Podemos medir nossa inteligência? (V.5, N.5, P.7, 2022)
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Por algum motivo somos interessados em ser melhores que os outros. Quando não podemos ser os que mais se destacam em competições físicas, artísticas, sociais ou em poder aquisitivo, o que nos resta é a inteligência. Mas será que podemos medi-la? E qual seria sua unidade? Bits? Sinapses? Artigos publicados? Espera, é “inteligência” ou “inteligências”?
A própria definição de inteligência é algo controverso. Geralmente é associada a uma boa memória, raciocínio lógico, capacidade dedutiva e intuitiva. Se você pesquisar por “pessoas mais inteligentes” provavelmente encontrará entre as primeiras opções Albert Einstein, Stephen Hawkings, Isaac Newton e Leonardo da Vinci. Tirando o último, parece que ser um Físico [e homem] é o bastante para ser considerado inteligente. E não é à toa, mas calma que eu te explico.
A partir do final do século XIX e predominantemente no século passado, cientistas de diversos campos procuraram por métodos para medir funções mentais. O primeiro laboratório de psicologia em 1879, criado por Wilhelm Wundt (1832-1920), deu os primeiros passos nas investigações sobre sensações e percepções. Entretanto, foi o estatístico e antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911) que tentou produzir um teste para classificar a inteligência, publicando em 1882 suas “Investigações sobre a faculdade humana e seu desenvolvimento”, um artigo em que explicava suas teorias.
Finalmente, em 1905, os franceses Alfred Binet (1857-1911) e Theodore Simon (1872-1961), preocupados em identificar crianças que tinham dificuldade na escola, criaram o teste que em 1912, seria conhecido como teste de QI (quociente de inteligência), após proposição de Wilhelm Stern (1871-1938). A versão dos testes para adultos só viria em 1939, com David Wechsler (1896-1981).
Porém, da mesma maneira que os testes de QI foram se aperfeiçoando, seus problemas também iam sendo revelados. Logo o teste passou a ser usado para determinar uma ilusória superioridade entre raças, por grupos eugenistas e outros tipos de atos discriminatórios.
Do ponto de vista teórico, enquanto alguns pesquisadores se contentavam com o fato de um número representar toda sua inteligência, outros apontavam que os testes consideravam somente habilidades de lógica e de percepção espacial (habilidades importantes para um Físico).
Com base nisso, teorias que apontavam a existência de diversos tipos de inteligência começaram a aparecer, sendo a mais conhecida a teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (1943-), que classifica a existência de 8 tipos de inteligência (Lógica matemática, Linguística, Musical, Espacial, Corporal-cinestésica, Intrapessoal, Interpessoal e Naturalista).
Outra abordagem, também valorizada hoje, é a separação de inteligência fluida e inteligência cristalizada. Enquanto a primeira está relacionada com a capacidade de lidar com problemas, a segunda, a segunda seria o conjunto de conhecimentos que se obtém ao longo da vida a partir do uso da primeira.
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Além do mais, o crescimento dos escritórios e a preocupação com a gestão de pessoas na década de 90 fizeram com que o empresariado passasse a ter outro conceito na moda: “inteligência emocional”, principalmente depois da publicação do livro de mesmo nome por Daniel Goleman em 1995. Não demorou muito para surgir a ideia de medir um QE (quociente emocional).
Desde então, muitos pesquisadores colocam suas expectativas de encerrar esta disputa entre uma ou muitas inteligências na neurociência. Setiawan e Ilmiyah (2020), relacionando a teoria das múltiplas inteligências com o que sabemos sobre as áreas cerebrais e o funcionamento do encéfalo, destacam que é importante não rotularmos os estudantes pois, ao fazermos isto, podemos os desencorajar a apreenderem de outras formas. Além disso, o fato de nosso cérebro estar sempre em mudança (plasticidade) dá a entender que nossa inteligência pode ser algo não fixo, mas sim algo que desenvolvemos ao longo de nosso aprendizados
Hoje, a ideia de quantificar a inteligência, apesar de interessante, não parece tão significativa. Testes de inteligência, escolares e psicológicos se mostraram instrumentos de repressão em mãos erradas. Maria Helena Souza Patto, ex-diretora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) nos alertava que quando temos uma nota baixa em um teste, paramos de prestar a atenção nas potencialidades dos estudantes e focamos na falta, como se fosse uma patologia. O que pode causar mais dano do que desenvolvimento.
Será que ainda precisamos medir a inteligência?