Presunto fatiado: o que os olhos não veem… o seu organismo pode sentir! (V.6. N.3. P.1, 2023)

Tempo estimado de leitura: 11 minute(s)

André Ballerini Horta, Camila Alves Bispo, Gustavo Felipe Clemente, Jorge Miguel Aviles de Moura, Leticia Nunes Mantovani, Lucas da Silva Chahin, Maiara Silva dos Reis Bonincontro, Marina Midori Nagano, Matheus Aparecido Mota Prando, Rita de Cassia Antonellini Dorta, Vinicius Scalhia Patente, Renata Simões

 

Você é do tipo de consumidor(a) que, quando vai à padaria ou ao mercado para comprar “frios” (queijos e embutidos, por exemplo), prefere pedir para fatiar na hora de comprar a embalagem fechada vinda da indústria? Este é um hábito bastante comum nesses estabelecimentos, já que muitas pessoas preferem comprar apenas a quantidade que irão consumir. Já outros(as) consumidores(as) preferem fatias mais grossas (ou mais finas) do que aquelas que estão nas embalagens lacradas. Mas qual o problema em comprar esse tipo de produto de forma personalizada?

Essa prática de comprar produtos processados e industrializados como o presunto de forma fracionada, ou seja, quando a embalagem lacrada na fábrica é aberta e manipulada no estabelecimento comercial, pode esconder alguns vilões que não conseguimos enxergar: os microrganismos! Sim! Eles estão em toda parte! Mas não há motivo para pânico! Nem todos os microrganismos fazem mal à nossa saúde! 

Nós consumimos uma série de microrganismos diariamente, muitas vezes sem saber e sem causar danos à nossa saúde. Microrganismos como as bactérias Lactobacillus spp são usados para a fabricação de laticínios, por exemplo. Já as leveduras Saccharomyces cerevisiae (um tipo de fungo) são utilizadas como fermento biológico na fabricação de pães, cervejas e vinhos1. Por outro lado alguns microrganismos como a Escherichia coli, Clostridium botulinum e Salmonella sp podem causar doenças transmitidas por alimentos (DTA) e sérios riscos à saúde2

 

Quais fatores contribuem para a ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTAs)? 

Primeiro, em alguns casos, a ingestão de alimentos contaminados pode não ser percebida, já que nem sempre a contaminação causa odor desagradável e alteração de aparência. 

Segundo, faz parte da cultura de muitos o preparo de alimentos em grande quantidade ou que permanecem sem refrigeração por muito tempo.Essas práticas permitem que os microrganismos sobrevivam e se proliferem com grande rapidez3. Por fim, é importante lembrar que o funcionário que manipula os alimentos nos estabelecimentos comerciais também pode, por falta de higiene, contaminar os utensílios utilizados e o próprio produto a ser comercializado4. Esta contaminação pode causar DTAs.

 

E quem mais sofre com as doenças transmitidas por alimentos (DTAs)?

Os grupos de pessoas que mais sofrem com DTAs são crianças, idosos, indivíduos com baixa imunidade (imunossuprimidos) e gestantes. Os sintomas das DTAs podem variar dependendo do microrganismo envolvido. No entanto, de forma geral, os alimentos contaminados podem causar desde indisposição e sintomas digestivos até quadros mais graves, envolvendo o sistema nervoso central, diversos órgãos, como rins e fígado e até mesmo causar a morte do indivíduo[2,5]

Diante dos problemas que a contaminação de um alimento pode causar à nossa saúde, nós realizamos um estudo experimental para avaliar se o presunto fatiado em estabelecimentos comerciais pode apresentar maior nível de contaminação por microrganismos quando comparado com o presunto vendido na embalagem primária.

Como o estudo foi realizado?

Para este estudo nós utilizamos presuntos de um mesmo fabricante. Os produtos foram comprados em quatro padarias da grande São Paulo-SP. Foram avaliadas 4 porções de presunto fatiado e embalado nas próprias padarias (uma de cada estabelecimento) e uma porção com embalagem lacrada de fábrica. 

