A importância do Geoprocessamento no contexto da pandemia (V.3, N.10, P.5, 2020)

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Divulgadora da Ciência:

Natalia Gea, Engenheira Ambiental e Urbana e Bacharela em Ciência & Tecnologia, ambas pela UFABC. Apaixonada por mapas, plantas (em seus dois significados) e tudo mais que se relacione ao planeta Terra. Atua principalmente nos seguintes temas: geoprocessamento, comunidades tradicionais e unidades de conservação da natureza.

 

O início: como começamos a pensar em fazer mapas?

Os mapas surgiram da necessidade de se transmitir informações territoriais entre seres humanos. Acredita-se que os primeiros mapas da história tenham sido desenhados muito antes de qualquer registro, com varetas na areia, por exemplo. Porém, esses mapas não podiam resistir à ação de agentes climáticos e, por isso, se perderam no tempo. Michael Peterson, professor americano que dedicou sua carreira ao estudo dos mapas, destaca ainda que os primeiros mapas conhecidos foram desenhados em argila na Mesopotâmia há cerca de 4.500 anos, retratando características físicas da região, como rios e montanhas. A figura a seguir nos dá uma ideia de como eram esses mapas:

 

Figura 1: O mapa babilônico do mundo, de Sippar, Mesopotâmia. Fonte: Wikimedia Commons .

 

Geoprocessamento: da areia ao computador

Desde então, a coleta de informações sobre a distribuição geográfica foi se desenvolvendo por meio de documentos e mapas em papel. Porém, chegou um momento em que utilizar apenas o papel se tornou insustentável, pois isso impossibilitava uma análise mais complexa, envolvendo diferentes mapas e uma grande quantidade de dados. A partir da segunda metade do século XX, o desenvolvimento da tecnologia de Informática possibilitou o armazenamento e representação das informações espaciais em ambiente computacional, surgindo, assim, o Geoprocessamento.

 

E o que isso tem a ver com as pandemias?

A relação entre geoprocessamento e epidemiologia é antiga. Há um célebre exemplo, contado em quase todos os cursos e materiais sobre geoprocessamento, em que o epidemiologista inglês, John Snow, utilizou a espacialização dos dados para debelar uma grave epidemia de cólera em Londres no ano de 1854. Na época, a forma de contágio da doença não era conhecida, mas o médico inglês teve a ideia de mapear os casos e os poços de água, mostrando que havia um padrão espacial que evidenciava a relação entre a propagação da epidemia com a ingestão de água contaminada.

 

Figura 2: Mapeamento dos casos de cólera (ponto) e poços d’água (x) do bairro do Soho, Londres, 1854). Fonte: Wikimedia Commons .

 

Saúde Pública e ambiente estão intrinsecamente relacionados por padrões espaciais. O próprio conceito de pandemia está atrelado a técnicas de geoprocessamento, uma vez que é necessário realizar um mapeamento das ocorrências da nova doença a fim de defini-la como pandemia. Lembrando que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a definição de pandemia corresponde à disseminação de uma nova doença em escala mundial, isto é, em mais de dois continentes.

 

O Geoprocessamento e a COVID-19

Em 11 de março de 2020, a OMS declarou que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) foi caracterizado como uma pandemia. A partir de então, o geoprocessamento se mostrou uma ferramenta fundamental para a compreensão da dinâmica espacial da doença e, com isso, auxiliar tomadas de decisões quanto à preparação e resposta à pandemia.

 

A análise da distribuição espacial dos casos de infecção evidencia as particularidades da disseminação da doença e contribui para a delimitação de áreas de maior risco de contração da doença, assim como áreas de maior mortalidade. O geoprocessamento pode auxiliar, ainda, na avaliação da capacidade da rede de saúde, tanto pública quanto privada, com o mapeamento de leitos e recursos disponíveis. Além disso, a divulgação dos dados em formato de mapas fornece uma nova perspectiva sobre a pandemia para a população, ajudando na conscientização sobre os cuidados necessários no combate à COVID-19 (CARVALHO et al., 2000).

 

Conforme a pandemia foi se agravando, diversos sites começaram a surgir com seus próprios sistemas de geoprocessamento para mostrar os dados relativos a ela. Em nível internacional, a Universidade Johns Hopkins desenvolveu um painel interativo que chegou a receber mais de um bilhão de acessos em um único dia.

