Uma reflexão sobre a divulgação científica (V.6. N.2. P.7, 2023)

Tempo estimado de leitura: 5 minute(s)

Autor: José Machado Moita Neto (Pesquisador da UFDPar)

Contatos: whatsapp (+55 86 99921-0902) / e-mail (jose.machado.moita.neto@gmail.com)

 

A Ciência é uma atividade humana que implica construções teóricas e aplicações práticas que se interligam para compreender, explicar, modelar ou intervir na realidade. Todos os ramos da Ciência exigem investimento de tempo para adquirir competências, habilidades e desenvolver atitudes que garantam, durante e após a formação acadêmica, uma diligente atualização, aprimoramento e criatividade no campo em que cada pesquisador se dedica. No Brasil, a grande maioria dos pesquisadores são docentes e têm também ao seu encargo a formação de recursos humanos.

Há um reconhecimento, por todos os governos do globo, sobre a relevância da ciência para a sociedade , contudo, em suas estratégias: alguns desenvolvem conhecimento científico e outros apenas o compram envelopado como tecnologias. Além disso, também há diferente quantidade de recursos destinados à pesquisa científica: alguns países com predominância de investimentos públicos e outros com investimentos públicos e privados em diferentes graus. No Brasil, todos os governos tiveram suas políticas científicas, porém, na maioria das vezes, desconectadas da formação de pesquisadores.

Todas as atividades humanas precisam ganhar admiração dentro da sociedade para dela obter apoio quando necessário. A pesquisa científica não é diferente. Sem conhecer os cientistas e suas pesquisas, uma sociedade nunca irá respeitar o seu trabalho. O jornalismo científico faz uma parcela desse trabalho pois divulga matérias de relevância, segundo os critérios jornalísticos e os mecanismos de agendamento (Agenda-Setting), para a sociedade. O pesquisador é ouvido em entrevista ou como fonte de um assunto de interesse jornalístico do momento. Contudo, se o tema não é de interesse jornalístico ou não é de utilização imediata fica marginalizado nessa cobertura.

O pesquisador sempre escreve o resultado de seu trabalho numa forma adequada para a leitura de outros pesquisadores de sua mesma área de formação. Esse tipo de divulgação é academicamente importante mas não é socialmente relevante. A divulgação científica é uma atividade que pode ser desenvolvida por qualquer cientista adaptando a sua linguagem para um público mais amplo e para diferentes mídias sociais. Mesmo quando o leitor não consegue fazer outras conexões com o seu mundo da vida, pela expertise exigida em determinados temas, quem domina bem um assunto pode dizê-lo de mil e uma forma adequando para o público dentro de um contexto linguístico que o leitor compreenda a relevância e utilidade para sociedade.

Não é fácil explicar uma pesquisa básica que envolva, por exemplo, a p53. Essa proteína está no nosso organismo para tempos normais e tempos de crise, tendo uma atuação sistêmica no que diz respeito a vida e a morte das células. A p53 ainda tem muito o que nos ensinar sobre o que acontece de irregular no organismo quando se tem câncer. O crescimento anormal de células precisa ser detido a qualquer custo pelo organismo ou por intervenção externa. Conhecer a atuação da p53  em toda sua extensão é um objeto de pesquisa em todo o mundo. O conjunto do conhecimento adquirido leva a pesquisa aplicada.

Igualmente complexo é explicar uma pesquisa aplicada porque há sempre uma pesquisa básica que a antecede. Uma ideia de profunda utilidade prática como concretos autorregeneráveis pela presença de bactérias que produzem carbonato de cálcio preenchendo eventuais fissuras é fácil de entender mas não de dimensionar o esforço em pesquisa que precisa ser feito antes da escolha de tais bactérias para garantir sua eficácia em serviço. O conjunto de conhecimento já existente sobre bactérias e sobre concreto precisa ser mobilizado para determinar as condições de possibilidade de acontecer uma produção in situ de carbonato de cálcio e, depois disso, realizar estudo de viabilidade técnica e econômica sobre essa solução frente a outras soluções já existentes.

Ambos os exemplos citados necessitam de maior profundidade para o público especialista mas que podem turvar a clareza de uma exposição para o público leigo. Divulgar ciência é conversar com a sociedade sobre um assunto usando apenas as categorias teóricas dominadas até o ensino médio ou de fácil acesso através das mídias sociais possibilitando que cada leitor, por sua conta, consiga avaliar a importância do tema para sociedade.

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1 Resultado

  1. Maria Carcara disse:

    Muito esclarecedor. Recomendo que orientadores enviem esse texto para servir de reflexão para os orientandos

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