Qual a relação do conceito de Gênero e Restauração Ecológica? O exemplo do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (V.5, N.7 P.6, 2022)

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Autor: Ananda de Oliveira Gonçalves Antenor 

 

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (PACTO) no Brasil – que foi estabelecido  em abril de 2009 – é uma coalizão de mais de 300 organizações – dentre instituições públicas e  privadas, governos, empresas, comunidade científica e proprietários de terra – trabalhando de  forma colaborativa para restaurar 15 milhões de hectares até 2050, cujo objetivo é ser referência  na articulação e integração dos diferentes atores sociais e no fortalecimento de suas ações  para promover a restauração ecológica (PACTO, 2022). 

Este movimento atua como catalisador de ações para restauração florestal nos 17 estados que abrigam a Mata Atlântica, tendo sua estratégia definida pelo Conselho de  Coordenação, segundo as prioridades de cada período (PACTO, 2022). Além disso, o  movimento prioriza a atuação em três linhas principais:  

  1. i) Territórios Certificados, que identificam as áreas estratégicas para  articulação de esforços, geração de oportunidades e de resultados significativos em restauração ecológica;  
  2. ii) Comunicação e Capacitação, responsável pela produção de conteúdo,  materiais didáticos e iniciativas para promover boas práticas e participação da sociedade na Década da Restauração Ecológica;  

iii) Monitoramento Multidimensional, que aplica técnicas de campo e de  sensoriamento remoto para acompanhar o processo de restauração  ecológica em áreas de Mata Atlântica (PACTO, 2022). 

Atualmente, o PACTO conta com seis grupos de trabalho (GT’s) e qualquer signatário pode  participar de um GT de sua escolha, sendo as atividades voluntárias, e em sua maioria não remuneradas. Os seis grupos são: Diversidade, Técnico-científico, Economia da  Restauração, Captação de Recursos, Políticas Públicas e Inteligência Geoespacial (PACTO,  2022). No momento, vamos focar no Grupo de Trabalho  de Diversidade, que, de acordo  com Brancalion et al. (2021), tem como objetivo geral mudar a visão da PACTO de cego  ao gênero para sensível ao gênero.  

A promoção da diversidade é fundamental para a restauração ecológica dado que  projetos do tipo geralmente quantificam a diversidade de árvores, abelhas, genes,  habitats e quase todos os tipos de variação do mundo vivo para avaliar o sucesso da  restauração, porém, esquece-se de avaliar os resultados derivados das dimensões humanas,  como participação e engajamento social (Brancalion et al., 2021). 

Em última análise, como uma atividade humana, a restauração ecológica reflete todas as particularidades de nossa espécie e é amplamente impactada pela cultura, valores, normas sociais e todos os fatores psicológicos e organizacionais que conduzem nosso relacionamento  com a natureza. Assim, não é razoável que a diversidade humana tenha sido amplamente  negligenciada na restauração ecológica e, portanto, o gênero se revela como um componente  essencial dessa diversidade e tem sido recentemente considerado para a justiça social e equidade (Brancalion et al., 2021). 

Nesse sentido, entende-se Gênero como um conceito associado aos atributos e  oportunidades econômicas, sociais, políticas e culturais relacionados a mulheres e  homens. Consequentemente, as definições sociais do que significa ser um ou o outrovariam entre as culturas e mudam ao longo o tempo de tal forma que o termo Gênero é uma expressão sociocultural de características e papéis que estão correlacionados a determinados  grupos de pessoas com referência ao seu sexo e sexualidade, além do dualismo  mulher/homem (Brancalion et al., 2021). 

Desta forma, os papéis de gênero são aprendidos por meio de processos de  socialização e estão sujeitos a mudanças e, portanto, o conceito de gênero necessita ser  entendido como um termo transversal, que pode ser aplicado a outras variáveis como raça,  classe, idade e etnia. Ao utilizar uma abordagem do tipo, o foco não está na mulher e no  homem individualmente, mas no sistema que determina os papéis/responsabilidades de  gênero, acesso e controle sobre recursos e potenciais de tomada de decisão (Brancalion et al.,  2021). 

A relevância do gênero para a pesquisa ambiental e florestal remonta a várias décadas,  que começou na década de 1980 com o movimento e as teorias ecofeministas, que  gradualmente se expandiram da abordagem essencialista sobre as mulheres e sua conexão  única com o meio ambiente para uma perspectiva mais ampla de participação e tomada de  decisão. Apesar disso, o papel que o gênero desempenha nas atividades de conservação e  restauração é crucial (Brancalion et al., 2021). 

