Dicas infalíveis para manter maçãs descascadas frescas e deliciosas por mais tempo (V7., N.11, P.07, 2024)
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Você já parou para que ao longo dos séculos, de uma geração para outra, o ser humano tem desenvolvido técnicas e saberes que se transformaram em preciosidades da sabedoria popular? A compreensão e divulgação desses métodos são muito importantes, tendo em vista a quantidade de comida que é desperdiçada. No Brasil, aproximadamente 26 milhões de toneladas de alimentos são descartadas anualmente, sendo que 5,3 milhões correspondem ao descarte de frutas. Uma das principais razões para esse desperdício é o escurecimento das frutas quando descascadas e não consumidas imediatamente [1, 2].
A maçã é uma das frutas mais consumidas no Brasil [3]. Quando cortamos ou descascamos a maçã, a enzima polifenoloxidase (PPO) presente na fruta reage com o ar (oxigênio), e acelera o processo de oxidação da quinona. Esta reação leva a formação da melanina, dando aquele aspecto escuro que nos faz hesitar em consumir a maçã [4, 5]. Mas não tema! Existem soluções simples para evitar esse desperdício. Você sabia que recobrir a maçã cortada com limão pode retardar esse processo de escurecimento?
O ácido ascórbico presente no limão reage com o oxigênio do ar, impedindo a oxidação e mantendo a maçã fresca por mais tempo [6]. Além disso, há outras opções que podem surpreender você. O sal de cozinha, a gelatina e até mesmo o congelamento podem ser aliados na preservação da aparência e sabor das frutas e outros alimentos [7, 8, 9]. No entanto, é importante destacar que ainda não existem estudos definitivos sobre a eficácia desses métodos especificamente para as maçãs. Portanto, nós fizemos um estudo para explorar essas técnicas de conservação de alimentos visando retardar o escurecimento das maçãs e assim contribuir para a redução do desperdício de alimentos. Afinal, cada pequeno gesto pode fazer uma grande diferença em nosso mundo!
Neste estudo, nós usamos duas maçãs maduras cortadas. Os pedaços foram divididos igualmente entre os métodos de conservação avaliados: congelamento, gelo, gelatina, sal e limão (Figura 1).
Para avaliar o método de congelamento (TC; Figura 1A), as amostras de maçã foram armazenadas em recipiente de vidro coberto por plástico filme e mantidas em freezer de geladeira convencional. Para verificar se o gelo (TGo; Figura 1B) seria capaz de conservar maçãs, os pedaços da fruta foram envolvidos em gelo triturado dentro de um recipiente de vidro coberto com plástico filme. Estas amostras foram armazenadas em geladeira e o gelo foi substituído a cada dois dias. Já para a avaliação da conservação em gelatina (TGa; Figura 1C), foi preparada uma solução contendo 12 g de gelatina incolor em 500 mL de água aquecida. Após a solução atingir a temperatura ambiente e iniciar o processo de solidificação, os pedaços de maçã foram colocados em contato com a gelatina até completa imersão. O recipiente foi coberto com plástico filme e mantido em geladeira. Para avaliar a eficiência do sal (TS; Figura 1D) foi feita uma solução de 1,3 g de sal em 500 mL de água. As amostras de maçã foram submersas na solução de sal por cinco minutos. Posteriormente, as maçãs foram lavadas em água corrente, colocadas em recipiente coberto com plástico filme e armazenadas em geladeira. Por fim, a avaliação da capacidade conservante do limão (TL; Figura 1E), 1/4 de limão foi espremido sobre as maçãs. Estas amostras foram colocadas em recipiente de vidro coberto por plástico filme e armazenadas em geladeira. Uma amostra de maçã não recebeu nenhum tipo de tratamento (C; Figura 1F). Esta amostra controle foi mantida em geladeira em recipiente de vidro coberto por plástico filme. Todos os grupos experimentais foram observados diariamente durante 14 dias. Foram feitos registros fotográficos de todas as amostras de maçãs e, no último dia de observação, todas as amostras foram avaliadas quanto à textura, odor e aparência.