Nós presumimos que o presunto vendido na embalagem lacrada não teria contaminação e por esse motivo chamamos esta porção de “controle”.

Em cada porção de presunto fatiado foram feitas duas coletas: uma entre as fatias de presunto sem contato com a embalagem e outra na superfície da embalagem em contato com o presunto.

 O objetivo dessas avaliações foi verificar possíveis diferenças de contaminação oriundas do presunto fatiado ou da embalagem utilizada. As porções coletadas foram semeadas em placas de Petri (como a da Figura 1). 

Depois do tempo de incubação na estufa, observamos que o presunto vendido na embalagem lacrada de fábrica não estava contaminado (Figura 1). Por outro lado, quando avaliamos as porções fatiadas nas padarias, todas estavam contaminadas por microrganismos (Figura 2).

 

Figura 01. Placa de Petri inoculada com: controle positivo (Cp), controle negativo (Cn) e porção de presunto com embalagem lacrada de fábrica (Cm).

 

Figura 02. Detalhes da avaliação microbiológica após 72 horas.

 

O que mostraram os resultados?

Olhando para os resultados obtidos, podemos dizer que possivelmente a contaminação do presunto fatiado nas padarias está relacionada com falhas nos protocolos de higiene na manipulação de alimentos[6,7]

No momento da compra do presunto foi possível fazer duas observações: 

  1. diversos produtos eram manipulados na mesma bancada;
  2. não foi observado se os funcionários realizavam a higienização dos utensílios e maquinários antes de manipular alimentos diferentes. 

Essas práticas podem favorecer a contaminação cruzada, ou seja, quando por falta de higiene, o indivíduo, um alimento ou até mesmo utensílios de cozinha (no caso, objetos das padarias) favorecem acidentalmente a transferência de microrganismos de uma pessoa (alimento ou objeto) para outro alimento,[6,7].

A presença de contaminantes entre as fatias de presunto e na superfície de contato entre a embalagem e o produto indicam que os materiais utilizados no empacotamento também podem ser fontes de contaminantes.

 No entanto, há necessidade de mais estudos para avaliar se a contaminação da embalagem foi ocasionada pela falta de higiene das mãos dos funcionários das padarias ou se o próprio presunto contaminou a embalagem. 

Mas uma coisa é certa: a contaminação por microrganismos pode tornar o alimento inapropriado para consumo humano. Além disso, a deterioração do produto pode ser mais acelerada, dependendo da concentração de contaminantes, das condições de armazenamento e de possíveis combinações com outros ingredientes ou alimentos ricos em nutrientes para o desenvolvimento de microrganismos, tornando tais misturas ainda mais nocivas à saúde[7].

 

E o que podemos fazer para evitar a contaminação desses alimentos? 

Para evitar e reduzir a chance de contaminação de alimentos manipulados em estabelecimentos comerciais, como as padarias que entraram neste estudo, são necessários treinamentos para capacitação dos funcionários que realizam a atividade de manipulação6. Além disso, é fundamental manter a higienização de superfícies, utensílios e maquinários para evitar a contaminação entre diferentes produtos. 

A limpeza do estabelecimento também é muito importante, pois ela evita o aparecimento de insetos e ratos, que também podem contaminar os alimentos[6,7,8]. Ainda, é possível utilizar barreiras físicas como, por exemplo, cortinas de vento e armadilhas luminosas para captura de moscas, pois elas estão em contato constante com materiais em decomposição e podem transportar bactérias e outros parasitas capazes de causar algumas doenças, como a infecção intestinal[9].

 

Resumindo… 

Com esse estudo foi possível mostrar que produtos alimentícios manipulados no estabelecimento comercial sem as devidas condições de higiene podem representar riscos para o desenvolvimento de doenças transmitidas por alimentos (DTAs). 

