|Série Explorando as doenças cardiovasculares por simulações computacionais| #3 – Cirurgia virtual bypass para melhoria do fluxo sanguíneo em uma aorta coarctada. (V. 6, N.9, P.4)

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Neste texto da série, o professor e pesquisador João Lameu da Silva Júnior ( UFABC) supervisionou seus discentes Felipe Perrotti;Lucas Borges; Priscilla Larissa Lemes; Rafael Moreira na elaboração deste texto que trata da cirurgia virtual bypass para melhoria do fluxo sanguíneo em uma aorta coarctada.

 

Coarctação da aorta

A coarctação da aorta é uma condição cardíaca congênita, isto é, de nascença, caracterizada pelo estreitamento da aorta, a principal artéria do corpo. Esse estreitamento pode obstruir o fluxo sanguíneo do coração para o resto do corpo, causando uma variedade de sintomas e complicações. A gravidade da coarctação da aorta pode variar de leve a grave, e estima-se que ocorra em cerca de 6-8% de todos os defeitos cardíacos congênitos.

Figura 1: Esquema da forma infantil da coarctação da aorta com estreitamento proximal ao sítio do ducto arterioso (Preductal Coarctation). Fonte: RAESIDE et al. (2009)

 

 

Em termos de frequência, a coarctação da aorta é mais comum em homens do que em mulheres e representa cerca de 5-8% de todos os casos de cardiopatia congênita. A causa exata da coarctação da aorta não é totalmente compreendida, mas acredita-se que resulte de uma combinação de fatores genéticos e ambientais.

Os sintomas da coarctação da aorta podem variar dependendo da gravidade do estreitamento, mas alguns sinais comuns incluem pressão alta nos braços, pulso fraco ou ausente nas pernas, dores de cabeça, dor no peito e falta de ar. Se não for tratada, a coarctação da aorta pode levar a complicações graves, como insuficiência cardíaca, acidente
vascular cerebral ou aneurismas.

Felizmente, existem tratamentos eficazes disponíveis para a coarctação da aorta, incluindo cirurgia e angioplastia com balão (método clínico de alargamento da artéria utilizando um cateter junto a um balão inflável). Ambos os procedimentos visam ampliar a área estreitada da aorta e melhorar o fluxo sanguíneo. A escolha do tratamento dependerá da gravidade da condição, da idade do paciente e de outros fatores individuais.

Apesar da disponibilidade de tratamentos, a coarctação da aorta ainda pode ter um impacto significativo nas taxas de mortalidade. Em um contexto global, as cardiopatias congênitas representam cerca de 1% de todas as mortes, com a coarctação da aorta contribuindo para uma parcela dessas fatalidades. No Brasil, estima-se que as cardiopatias
congênitas afetem cerca de 8 em cada 1.000 nascidos vivos, sendo responsáveis por cerca de 10% de todas as mortes infantis (FREIRE et al., 2019)

A coarctação da aorta é uma condição cardíaca congênita grave que requer diagnóstico e tratamento imediatos. Embora possa ser uma condição com risco de vida, com as intervenções corretas e cuidados contínuos, muitas pessoas com coarctação da aorta podem viver vidas longas e saudáveis. A detecção precoce e o manejo adequado dessa condição são cruciais para reduzir as taxas de mortalidade e melhorar os resultados para as pessoas
afetadas.

 

A Tecnologia

Computational Fluid Dynamics (CFD) é uma tecnologia que usa algoritmos matemáticos e simulações de computador para analisar e prever o comportamento do fluxo de fluidos. É uma ferramenta altamente sofisticada usada em várias indústrias para estudar a dinâmica dos fluidos e resolver problemas complexos de mecânica dos fluidos.

A tecnologia CFD permite que engenheiros e cientistas criem modelos de computador de um sistema fluido e simulem seu comportamento em um ambiente virtual. Essa tecnologia pode ser usada para analisar vários aspectos da dinâmica de fluidos, como velocidade de fluxo, pressão, temperatura, turbulência (padrões desordenados e aleatórios do fluxo) e outras variáveis importantes.

Na engenharia biomédica, as simulações de CFD podem ser usadas para estudar o fluxo sanguíneo no corpo humano e projetar dispositivos médicos, como válvulas cardíacas artificiais.

 

Tecnologia em Aplicação

A tecnologia CFD pode ser uma ferramenta útil no diagnóstico e planejamento do tratamento da coarctação da aorta ao fornecer uma análise detalhada dos padrões de fluxo sanguíneo na aorta. Ao criar um modelo de computador da aorta e simular o fluxo sanguíneo, o CFD pode ajudar a identificar áreas de turbulência ou padrões de fluxo anormais que podem contribuir para complicações. Esta informação pode ajudar os médicos a entender melhor a gravidade da coarctação e planejar tratamentos apropriados.