Após 14 dias de observações, notamos que o sal e o limão foram os métodos mais eficientes para conservar os pedaços de maçãs (Figura 2), sendo que a medalha de ouro ficou com o limão (Figura 2E). O limão é rico em ácido ascórbico e ácido cítrico. O ácido ascórbico auxilia na prevenção do escurecimento da fruta descascada [10], enquanto que o ácido cítrico ajuda a manter o pH do meio, o que reduz a ação das enzimas que causam o escurecimento da fruta [11]. Por outro lado, o sal facilita a morte de microrganismos por desidratação, visto que é uma substância higroscópica [7]. O fato do sal não ter sido tão eficiente quanto o limão pode ter relação com alterações de componentes da fruta que a mantém hidratada. Vale lembrar que apesar destes métodos terem sido os melhores em preservar maçãs picadas, eles podem alterar o sabor da fruta, mesmo que levemente. Portanto é importante fazer esse teste antes de realmente considerar estes dois métodos como os mais eficientes. Você não quer comer uma maçã azeda ou salgada, né?
Ao avaliar os métodos da gelatina e do gelo, verificamos que os dois métodos não foram capazes de preservar os pedaços das maçãs (Figura 2). Notamos que as maçãs de ambos os grupos escureceram mais do que o esperado, apresentaram mau odor e textura arenosa. É possível que a gelatina e o gelo tenham criado um sistema mais úmido, o que favoreceu a degradação da fruta. Por fim, o congelamento foi eficiente em manter as maçãs conservadas. A aparência da fruta congelada é mantida, pois o processo de oxidação é retardando em baixas temperaturas [12]. No entanto, o problema aconteceu após o descongelamento, quando a fruta ficou mais amolecida. Possivelmente, a textura da maçã foi alterada pela película de água que se formou ao redor dos pedaços da fruta, alterando a consistência depois de descongelados.
Com os resultados desse trabalho podemos dizer que o limão é a melhor forma de conservar maçãs, já que mantem a textura e aparência da fruta descascada. Faça um teste e veja se consegue preservar a sua maçã desta forma, sem afetar o gosto da fruta.
Referências:
[1] CEDES – Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Perdas e desperdício de alimentos – estratégias para redução. Série de cadernos de trabalhos e debates 3. Brasília, DF, pág. 260, 2018.
[2] FILHO, A. B. de M; VASCONCELOS, M. A. da S. Produção alimentícia: química de alimentos. UFRPE, 2010
[3] OLIVEIRA, N; SANTIN, F; PARAIZO, T. R; SAMPAIO, J. P; MOURA-NUNES, N; CANELLA, D. S. Baixa variedade na disponibilidade domiciliar de frutas e hortaliças no Brasil. Dados da POF 2008-2009 e 2017-2018. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 11, p. 5805 – 5816, 2021 DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.25862020.
[4] ARNOLD, M; GRAMZA-MICHALOWSKA, A. Enzymatic browning in apple products and its inhibition treatments: a comprehensive review. Compr. Ver. Food Sci. Food Safe., v. 21, n. 6, p. 5038-5076, 2022. DOI: 10.1111/1541-4337.13059
[5] OLIVEIRA, T. A., CAMILA. Métodos tradicionais e emergentes para evitar o escurecimento enzimático de vegetais. UFU/MG, 2018.
[6] MARSHALL, M. R.; KIM, J.; WEI, C. Enzymatic browning in fruits, vegetables and seafoods. Washington: FAO, 2000.
[7] DIONYSIO, R.; MEIRELLES, F. Conservação de alimentos. [s.l.] Sala de Leitura, 2003.
[8] RODRIGUES, E.A; SILVA, F. L. R; BARROS, C.C; ALMEIDA, J. O; BARROS, N. K. S; NOBRE, E. M. C. S. Utilização de revestimentos comestíveis de óleo de girassol, pectina natural, gelatina incolor e fécula de mandioca na conservação pós-colheita de acerola e goiaba. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 4, p. 27542 – 27557, 2022. DOI 10.34117/bjdv8n4-313
[9] BOUZARI, A; HOLSTEGE, D; BARRETT, D, M. Vitamin retention in eight fruits and vegetables: a comparison of refrigerated and frozen storage. J. Agric. Food Chem., v. 63, n. 3, p. 957 – 962, 2015. DOI: 10.1021/jf5058793.
[10] SAPERS, G. M.; MILLER, R. L. Browning inhibition in fresh-cut pears. Journal of food science, v. 63, n. 2, p. 342–346, 2008.
[11] ZEMEL G. P.; SIMS, C. A.; MARSHALL, M. R.; BALABAN, M. Low pH inactivation of polyphenoloxidase in apple juice. J. Food Sci., v. 55, p. 562-563, 1990.
[12] MARQUES, A. Y. C.; VALENTE, T. B.; ROSA, C. S. DA. Formação de toxinas durante o processamento de alimentos e as possíveis consequências para o organismo humano. Revista de Nutrição, v. 22, n. 2, p. 283–293, 2009.