|Entendendo o funcionamento do coração| #3 – Arritmias Cardíacas (com ênfase na FA) e Circulação Sanguínea (V.6. N.11. P.9, 2023)

Tempo estimado de leitura: 11 minute(s)

Divulgadora da Ciência: Fernanda Rossi Barboza

*Texto produzido como parte do projeto ‘Utilização de ferramentas de simulação numérica para melhor entendimento das arritmias cardíacas: produção de material de divulgação científica para conscientização sobre doenças do coração’, integrante do Programa Pesquisando Desde o Primeiro Dia – PDPD (Edital Nº 11/2022), sob a orientação do Prof. João Lameu.

 

Como vimos nas outras partes da série “Entendendo o funcionamento do coração”, o coração bate de forma coordenada e rítmica, devido ao seu sistema próprio de condução elétrica. Mas, às vezes, esse ritmo pode ficar alterado, e é nesse momento que surgem as chamadas arritmias cardíacas. Vamos entender melhor algumas delas e como isso acontece?


Arritmia cardíaca é uma condição caracterizada pela falta de ritmo nos batimentos do coração, isto é, quando não há regularidade nos impulsos elétricos do coração.


De maneira geral, em condições normais, a frequência cardíaca de adultos varia entre 60 e 100 bpm (obs: bpm é uma abreviação para a unidade utilizada para avaliação do ritmo cardíaco – batimentos por minuto), sendo bradicardia quando o ritmo está lento (abaixo de 50 bpm em um adulto em repouso) e a taquicardia quando o ritmo está acelerado (acima de 100 bpm em um adulto em repouso).


Além disso, existem outras classificações das arritmias cardíacas, como a fibrilação atrial (que vimos um pouco na parte 2), um tipo de taquicardia. A fibrilação atrial é o tipo de arritmia mais comum na prática clínica. Vamos entendê-la de uma maneira mais detalhada?


A fibrilação atrial (FA) é um tipo de arr
itmia ocasionada por impulsos elétricos que se tornaram irregulares, como podemos ver no GIF abaixo (mostrado também na parte 2 da série):

 

Animação 1: Comparação do ritmo cardíaco de corações em diferentes condições: coração saudável (esquerdo) versus. coração com fibrilação atrial (direito)

(Gfycat, 2019)

A fim de alertar sobre a fibrilação atrial, há um infográfico abaixo feito por mim a partir de dados retirados de instituições confiáveis, como SOBRAC (Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas) e BHF (British Heart Foundation).

 

Figura 1: Infográfico Fibrilação Atrial

(Fernanda Rossi, 2023)

 

Para entender melhor o que acontece na fibrilação atrial (FA), vamos aprofundar um assunto do que vimos na parte 1 da série: a circulação sanguínea.

 

Vamos entender a circulação do sangue do ponto de vista mecânico?

 

Sabemos que o sangue chega em todos os tecidos do nosso corpo. No entanto, por que o sangue flui? Qual é a força que impulsiona esse transporte pelos vasos sanguíneos?

 

Os líquidos e os gases fluem por uma diferença de pressão a partir de regiões de maior pressão para as de menor pressão. Isto é, a força responsável por impulsionar o movimento (força motriz) é a diferença de pressão, normalmente denominada gradiente de pressão.

 

O fluxo sanguíneo é determinado pela diferença de pressão sanguínea entre duas regiões, onde uma necessariamente deve ter uma pressão mais elevada que outra. Por exemplo, se a pressão em ambas as extremidades de um vaso sanguíneo for de 100 mmHg (Obs: mmHg – milímetros de mercúrio – é a unidade normalmente utilizada para se referir a medidas de pressão nas artérias), não haverá fluxo, visto que não há o gradiente de pressão.

O coração gera alta pressão quando se contrai. O sangue flui para fora do coração (região de pressão mais alta) para o circuito fechado de vasos sanguíneos (região de pressão mais baixa). Conforme o sangue se move pelo sistema, a pressão diminui, por causa do atrito entre o sangue e a parede dos vasos, garantindo a continuidade da circulação sanguínea.