Assim dizendo, a inclusão da dimensão humana pode aumentar ainda mais a coesão  social para o sucesso da restauração, o que só pode ser alcançado se diferentes gêneros  tiverem suas necessidades atendidas e sua contribuição única para a restauração integrada. De modo que o  conhecimento ambiental e as prioridades diferem e precisam ser conciliados para alcançar as metas de restauração dentro de territórios ou paisagens (Brancalion et al., 2021). 

Em vista disso, a igualdade de gênero deve então ser considerada de antemão como  um objetivo das iniciativas de restauração, e posteriormente avaliada e promovida como um  determinante crítico de seu sucesso. Iniciativas de restauração que não abraçam a diversidade  de interesses e partes interessadas podem falhar em seus objetivos principais e, mais  dramaticamente, podem exacerbar os desequilíbrios de gênero ou poder dentro da  comunidade (Brancalion et al., 2021). 

A igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas são  explicitamente promovidos pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 das Nações  Unidas. Compreender o nexo gênero-ambiente não é apenas a chave para entender as  desigualdades sociais e ambientais e as barreiras ao desenvolvimento sustentável, mas  também para desbloquear opções para ações transformadoras, que podem desempenhar um 

papel fundamental para a integração da Década das Nações Unidas sobre Restauração de  Ecossistemas (2021-2030) (Brancalion et al., 2021). 

Sendo assim, a atuação do PACTO por meio do GT de Diversidade é importantíssima,  uma vez que sua missão é transformar horizontes por meio da equidade nas ações do PACTO e do apoio à representação qualificada e engajamento, criando oportunidades nas agendas de  restauração. Além disso, o GT visa por meio das suas ações: i) promover a capacitação de  diferentes grupos de interesse, buscando a integração de gênero e restauração; ii) elaborar  estratégias e mecanismos de comunicação relacionados à temática de gênero em restauração; 

iii) fortalecer a incidência política e institucional com foco em equidade de gênero, em espaços  estratégicos (PACTO, 2022). 

De acordo com Brancalion et al. (2021), dentre as ações do GT, podemos citar: 

1) Para promover as atividades de capacitação se concentraram na  disseminação e adoção do arcabouço teórico utilizado a fim de promover a  equidade de gênero no PACTO, engajando as principais partes interessadas  no processo: uma cartilha sobre perspectiva de gênero – “Semeando  Equidade” – foi produzida para apoiar as atividades de capacitação; 

2) Na frente de comunicação, o grupo de trabalho criou o blog “Mulheres de  ImPACTO” para consolidar e divulgar as ideias do grupo de trabalho,  criando consciência sobre a abordagem sensível ao gênero dentro e fora do  grupo; 

3) Participou de vários fóruns de políticas e influenciou a adoção da primeira  abordagem de gênero em uma importante política brasileira, a Estratégia  Nacional de Biodiversidade e Plano de Ação; 

4) Um capítulo sobre inclusão de gênero e diversidade na restauração foi  incluído na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços  Ecossistêmicos (o braço nacional do IPBES); 

5) Uma brinquedoteca foi incluída de forma pioneira na conferência SER  (Society for Ecological Restoration – Sociedade para Restauração Ecológica)  no Brasil 2017, criando um ambiente familiar para apoiar a participação  igualitária de homens e mulheres na conferência; 

6) Uma mulher foi eleita como coordenadora nacional do PACTO. 

A inclusão de gênero na restauração ecológica poderia ser uma solução vantajosa para  a promoção de conquistas transversais dos ODS e demonstrar efetivamente seus amplos  benefícios positivos para promover a diversidade e a igualdade. A Década das Nações Unidas  para a Restauração de Ecossistemas oferece o impulso perfeito para a evolução da restauração  para uma atividade positiva de gênero, uma oportunidade a não perder (Brancalion et al.,  2021). 

Nesta perspectiva, Brancalion e seus colegas recomendam que os Princípios e Padrões  Internacionais para a Prática da Restauração Ecológica sejam alterados para incluir uma  perspectiva sensível ao gênero em suas recomendações, com o objetivo de impulsionar  intencionalmente mudanças em direção a uma abordagem de restauração inclusiva de gênero  (Brancalion et al., 2021)

Essa inclusão acabará levando a uma mudança nos projetos locais, catalisando a justiça  social e a equidade como resultado desejado da restauração ecológica, maximizando os  resultados da restauração para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Os Objetivos de  Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas abordam explicitamente a restauração  ecológica, especialmente como parte dos ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima), 14  (vida abaixo da água) e 15 (vida na terra), e também a inclusão de gênero, com um objetivo  específico nele (ODS 5, igualdade de gênero) (Brancalion et al., 2021). 

 

 

Referências: 

BRANCALION et al., P. H. S. Gender inclusion in ecological restoration. Restoration Ecology,  2021. doi: 10.1111/rec.13497 

PACTO. Website do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. Disponível em:  https://www.pactomataatlantica.org.br/. Acesso em: 04 de maio de 2022.

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