos que, no fundo, são direitos de todos que habitam este planeta. Por isso tudo, e por muito mais, é que precisamos falar sobre os povos indígenas. Todos os dias.  

 

Povo Wajãpi – AP – https://institutoiepe.org.br/povos_indigenas/wajapi/

 

Para saber mais: 

 

APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil – https://apiboficial.org/

Comissão Guarani Yvyrupa  –  http://www.yvyrupa.org.br/

PIB/ISA – Povos Indígenas no Brasil/Instituto Socioambiental  –  https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal 

CIMI – Conselho Indigenista Missionário – https://cimi.org.br/

CTI – Centro de Trabalho Indigenista –  https://trabalhoindigenista.org.br/home/

Iepe – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – https://institutoiepe.org.br/?gclid=CjwKCAjwhMmEBhBwEiwAXwFoETbm42fxBYWiPBvvVOOHFne0R4BAxsYFXuqcAQ_YVJ4wGNhJUdsFRhoClGMQAvD_BwE 

CPI – Comissão Pró-Índio

IBGE – Indígenas – https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3.html

 

Vídeos: 

 

“Nós somos a floresta” – https://www.youtube.com/watch?v=AKSgvH0ESH4&ab_channel=InstitutoSocioambiental

“À Sombra de um Delírio Verde” – (2011, 29 min) – Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu. –  https://www.youtube.com/watch?v=c2_JXcD97DI&ab_channel=Ecodebate

“Menos preconceito, mais índio” – Instituto Socioambiental  https://www.youtube.com/watch?v=uuzTSTmIaUc&ab_channel=InstitutoSocioambiental

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1 Resultado

  1. Cacilda De Paula disse:

    Parabens,pelo trabalgo..

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