Engoli uma mitocôndria! A origem dos eucariontes por Guia dos Entusiastas da Ciência (V7., N.11, P.08, 2024)

Tempo estimado de leitura: 6 minute(s)

Divulgadoras da ciência: Aline Maria Sousa, Dhiovana Maria Souza, Laura Junqueira Dyck, Mariadny Izidio Ferreira (alunos do Bacharelado em Ciência e Tecnologia/UFABC), com supervisão da Profa. Vanessa Verdade

Você deve se lembrar do seu tempo de escola em que aprendeu que existem dois tipos de células: procariontes e eucariontes. Os organismos multicelulares que conhecemos são todos formados por células eucariontes. Nós, humanos, somos eucariontes. As células eucariontes apresentam um núcleo delimitado por membrana e diversas organelas. Além disso, apresentam mitocôndrias, um tipo de organela responsável pela geração de energia da célula. Além de fornecer energia, as mitocôndrias participam de outras funções importantes, como a regulação do ciclo celular e a morte celular programada (apoptose). Com uma função tão importante e características tão diferentes das demais organelas encontradas na célula eucarionte, as mitocôndrias sempre despertaram interesse de pesquisadores. Como uma célula eucarionte teria surgido? Como surgiram as mitocôndrias dentro dessas células?

Foi somente em 1967 que a pesquisadora Lynn Margulis propôs a ideia de que as mitocôndrias teriam se originado a partir da aquisição endossimbiôntica de bactérias. Quê? Calma, vamos destrinchar essa história. De acordo com essa proposta, as mitocôndrias surgiram a partir de um processo em que uma célula ancestral, que sabemos hoje foi provavelmente uma Archaea, teria englobado uma bactéria que utilizava oxigênio para gerar energia. Em vez de ser digerida por esta Archaea, essa bactéria passou a viver dentro da célula, ajudando-a a produzir mais energia. Por isso a brincadeira no título: “engoli” uma mitocôndria. É verdade também que pode ser que a bactéria fosse parasita e tenha penetrado na Archaea. De qualquer modo, algo não saiu como esperado e ao invés de causar prejuízo, trouxe benefícios a ambas. A bactéria invasora ou engolida teria recebido proteção da Archaea, que por sua vez, ganharia maior eficiência de produção de energia. A relação positiva para ambos os organismos recebe o nome de mutualismo e, quando cada organismo não pode sobreviver sem o outro, simbiose.

A proposta de Lynn Margulis combina com o contexto de formação e desenvolvimento químico da atmosfera terrestre milhões de anos atrás. Com o surgimento de cianobactérias e da fotossíntese, houve aumento considerável de oxigênio na atmosfera terrestre, que difundido em ambiente aquático prejudicou bactérias e Archaeas anaeróbicas gerando pressão seletiva favorável a organismos que pudessem viver em um ambiente agora rico em oxigênio. Mitocôndrias são organelas constituídas de duas membranas que incluem lipídeos e proteínas, uma externa lisa e uma interna, que se dobra formando o que chamamos de cristas. A matriz que fica entre as cristas é onde ocorre a respiração celular através de fosforilação oxidativa, que converte glicose em adenosina trifosfato (ou ATP) usando oxigênio. Possuem basicamente as mesmas dimensões de uma bactéria. Além disso, a membrana dupla poderia indicar a membrana original da bactéria englobada, mais a externa membrana da Archaea que a englobou. A composição dessas membranas são congruentes com essa hipótese e a membrana interna apresenta composição mais similar àquela das bactérias que das Archaeas.

Outras evidências importantes são a presença de ribossomos e de DNA no interior das mitocôndrias. Os ribossomos mitocondriais possuem sequências de RNA diferentes dos presentes no citoplasma dos eucariontes, e mais parecidas com as sequências de ribossomos de bactérias. O DNA é circular, como o DNA bacteriano, e com síntese contínua, diferente do que ocorre com o DNA presente no núcleo da célula eucarionte. Por último, a reprodução mitocondrial acontece por fissão binária, similar a reprodução bacteriana. Mas como as mitocôndrias passaram de uma geração a outra dessas Archaeas que originaram os eucariontes? Através da divisão mitótica, ou seja, a cada duplicação celular, parte do citoplasma com mitocôndrias passava para células filhas. Em organismos com reprodução sexuada, as mitocôndrias são transmitidas através da célula ovo, e tem, portanto, origem materna. As mitocôndrias de seu corpo vieram da sua mãe, avó, bisavó e assim por diante. Uma mulher que tenha somente filhos produtores de espermatozoides tem sua linhagem mitocondrial descontinuada.

A aquisição endossimbionte da mitocôndria não é interessante somente por explicar o surgimento dessa organela entre os eucariontes, também indica que sequências de genes podem ser transmitidas horizontalmente entre organismos e não só de pais para filhos e promover eventos evolutivos como o surgimento de novas linhagens. A aquisição endossimbiôntica de organelas celulares foi uma ideia totalmente fora da caixinha da Lynn Margulis e que se revelou totalmente plausível e não só é aceita atualmente, como se repetiu com os cloroplastos, que são também organelas de membrana dupla, com ribossomos e DNA, mas que realizam fotossíntese.

Fontes:

TORRES, Vladimir Stolzenberg. Origin of mitochondria in eukaryotic cells: a review

Revista ciência Elementar. Volume 2 , numero 1. Março 2014

Moreira, C., (2014) Simbiose, Rev. Ciência Elem., V2(1):102 https://rce.casadasciencias.org/rceapp/art/2014/102/

Para saber mais:
“Biologia Celular e Molecular” de Alberts, Bruce et al. (uma referência detalhada sobre a biologia das células e organelas).

Margulis, L. (1967). “On the Origin of Mitosing Cells”. Journal of Theoretical Biology. (Artigo fundamental que introduz a Teoria da Endossimbiose).

Outros divulgadores: 
De onde vêm as células (eucariotos) | Nerdologia Ensina 04

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