 

Figura 3: Painel interativo de casos de COVID-19 criado pela Universidade Johns Hopkins.
Fonte: Captura de tela realizada pela autora (2020).

 

No Brasil, por exemplo, foi criado um Painel de casos de COVID-19 pelo Ministério da Saúde, onde o mapeamento é realizado com base nos dados obtidos pelas Secretarias Estaduais de Saúde de todo o país.

Figura 4: Painel de casos de COVID-19 do Ministério da Saúde.
Fonte: Captura de tela realizada pela autora (2020).

 

No âmbito da Universidade Federal do ABC (UFABC), dois sites foram criados por diferentes grupos de pesquisadoras(es) e colaboradoras(es) voluntárias(os). O projeto “Onde tem Coronavírus?”, lançado em 1º de março de 2020, oferece acesso a dados atualizados sobre a pandemia em nível municipal, mas com abrangência nacional. O site apresenta, ainda, informações sobre recursos hospitalares disponíveis, possibilitando a comparação entre municípios vizinhos.

 

Figura 5: Projeto “Onde tem coronavírus”.
Fonte: Captura de tela realizada pela autora (2020).

 

Já o projeto “COVIData” foi desenvolvido por pesquisadoras(es) da UFABC em parceria com o Consórcio Intermunicipal do ABC para uso nos sete municípios da região. Lançada em abril, a ferramenta possibilita a inserção dos dados, pelo próprio cidadão, sobre seu histórico de saúde e respostas a questões sobre sintomas típicos de infecção pelo novo coronavírus.

 

Figura 6: Projeto “Onde tem coronavírus”.
Fonte: Captura de tela realizada pela autora (2020).

 

Como podemos ver, os mapas (e o geoprocessamento) são úteis para muito além de encontrar caminhos. Presentes há muito tempo na vida dos seres humanos, essas ferramentas são (e foram) importantíssimas para nos auxiliar no entendimento dos territórios, das dinâmicas sociais e de diversos eventos históricos, como é o caso da pandemia de COVID-19 pela qual estamos passando.

 

Referências bibliográficas:

 

CÂMARA, G; DAVIS, C; MONTEIRO, A. M. V. Introdução à ciência da geoinformação. 2001. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/introd/>. Acesso em 26 set. 2020.

CARDOSO, P. V. et al. A importância da análise espacial para tomada de decisão: um olhar sobre a pandemia de COVID-19. Revista Tamoios, v. 16, n. 1, 2020. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/tamoios/article/view/50440/33476>. Acesso em 27 set. 2020.

CARVALHO, M. S; PINA, M. F; SANTOS, S. M. Conceitos Básicos de Sistemas de Informação Geográfica e Cartografia Aplicados a Saúde. Organização Pan-Americana de Saúde. Ministério da Saúde. Brasília. 2000. Disponível em: <http://200.17.137.109:8081/xiscanoe/courses-1/treinamento-basico-em-terra-view-para -rotinas-em-epidemiologia/material-de-apoio/Livro_cartog_SIG_saude.pdf>. Acesso em 27 set. 2020.

Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Folha informativa COVID-19 [Internet]. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/covid19>. Acesso em 26 set. 2020.

PETERSON, M. Maps and the internet: an introduction. In: PETERSON, Michael (Ed.) Maps and the internet. Oxford, GB: Elsevier Science, 2003. Disponível em: < https://www.researchgate.net/publication/290738742_Maps_and_the_Internet>. Acesso em 27 set. 2020.

Universidade Federal do ABC (UFABC). Projeto acompanha a evolução da Covid-19 em território nacional [Internet]. Disponível em: <https://www.ufabc.edu.br/noticias/projeto-da-ufabc-acompanha-a-evolucao-da-covid-19-em-territorio-nacional-a-partir-da-integracao-de-dados>. Acesso em: 27 set. 2020.

Universidade Federal do ABC (UFABC). UFABC lança a COVIData em parceria com Consórcio ABC para uso nos sete municípios da região [Internet]. Disponível em: <https://www.ufabc.edu.br/noticias/ufabc-lanca-a-covidata-em-parceria-com-consorcioabc-para-uso-nos-sete-municipios-da-regiao>. Acesso em: 27 set. 2020.

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