Impressão 3D: Tecnologia revolucionária ou hobby bacana? (V.4, N.10, P.8, 2021)

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Miguel Angel Calle Gonzales, Professor Visitante da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do Curso de Extensão sobre Manufatura Aditiva ministrado anualmente. Tem experiência em pesquisas científicas ligadas a projeto mecânico, mecânica experimental, impacto estrutural, processos de fabricação e tecnologias de impressão 3D (manufatura aditiva) [lattes].

Nos últimos anos, estamos cada vez mais familiarizados com a presença das impressoras 3D nos fablabs, nas universidades e até nas casas, o que muitas vezes nos faz pensar que a tecnologia de impressão 3D se limita unicamente a estas máquinas. 

Na verdade, as impressoras 3D representam só uma das várias tecnologias de manufatura aditiva que existem atualmente no mercado internacional, mercado que cresce a passos largos a cada ano que passa. 

Atualmente, as tecnologias de manufatura aditiva são consideradas um dos pilares da Indústria 4.0, também chamadas de quarta revolução industrial, porque prometem transformar o modo como os produtos são fabricados em um futuro próximo.

Todas as tecnologias de manufatura aditiva consistem basicamente na fabricação de peças por camadas, ou seja, pela sobreposição de camadas finas de material, uma camada acima da outra, de acordo com um modelo 3D no computador, até gerar a peça completa. Uma das principais vantagens destas tecnologias é a fabricação de peças partindo diretamente de seu modelo 3D feito no computador, é por isso que é considerada uma tecnologia de fabricação digital. Assim também, um dos maiores atrativos é a capacidade de fabricação de peças muito complexas, muitas vezes impossíveis de serem criadas por outras tecnologias de fabricação. ‘Complexity is free’ é a bandeira que usam as tecnologias de manufatura aditiva por conta desta capacidade.

A impressão 3D consiste na fabricação de peças por camadas de material

Ainda que os princípios básicos fossem desenvolvidos nos anos 80, só depois da queda da patente em 2009 que a impressão 3D começou a ser popularizada no mundo inteiro. Assim, algumas iniciativas como a comunidade RepRap apareceram no mundo com propostas de hardware livre, ou seja, projetos abertos de impressoras 3D que podem fabricar seus próprios componentes junto com o software controlador também de código aberto e desenvolvido de forma coletiva por diversos colaboradores no mundo. Na última década, estas iniciativas acabaram possibilitando que mais pessoas conseguissem criar suas próprias impressoras 3D em casa e, ao mesmo tempo, acabou barateando os preços das impressoras 3D vendidas no mercado assim tornando elas (em certo grau) um produto popular.

Chega ser até engraçado ver como a impressão 3D faz cada vez mais parte da cultura popular. Nos dias de hoje a impressão 3D está entrando no imaginário das pessoas como a tecnologia de fabricação do futuro que cria objetos de todo tipo pronto para uso, a velocidades incríveis e em qualquer lugar. Podemos ver facilmente representações toscas das tecnologias de impressão 3D em filmes que envolvem tecnologia de ponta (as vezes do futuro) para fabricação de diversos objetos que vão de robôs, comidas, veículos, joias e até seres humanos. Os erros técnicos em boa parte desses filmes, de tão absurdos que são, fazem que a impressão 3D pareça mais magia do que tecnologia. 

Cena absurda de impressão 3D de joia feita de zircônia cúbica (ponto de fusão de 2750°C) em filme ‘Oito mulheres e um Segredo’ (2018)

Os termos impressão 3D e manufatura aditiva são comumente utilizados como sinônimos para indicar os processos de fabricação por camadas. Porém, nos últimos anos, vem se diferenciando a aplicação destes termos. Assim, o termo impressão 3D está sendo utilizado especificamente para indicar o processo de deposição de filamento fundido (extrusão de material), que é uma tecnologia de baixo custo usado para fabricação de protótipos visuais e amplamente usadas nas comunidades maker. Já o termo manufatura aditiva está sendo mais usado para indicar todas as tecnologias de fabricação por camadas, particularmente as de fabricação de peças de alto nível, ou seja, peças destinadas para aplicações médicas, aeroespaciais, ferramental industrial, etc. 