Sendo assim, é de extrema importância educar e conscientizar funcionários e consumidores sobre os potenciais riscos que estes microrganismos contaminantes podem oferecer. 

Para minimizar este risco, os proprietários de estabelecimentos comerciais devem oferecer treinamentos a seus funcionários e garantir disponibilidade de infraestrutura adequada para a manipulação de alimentos dentro de padrões sanitários exigidos pelas agências regulatórias do nosso país.

 

REFERÊNCIAS

  1. COSTA, DLMG. OPERADOR INDUSTRIAL DE ALIMENTOS. Instituto Federal do Paraná, 2012. Disponível em: https://pronatec.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2012/07/oia.pdf Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
  2. MELO, ES; AMORIM, WR; PINHEIRO REE; CORRÊA PGN; CARVALHO SMR, SANTOS ARSS; BARROS DS; OLIVEIRA ETAC; MENDES CA; SOUSA FV. Doenças transmitidas por alimentos e principais agentes bacterianos envolvidos em surtos no Brasil: revisão. Revista Pubvet, v. 12, n. 10, p. 131-139, 2018. DOI: https://doi.org/10.31533/pubvet.v12n10a191.1-9.
  3. SIRTOLI DB; COMARELLA L. O papel da vigilância sanitária na preservação das doenças transmitidas por alimentos (DTA). Revista Saúde e Desenvolvimento, v. 12, n. 10, p. 197-209. Disponível em: https://www.revistasuninter.com/revistasaude/index.php/saudeDesenvolvimento/article/view/878 Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
  4. NUNES SM; CERGOLE-NOVELLA MC; TIBA MR; BENTO CAZISS; PASCHUALINOTO AL; SILVA ITAA; WALENDY CH. Surto de doença transmitida por alimentos nos municípios de Mauá e Ribeirão Pires-SP. Revista Higiene Alimentar, v. 31, n. 264/265, p. 97-102, 2017. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-833113 Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
  5. MALACRIDA AM; DIAS VHC; LIMA CL. Perfil epidemiológico das doenças bacterianas transmitidas por alimentos no Brasil. Journal of Veterinary Science and Public Health, v. 4, p. 158-162, 2017. DOI: https://doi.org/10.4025/revcivet.v4i0.37119 Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevCiVet/article/view/37119 Acesso em: 07 de fevereiro de 2023.
  6. CAMPO SV; HARDER MNC. Avaliação de qualidade de presuntos cozidos manipulados e comercializados em supermercados: uma revisão bibliográfica. Bioenergia em Revista: Diálogos, v. 11, n. 2, 2021. Disponível em:http://www.fatecpiracicaba.edu.br/revista/index.php/bioenergiaemrevista/article/view/436/373809 Acesso em: 01 jun. 2022. 
  7. GONÇALVES, MAA; BASSETO ALC; BARROS MV; STRADIOTO JP, VIEIRA FD. Uma revisão sobre a produção de alimentos perecíveis e contaminantes alimentares. Anais do XI Encontro de Engenharia de Produção Agroindustrial, 2017. Disponível em: http://anais.unespar.edu.br/xi_eepa/index.php?id=alimentos Acesso em: 07 de fevereiro de 2023. 
  8. GONÇALVES, HG; COSTA ES; FERNANDES LN; SILVA LN. Avaliação microbiológica de presunto fatiado comercializado no município de Patos de Minas – MG. Brazilian Journal of Animal and Environmental Research, v. 3, n. 3, p. 1399-1409, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.34188/bjaerv3n3-057
  9. HOGSETTE A. Factors affecting numbers of house flies (Diptera: muscidae) captured by ultraviolet light traps in a large retail supermarket. Journal of Economic Entomology, v. 114, n. 2, p. 988-992, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/jee/toaa319

Você pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Twitter
Blog UFABC Divulga Ciência