 

A FA está relacionada com o funcionamento da circulação sanguínea, de modo que está relacionada a problemas no esvaziamento dos átrios. Assim, não chega sangue suficiente para os ventrículos. Cerca de 80 a 90% do volume que chega ao VE é devido a diferença de pressão, enquanto 10 a 20% do volume é pela contração atrial, que não ocorre de forma correta com a FA e assim, uma parcela do volume fica “parado” no átrio.

Para facilitar a visualização da hemodinâmica no átrio esquerdo, a animação abaixo corresponde a uma simulação feita avaliando o campo de velocidade do sangue em uma geometria do AE.

 

Animação 2: Resultados de simulação no campo de velocidade

 

A simulação acima consiste em um átrio com as paredes paradas: o pior cenário para a FA. Em casos saudáveis, há uma contração na região do apêndice atrial esquerdo que expele o sangue parado e renova o sangue para o próximo ciclo. Essa contração serve de mecanismo de proteção contra a formação de coágulos em pessoas saudáveis. Na parte 5 desta série (“Hemodinâmica: Entendendo conceitos e patologias”) há uma simulação de um átrio saudável onde é possível visualizar como funciona esse mecanismo.

O caso mostrado na animação 2 representa uma contração totalmente ineficiente do átrio esquerdo, visto que não há nenhum tipo de contração, sendo inevitável a ocorrência de trombogênese.

As zonas de estagnação são extremamente problemáticas para o sangue, podendo levar a sérias complicações. Como a circulação do sangue é responsável por atender as necessidades dos tecidos do corpo, se alguma parcela desse biofluido fica “parada”, pode ser que alguma necessidade não seja atendida ou mesmo que tenha a formação de coágulos.

Assim, alguns exemplos de efeitos negativos que envolvem essas zonas de estagnação são: deficiência de oxigênio e nutrientes, já que o sangue não flui normalmente, alguns tecidos podem receber quantidades reduzidas de oxigênio e nutrientes; formação de coágulos, visto que o sangue fica parado e assim, torna-se um ambiente muito propício para ao processo chamado de trombogênese, isto é a formação de trombos ou coágulos; acúmulo de substâncias indesejadas, já que o sangue transporta substâncias residuais para serem eliminadas e assim, a estagnação pode dificultar esse processo; entre outras complicações.

 

Quando falamos de fibrilação atrial, as complicações envolvem a formação de coágulos na cavidade atrial. Tais coágulos podem entrar na corrente sanguínea, podendo chegar em outras partes do corpo como no cérebro, consequentemente causando um acidente vascular cerebral (AVC), e nos pulmões, consequentemente causando uma embolia pulmonar.

 

A coagulação do sangue está diretamente relacionada a células e compostos bioquímicos que desencadeiam o processo de coagulação nesse biofluido. Vamos entender um pouco sobre a composição do sangue?

 

Você sabia que o processo de formação sanguínea é chamado de “hematopoiese”? Esse processo acontece desde o desenvolvimento embrionário e continua ao longo das nossas vidas. Ele consiste na formação das células do sangue, sendo elas: eritrócitos (glóbulos vermelhos), leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas.

Os eritrócitos, também chamados de hemácias, são responsáveis pela oxigenação de todos os tecidos. Os leucócitos são responsáveis pela defesa e imunidade do organismo. As plaquetas são fragmentos celulares responsáveis por promover a coagulação do sangue e a reparação da parede dos vasos sanguíneos.

A composição sanguínea se dá por duas partes: composição celular e composição bioquímica. A composição celular nós acabamos de estudar: eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Já a composição bioquímica é a parte “líquida”, formada predominantemente por plasma. O plasma sanguíneo é uma solução aquosa constituída por água, proteínas e sais inorgânicos. Além disso, na corrente sanguínea há a presença de enzimas, hormônios e vitaminas.

De modo resumido, o processo de coagulação se dá devido a ativação de plaquetas, que pode ocorrer pela estagnação do sangue ou pela ocorrência de uma lesão no tecido e suas interações com os compostos bioquímicos do sangue.