A tecnologia CFD também pode ser usada para projetar e otimizar dispositivos médicos usados no tratamento da coarctação da aorta. Por exemplo, os stents são frequentemente usados para tratar a coarctação da aorta, ampliando a área estreitada da artéria. As simulações de CFD podem ser usadas para otimizar o design e a colocação desses stents, garantindo que eles forneçam suporte adequado e não interrompam o fluxo sanguíneo.

Além disso, a tecnologia CFD pode ajudar a avaliar a eficácia de diferentes opções de tratamento. Por exemplo, os médicos podem usar simulações de CFD para comparar os padrões de fluxo sanguíneo antes e depois de um procedimento de colocação de um by-pass para avaliar sua eficácia na melhoria do fluxo sanguíneo, a denominada cirurgia virtual. 

Levando em consideração sua potencialidade, neste post será explicado o uso de CFD para avaliar uma cirurgia virtual bypass com enxerto para correção cardíaca em um paciente acometidos coarctação da aorta.

Para a realização da simulação CFD, os modelos abaixo foram utilizados como estruturas de aorta coarctada e by-pass utilizado na intervenção cirúrgica, respectivamente. Como primeiro passo para a realização do experimento é necessário preparar a estrutura para que ela seja inserida no sistema, como mostrado na Figura 3.

Figura 2. (esq.) Aorta com alto grau de coarctação (modelo obtido do Virtual Model Respository, VMR); (dir.) modelo do bypass utilizado (Fonte: Próprios autores)

 

Figura 3. Malhas numéricas necessárias a simulação CFD da (esq.) aorta coarctada e (dir.) após a inclusão do bypass (Fonte: Próprios autores).

 

Após análise das simulações (Figuras 4 e 5), foi possível notar uma melhora significativa na velocidade do escoamento (Figura 4) e, consequentemente, houve um aumento da vazão na aorta descendente, possibilitando assim uma melhor irrigação sanguínea dos tecidos localizados nas porções inferiores do corpo, evitando possíveis isquemias (ausência de sangue oxigenado suficiente ao tecido) que poderiam ocorrer devido ao alto grau de coarctação do vaso.

Além disso, a introdução do bypass mostrou uma melhora significativa na qualidade organizacional do escoamento, principalmente na região de saída do bypass, levando a uma redução da recirculação do sangue. Esses fatores contribuíram na redução de zonas de estagnação e recirculação (Figura 5), quantificadas pelo indicador OSI (Oscillatory Shear Index quantifica recirculação do escoamento se OSI = 0,5), e consequentemente um menor potencial
de trombogênese.

Figura 4. Padrões de fluxo sanguíneo (velocidade) na (esq.) Aorta Obstruída, (dir.) Aorta após colocação do bypass. Os resultados são apenas ilustrativos e foram obtidos pelo  software Ansys Student (Fonte: próprios autores).

 

Figura 5. Indicador de recirculação do sangue (OSI, Oscillatory Shear Index, valores vermelhos indicam grande recirculação) na (esq.) Aorta Obstruída, (dir.) Aorta após colocação do bypass.  Os resultados são apenas ilustrativos e foram obtidos pelo software Ansys Student (Fonte: próprios autores).

 

No geral, houve melhora nas condições de escoamento e do sangue utilizando-se o bypass em relação à aorta obstruída pela coarctação. Houve um aumento de cerca de duas vezes no fluxo de sangue para a porção descendente da aorta após o bypass. Para uma aorta saudável, é reportado que pelo menos 60% do volume de sangue deve ir para os membros inferiores (QIAO et al., 2020; PIROLA et al., 2017). Observou-se que a aorta coarctada apresentava apenas 24% do sangue sendo encaminhado para os membros inferiores, valor esse que aumentou para cerca de 50% após o bypass virtual, como mostrado no gráfico abaixo.

 

 

Além disso, a posição do bypass influencia diretamente na eficiência do escoamento. Caso a saída do bypass estivesse mais próxima a saída da coarctação, os resultados de escoamento poderiam apresentar melhora significativa. Desta forma é visto que a CFD pode contribuir nas estratégias cirúrgicas de problemas cardiovasculares, fornecendo detalhes dos fluxos de sangue na geometria do paciente em diferentes cenários.

Referências 

FREIRE, G., SANTOS, M., & FÉLIX, J. (2019). Doença Cardíaca Congênita no Brasil. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, 112(6), 749-755. doi:10.5935/abc.20190155.
PIROLA, S. et al., On the choice of outlet boundary conditions for patient-specific analysis of
aortic flow using computational fluid dynamics. Journal of Biomechanics, 60, 15–21, 2017.
QIAO, Y. et al., Biomechanical implications of the fenestration structure after thoracic
endovascular aortic repair. Journal of Biomechanics, 99, 109478, 2020.
RAESIDE, Lavinia. Coarctation of the Aorta: a case presentation. Neonatal Network, [S.L.], v.
28, n. 2, p. 103-113, mar. 2009. Springer Publishing Company. http://dx.doi.org/10.1891/0730-
0832.28.2.103.
VMR, Vascular Modelo Repository. Disponível em:
https://www.vascularmodel.com/dataset.html. Acesso em: 20/03/2022.

 

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