Hume e o TikTok (V.6. N.12. P.2, 2023)
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David Hume em sua obra “investigação acerca do entendimento humano” afirma na seção III (Da Associação de Ideias): “para mim, apenas há três princípios de conexão de entre as ideias, a saber: de semelhança, de contiguidade – no tempo e no espaço – e de causa ou efeito”. As conexões percebidas são essenciais para atribuir veracidade aos vídeos que assistimos. Neles ideias se conectam formando um todo que corresponde ao discurso que o produtor do vídeo desejava passar. Portanto, quem produz vídeo já conhece, pelo menos intuitivamente, as conexões minimamente necessárias para veiculação do discurso e recepção adequada.
O público, cada vez mais exigente, ainda admite, dentro do simulacro de verdade, os vídeos caseiros de conteúdo cômico. Nessas produções pode se encontrar contiguidade temporal, sem a esperada contiguidade espacial entre cenas desde que a serviço de um enredo cômico. Esses vídeos toscos nos divertem e advertem porque também podem passar, como discurso, conexões que nunca existiram. Conhecer como as ideias se conectam em nossa mente, para compreender o mundo que se apresenta, é tão essencial nos dias de hoje como foi em todos os tempos.
Ao assistir qualquer vídeo no TikTok nos tornamos co-produtores porque mobilizamos o nosso modo de conectar as ideias para interpretar as mensagens. Portanto, é nossa visão crítica destas conexões propostas pelo produtor do vídeo que determina, para nós, se o mesmo é tosco ou bem elaborado. A qualidade auxilia na mensagem. Em vídeos profissionais o público atento detecta e critica erros de continuidade, por exemplo. porém esses erros não afetam as conexões proposta pelos produtores. As ferramentas para desconstrução crítica de vídeo do TikTok podem ter como partida os princípios de conexões de ideias apresentados por Hume em 1748. Em algumas situações mas bem elaboradas é necessário o conhecimento técnico a cerca dos elementos da imagem (pixel) e suas transições em um vídeo ficando a cargo de especialistas.
A aparente certeza de está vendo toda a realidade em um vídeo agora cai por terra completamente pela possibilidade de uso de inteligência artificial para sua manipulação (deepfake). Apesar disso, a reflexão crítica, o pensar no que se lê, escuta ou vê, ainda não é uma prática corrente em nossa população. A credulidade é sempre renovada e reeditada a cada engodo. Isto torna o discurso midiático, em sua essência, pós-ético. A mimésis agora deixa o campo da arte e apoia a retórica. Lastreia determinados argumentos disponibilizados em todos os lugares. O viés de confirmação tornam um aliado poderoso desses novos tipos de ilusionismo.
Dentro de todo esse cenário, que é uma versão atualizada da política do pão e circo do império romano, temos também os gladiadores que travam batalhas com grande violência simbólica pelas redes sociais, alimentando o espetáculo como anestesia da dura realidade que está sendo concertada longe do alcance de seu smartphone e de suas redes sociais. Doses maciças de entretenimento drena as forças para conseguir mudar a realidade. Todo esse quadro determina o que o mundo é hoje, o que o Brasil é hoje, o que o Piauí é hoje.
A promoção do pensamento crítico, como tarefa principal da educação, formaria uma geração que não aceitaria qualquer bobagem. Uma geração que saberia construir sua própria conexão de saberes. Talvez fosse até uma geração de iconoclastas, em um primeiro momento, mas que saberia fazer uma louvação “do que deve ser louvado”. Não respeitaria seus professores, mas os manteria em contante aprendizado por todo a vida. Equilibraria a vida física, intelectual e emocional com o trabalho mínimo para a sobrevivência frugal enquanto existisse os atuais abismos de desigualdade.
Fugindo da idealidade, há um espaço de realidade para trabalhar por um mundo diferente. Sempre é possível tomar as rédeas de nossa vida e repensar nossas atitudes e valores. Elas comandam o discurso que aceitamos ou rechaçamos. Podemos mudar ou nos afirmar.
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