|Entendendo o funcionamento do coração| #2 – A “orquestra elétrica” do coração (V.6. N.11. P.3, 2023)
Tempo estimado de leitura: 8 minute(s)
Animação 1: Orquestra
(Gfycat, 2017)
Uma orquestra é formada por um grupo de músicos que tocam diferentes instrumentos, cada um com sua própria função e som. O maestro é o responsável por conduzir a orquestra, indicando quando cada músico deve começar ou parar de tocar. É o responsável por ajustar o tempo e o ritmo. Os músicos de uma orquestra sempre mantêm um ritmo preciso e consistente ao tocar juntos.
Mas, por que estamos falando sobre orquestras em uma série de posts sobre o coração? Bom, de forma análoga a uma orquestra, o coração humano realiza suas funções através de uma série de contrações musculares rítmicas e coordenadas que, por sua vez, são controladas por impulsos elétricos gerados no próprio coração. A ritmicidade do coração é determinada por este sistema de condução elétrica, marcado por sincronicidade, coordenação e repetição. Além do mais, o ritmo cardíaco é caracterizado por ser consistente e regular.
Assim, observamos que uma orquestra e a atividade elétrica do coração têm características semelhantes, bem como: a ritmicidade, a sincronia e a repetição. Vamos entender como funciona a “orquestra elétrica” do coração?
Ao falarmos do coração, o maestro da nossa orquestra é o nó sinoatrial (NSA), conhecido como o “marcapasso natural” do coração. O coração possui um sistema de condução elétrica próprio, composto por um conjunto de células especializadas que geram e transmitem impulsos elétricos. O sistema começa no NSA, localizado no átrio direito (como vimos na Parte 1: “O que são átrios, ventrículos e vasos sanguíneos?”), como visto na animação a seguir (lado esquerdo, coração saudável).
Animação 2: Comparação do ritmo cardíaco de corações em diferentes condições: coração saudável (esquerdo) versus. coração com fibrilação atrial (direito)
(Gfycat, 2019)
Para explicar melhor os eventos elétricos do coração, será necessário introduzir brevemente um conceito importantíssimo de eletrofisiologia: o potencial de ação.
Potencial de ação é um processo elétrico que ocorre nas células cardíacas onde ocorrem mudanças nas cargas elétricas, garantindo a contração do músculo. A mudança nas cargas elétricas ocorre devido ao processo de entrada e saída de íons de sódio e potássio, alterando as concentrações de íons dentro e fora das células. É importante ressaltar que os íons movimentam-se do local mais positivo para o local mais negativo.
O processo é complexo e detalhado, porém, para entendermos os eventos elétricos do coração precisamos ao menos saber sobre algumas fases do potencial de ação das fibras cardíacas: a despolarização e a repolarização.
O meio intracelular (isto é, dentro da célula) é mais negativo e assim, a despolarização ocorre a partir da entrada de íons de sódio (com cargas positivas) no interior das células, o que faz com que a carga elétrica do interior das células fique positiva.
Já a repolarização ocorre a partir da saída de íons de potássio (com cargas positivas) para fora da célula, o que faz com que a célula “volte” para seu estado inicial com o meio intracelular negativo.
Essas mudanças na carga elétrica das células durante o potencial de ação cardíaco são fundamentais para a contração coordenada do músculo. É como se fosse um “sinal elétrico” que percorre as células do coração, permitindo que elas se contraiam em sincronia para bombear o sangue de forma eficiente pelo corpo.
Resumidamente, essa sequência de despolarização e repolarização das células cardíacas permite que o impulso elétrico seja transmitido de uma célula para a outra, permitindo a contração coordenada do coração.
Em condições normais, a região do NSA é a primeira a se despolarizar e, em sequência, o impulso elétrico alcança o átrio esquerdo, o nódulo atrioventricular, o feixe de His e seus ramos, a rede de Purkinje, os ventrículos e, por fim, se extingue. (Obs.: Não se assuste com esses nomes! A figura abaixo mostra exatamente onde cada uma dessas regiões se localiza).