 

Voltando para a fibrilação atrial, nesse tipo de arritmia os batimentos tornam-se irregulares e muito rápidos. Ao comparar um eletrocardiograma “normal” com o eletrocardiograma de um indivíduo com fibrilação atrial, é possível perceber facilmente as diferenças nos impulsos elétricos.

 

Figura 2: Comparação de ECG normal com fibrilação atrial

(Silverthorn, Dee U. Fisiologia Humana)

Para entendermos as diferenças entre os eletrocardiogramas, precisamos lembrar do que estudamos na parte 2 sobre as características de um ECG.

Diferentemente do ECG normal, no ECG da fibrilação atrial as ondas P não são identificáveis. Podemos perceber na imagem abaixo que existem pequenas ondulações, porém não há a presença da onda assim como mostra no ECG normal.

 

Figura 3: Ampliação do ECG Fibrilação Atrial

Como vimos na parte 2, a onda P indica a contração dos átrios e o bombeamento sanguíneo para os ventrículos. Dessa maneira, visto que a FA é uma arritmia marcada por problemas na contração dos átrios, não há registro das ondas P no eletrocardiograma.

Além disso, é possível visualizar que o complexo QRS e a onda T aparecem nos dois exames. Como vimos na parte 2, estes representam eventos que ocorrem nos ventrículos. Assim, visto que a fibrilação atrial não compromete o funcionamento dos ventrículos, há a presença dessas ondas assim como no ECG normal.

Entretanto, na figura 1 podemos observar que há uma diferença no espaçamento dos batimentos, o que evidencia que o ritmo ventricular é irregular. Enquanto no ECG normal há uma regularidade no espaçamento dos batimentos, no ECG da fibrilação atrial isso não acontece, mostrando que a FA é um tipo de taquicardia.

Espero que tenha gostado e que essas informações sejam úteis no seu aprendizado. Obrigada!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HALL, JOHN, E. E MICHAEL E. HALL. Guyton & Hall – Tratado de Fisiologia Médica. Disponível em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo GEN, 2021.

JACOB, STANLEY W. FRANCONE, CLARICE ASHWORTH; LOSSOW, WALTER J. Anatomia e fisiologia humana. Tradução de Carlos Miguel Gomes Sequeira. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan

SILVERTHORN, DEE U. Fisiologia Humana. Disponível em: Minha Biblioteca, 7a. edição. Artmed, 2017.

Atrial Fibrillation Anatomy, ECG and Stroke, Animation. GIF. Gfycat, 2019. 1 vídeo (5.73s). Publicado pelo Alila Medical Media. Disponível em: https://gfycat.com/mellowglisteningbrownbutterfly-cardiovascular-childs0765-conditions. Acesso em: 4 mai. 2023.

ELIZABETH TING. Histologia básica – São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2011.

FIBRILAÇÃO ATRIAL CAUSA AVC/DERRAME. SOBRAC. [S.l.]. Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas. Disponível em: https://www.sobrac.org/campanha/fibrilacao-atrial-causa-avcderrame/. Acesso em: 9 jun. 2023.

SOBRAC ALERTA PARA A PREVENÇÃO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL SOBRAC. [S.l.]. Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas. Disponível em: https://sobrac.org/home/no-dia-mundial-do-coracao-sobrac-alerta-para-a-prevencao-da-fibrilacao-atrial-arritmia-cardiaca-que-pode-causar-o-avc/#:~:text=A%20Fibrila%C3%A7%C3%A3o%20Atrial%20atinge%20aproximadamente,virtude%20do%20envelhecimento%20(%C2%B9).. Acesso em: 9 jun. 2023.

ATRIAL FIBRILLATION (AF) : CAUSES, SYMPTOMS AND TREATMENTS. British Heart Foundation. [S.l.]. BHF. Disponível em: https://www.bhf.org.uk/informationsupport/conditions/atrial-fibrillation. Acesso em: 9 jun. 2023.

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