Nos últimos anos, tem surgido muita confusão entre os fabricantes de equipamentos de manufatura aditiva os quais chamam as tecnologias que usam suas máquinas com nomes diferentes sendo que, muitas vezes, se tratam do mesmo princípio tecnológico. Para evitar essa confusão, todas as tecnologias de manufatura aditiva são classificadas dentro de sete famílias (normas ABNT ISO/ASTM 52900) que são: 

  1. Extrusão de material: Tecnologia mais conhecida e usada nas impressoras 3D (é comumente conhecida pelo nome de modelagem de deposição fundida), consiste na deposição de material fundido, fornecido em forma de filamento plástico, que solidifica e forma a peça;
  2. Fotopolimerização em cuba: Também conhecida como estereolitografia, usa como matéria prima um polímero líquido fotocurável vertida numa bacia na qual a peça é criada, camada por camada, pela exposição seletiva a luz;
  3. Fusão em leito de pó: A matéria-prima é fornecida em forma de pó metálico ou plástico, o qual é exposto seletivamente a calor (feixe laser ou de elétrons) para fundir o material, logo esfria solidificando e formando a peça;
  4. Jateamento de material: Polímero líquido fotocurável é jateado usando um sistema similar ao das impressoras de jato de tinta, logo é exposto a luz UV para solidificar e formar a peça;
  5. Jateamento de aglutinante: Líquido aglutinante fotocurável é jateado acima do material, em forma de pó, para dar liga e solidificar quando exposto a luz UV, usando também sistema similar ao das impressoras de jato de tinta para jatear líquido aglutinante;
  6. Adição de lâminas: Matéria-prima é fornecida em forma de chapas de metal ou papel as quais são cortadas e coladas, uma acima da outra sucessivamente, para formar peças tridimensionais;
  7. Deposição com Energia Direcionada: Peças são criadas pela deposição de cordão de metal fundido, de forma similar a tecnologias de soldagem, por camadas até formar a peça.

Sete tecnologias de manufatura aditiva e alguns nomes comerciais com as quais são mais conhecidas

A cada dia que passa, novas aplicações para as tecnologias de manufatura aditiva estão sendo encontradas e implementadas em diversas áreas. Tradicionalmente estas tecnologias começaram sendo usadas para prototipagem rápida, ou seja, para fabricação de modelos preliminares de produtos de consumo para poder avaliar sua funcionalidade e identificar problemas antes de mandar para a produção em massa. Atualmente continua sendo usado na prototipagem rápida, mas também para muitas outras aplicações.

Uma atual tendência forte de aplicações é na customização em massa de produtos, ou seja, fabricar produtos com informações, dimensões, detalhes e até formato que se ajuste ao usuário como óculos, órteses, calçado, acessórios de carro, bicicletas, etc. 

Customização de acessórios fabricados por impressão 3D do veículo Mini Yours da BMW com nome do cliente e padrão personalizado

Algumas tecnologias de manufatura aditiva também estão sendo usadas na fabricação de componentes de alta competitividade, ou seja, componentes que combinem alta resistência mecânica com menor peso como por exemplo implantes de titânio, componentes de veículos espaciais, componentes de carros de fórmula 1, etc. 

Componentes funcionalmente otimizados fabricados em metal por manufatura aditiva

 

As tecnologias de manufatura aditiva também são usadas na fabricação de ferramental para auxiliar outros processos de manufatura como, por exemplo, criar gabaritos e dispositivos usados em operações de montagem, usinagem, soldagem e inspeção. Também são usados na fabricação de insertos de matrizes para injeção plástica de pequenos lotes de peças e para fabricação de moldes de areia para fundição de peças metálicas de geometria complexa. 

Gabaritos e dispositivos feitos por impressão 3D usados para auxiliar outros processos de fabricação

Junto com as aplicações industrias, um dos maiores destaques das tecnologias de impressão 3D nos dias de hoje é o papel que protagoniza na cultura maker e na educação superior sendo que as impressoras 3D já são consideradas máquinas imprescindíveis dos fab labs e nas universidades do Brasil e do mundo. 

Os fab labs são pequenas oficinas de fabricação digital concebidas para serem acessíveis ao público em geral e possibilitar a fabricação de ideias de qualquer pessoa. Nesses espaços, as impressoras 3D são frequentemente usadas para desenvolvimento de pequenas peças, muitas vezes em forma de hobby, mas também para projetos mais sérios de entusiastas e empreendedores.

Assim também as impressoras 3D vêm gradualmente sendo mais numerosas nas universidades do Brasil basicamente porque permite aos alunos aprimoramento nas tecnologias de fabricação digital e, ao mesmo tempo, possibilita a fabricação de peças ligadas a diversos projetos internos como carros de competição baja ou F1, drones, aeromodelismo, batalha de robôs, etc. Assim também, muitos professores universitários estão aderindo a impressão 3D nas suas próprias disciplinas e na forma de pequenos projetos.