Vale ressaltar que a atividade elétrica do coração é representada a partir de um eletrocardiograma (ECG), um exame feito através de eletrodos fixados à pele para avaliar a saúde do coração.
O ECG é a gravação de propagação da atividade elétrica através do músculo cardíaco. Um eletrocardiograma é dividido em ondas, segmentos e intervalos que, por sua vez, representam eventos elétricos do coração.
Assim, antes que a contração do músculo possa ocorrer, é preciso que a despolarização se propague pelo músculo para iniciar os processos químicos da contração, ou seja, a despolarização inicia a contração muscular. Por isso, os eventos elétricos de um ECG podem ser associados à contração ou ao relaxamento.
O eletrocardiograma é formado por ondas de despolarização e repolarização, por sua vez associadas aos eventos mecânicos do coração.
Vamos entender os principais picos de um ECG?
A onda P – despolarização atrial – é um pequeno pico no início do ECG que mostra a atividade elétrica dos átrios. É como se representasse o sinal para que os átrios se contraiam e bombeiem o sangue para os ventrículos.
O complexo QRS – despolarização ventricular – é a parte maior e mais alta do ECG. Representa a atividade elétrica dos ventrículos. Esse complexo mostra que os ventrículos estão se contraindo e “empurrando” o sangue para o resto do corpo.
A onda T – repolarização ventricular – é um pequeno pico depois do complexo QRS que mostra que os ventrículos estão se “recuperando” e se preparando para a próxima contração.
O eletrocardiograma é uma ferramenta importantíssima para diagnosticar problemas no sistema cardiovascular, podendo mostrar a presença de arritmias cardíacas ou outras anomalias.
Uma frequência cardíaca de 60 a 100 batimentos por minuto é considerada normal, de modo que, quando não há regularidade nos impulsos elétricos do coração, ocorrem alterações no ritmo cardíaco, gerando o que chamamos de “arritmias cardíacas”, como a ilustrada na animação 1, lado direito (A-Fib), em que a Fibrilação Atrial (FA), arritmia que ocorre nos átrios desordena toda a ritmicidade do coração.
Um ritmo muito rápido é chamado de taquicardia, que é o caso da FA, e um ritmo muito lento é chamado de bradicardia, conforme ilustrado na animação abaixo. Estudaremos mais coisas sobre as arritmias na próxima parte! (Parte 3: “O que são arritmias cardíacas?”)
Animação 3: Comparação entre arritmias cardíacas
Espero que tenha gostado e que essas informações sejam úteis no seu aprendizado. Obrigada!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HALL, JOHN, E. E MICHAEL E. HALL. Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. Disponível em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo GEN, 2021.
JACOB, STANLEY W. FRANCONE, CLARICE ASHWORTH; LOSSOW, WALTER J. Anatomia e fisiologia humana. Tradução de Carlos Miguel Gomes Sequeira. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan
SILVERTHORN, DEE U. Fisiologia Humana. Disponível em: Minha Biblioteca, 7a. edição. Artmed, 2017.
LICEU Conservatory Symphony Orch. – The Nutcracker (suite), ‘Russian dance” | P.I. Tchaikovski GIF. Gfycat, 2017. 1 vídeo (8.28s). Publicado pelo Liceu Conservatory. Disponível em: https://gfycat.com/uniformbleakeland. Acesso em: 4 mai. 2023.
Atrial Fibrillation Anatomy, ECG and Stroke, Animation. GIF. Gfycat, 2019. 1 vídeo (5.73s). Publicado pelo Alila Medical Media. Disponível em: https://gfycat.com/mellowglisteningbrownbutterfly-cardiovascular-childs0765-conditions. Acesso em: 4 mai. 2023.
Cardiac Arrhythmias GIF. Gfycat, 2017. 1 vídeo (6.48s). Publicado pelo Alila Medical Media. Disponível em: https://gfycat.com/costlypersonaldutchshepherddog. Acesso em: 4 mai. 2023.
*Este foi o primeiro post da série Entendendo o funcionamento do coração. Gostou? Deixe um comentário aqui para a gente!