Fab Lab Livre SP: fab lab localizado em São Paulo

 

A evolução da cultura maker junto com a impressão 3D, além de multiplicar a quantidade de adeptos no mundo inteiro acabou também alavancando o surgimento de bancos de dados digitais abertos na internet nos quais podemos encontrar centenas de projetos gratuitos prontos para serem fabricados por impressão 3D. Nestes bancos de dados podem ser encontradas as peças para montar uma impressora 3D, estruturas de drone, figuras de ação dos últimos super-heróis da Marvel, quebra-cabeças, acessórios para carregar garrafinha d’água na bike, chaveiros, diversos suportes para celular, ferramenta de marcação de centro em marcenaria, maquete de torre de babel entre várias outras coisas.

Thingiverse: Banco de dados digitais com diversos projetos gratuitos na internet

Outro setor que está atualmente explorando as possibilidades das tecnologias de manufatura aditiva é o setor das artes em geral. Artesãos, restauradores, designers e artistas plásticos em geral estão fazendo uso da impressão 3D por permitir uma maior liberdade na fabricação de peças originais e designs orgânicos como, por exemplo, objetos de decoração, peças de reposição de produtos fora de linha, maquetes, peças de arte, etc. Esta liberdade está permitindo a artistas, inclusive, materializar geometrias muito complexas que seriam impossíveis de serem fabricados por outros métodos de fabricação.

‘Grotesco Digital II’: Escultura fabricada por impressão 3D com geometria criada por algoritmos matemáticos gerados por computador

Finalmente (e não menos importante), um outro setor que não perdeu tempo e que está explorando exaustivamente a impressão 3D é a indústria do cinema. Alguns projetos cinematográficos usam a impressão 3D para fabricação de personagens articulados para animações baseadas na técnica de stop-motion, ou seja, gravação de cenas quadro por quadro. Outros projetos usam a impressão 3D para fabricar adereços de filmes, ou seja, os objetos que serão usados em cena. Alguns adereços famosos feitos por impressão 3D são possíveis de ver, por exemplo, nos filmes de super-heróis como o martelo de Thor, a armadura do homem de ferro, etc.

Apesar do grande potencial e a diversidade de aplicações das tecnologias de manufatura aditiva, estas estão sendo ainda usadas de forma incipiente no Brasil. Um dos motivos é o alto custo do processo como um tudo, a falta de máquinas e insumos produzidos nacionalmente acabam aumentando o custo destas tecnologias no Brasil dificultando sua difusão. 

Por outro lado, outro fator que impede uma maior adoção no Brasil é a falta de qualificação técnica e profissional adequada para uso destas tecnologias. Nesse sentido, algumas instituições do setor público como o CTI Renato Archer e a Universidade Federal do ABC junto a outras do setor privado se esforçam atualmente para poder qualificar mais profissionais no uso destas tecnologias para atuar no mercado nacional.

Assim, para aqueles que trabalhamos com processos de fabricação e que estamos conhecendo um pouquinho mais sobre a impressão 3D, é importante ir nos familiarizando com o uso das tecnologias de manufatura aditiva que muito provavelmente ganharão mais notoriedade e relevância nos próximos anos no sistema de produção Brasileiro.

Finalmente e respondendo à pergunta no início deste artigo: Impressão 3D: tecnologia revolucionária ou hobby bacana? Acredito que as tecnologias de manufatura aditiva vêm com tudo para revolucionar a forma de fabricação, não pretendendo substituir todos os processos de fabricação tradicionais, mas sim assumindo um destaque como mais uma alternativa de fabricação muito competitiva dependendo da aplicação. Por outro lado, também acredito que a impressão 3D acabe se popularizando cada vez mais nos próximos anos como hobby bacana já que a sua versatilidade e praticidade para fabricar peças acaba motivando cada vez mais pessoas leigas para desenvolver e realizar seus próprios projetos e, talvez com isso, deixar de consumir o projeto de outros.

 

Para saber mais:

Manufatura aditiva: primeiras impressões 3D e o futuro da produção camada por camada

O avanço da impressão 3D – Revista Pesquisa Fapesp

Manufatura Aditiva – Tecnologias e Aplicações da Impressão 3D, Neri Volpato, Ed. Blucher, 2017

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