Desvendando a física por trás do gol impossível de Roberto Carlos (V.6. N.6. P.8, 2023)

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Divulgador da ciência: Germán Lugones 

No dia 3 de junho de 1997, no antigo Estádio Gerland, em Lyon, Brasil e França deram início ao Tournoi de France, uma competição preparatória para a Copa do Mundo de 1998. A equipe comandada pelo técnico Zagallo era muito semelhante àquela que disputaria a Copa do Mundo no ano seguinte: Taffarel; Cafu, Aldair, Célio Silva e Roberto Carlos; Mauro Silva, Dunga, Giovanni e Leonardo; Ronaldo e Romário. Já a seleção francesa trazia diversos jogadores que se tornariam campeões mundiais no ano seguinte.

No minuto 21, a partida se prolongava em um burocrático 0 a 0, quando, de repente, Ronaldo sofre uma falta na intermediária, a aproximadamente 35 metros do gol adversário. Roberto Carlos toma a bola em suas mãos e a acomoda com cuidado no chão, com a válvula voltada para si, decidido a chutar. Depois recua vários metros, até o circulo central, e começa a correr em direção à bola. Sem ângulo direto para o gol, Roberto Carlos acelera na sua corrida e bate forte a bola por fora do lado direito da barreira, fazendo com que ela pareça ir direito para a arquibancada.  Os adversários franceses, diante da aparente constatação de que a bola sairá pela linha de fundo, já planejam desmanchar a barreira e voltar às suas posições. Contudo, de repente, a bola muda a sua direção para a esquerda numa trajetória inesperada, e roçando a trave vai beijar as redes, enquanto o goleiro Barthez assiste incrédulo.

 

A curvatura da trajetória fica claramente visível na repetição da jogada, exibida em câmera lenta. Observe a rotação da bola, que também é perceptível.

 

O gol transformou-se instantaneamente em lenda, e diversos comentaristas e jornalistas passaram a denominar a jogada como “o gol que desafia a física”. Será, porém, que essa trajetória inusitada possui uma explicação física? Embora o próprio Roberto Carlos tenha afirmado que “foi coisa do destino”, há, de fato, uma explicação para o ocorrido, e ela reside na rotação da bola.

Roberto Carlos, canhoto, aplicou seu chute no canto inferior direito da bola, lançando-a para cima e à direita, ao mesmo tempo em que induzia um giro em torno do eixo. Movendo-se a mais de 100 km/h, a bola descreveu, no início, uma trajetória aparentemente linear. Contudo, conforme avançava, o fluxo de ar em ambos os lados da bola reduzia sua velocidade, e outro efeito começava a ganhar relevância. Devido à rotação, na superfície lateral à direita de Roberto Carlos, o ar se deslocava em sentido oposto à rotação da bola, resultando em aumento da pressão do ar. Já na superfície contrária, o ar se movimentava na mesma direção do giro da bola, originando uma área de pressão diminuída. Essa discrepância de pressão ganhou importância quando a bola reduziu sua velocidade de deslocamento, sendo responsável pela curvatura da trajetória em direção à região de menor pressão. Este fenômeno é conhecido como Efeito Magnus, em homenagem ao físico alemão Heinrich Gustav Magnus, que o descreveu pela primeira vez em 1852.

 

 

A fama do gol, no entanto, não se restringiu aos entusiastas e aficionados do futebol. Ela também conquistou espaço na literatura científica. Uma pesquisa, ironicamente publicada por físicos franceses no New Journal of Physics [1], apresenta a equação matemática que descreve a trajetória da bola. A rota da bola forma uma espiral, cuja curvatura se intensifica à medida que ela avança pelo ar. Se não fosse afetada pela gravidade ou encontrasse qualquer obstáculo à sua frente (neste caso, a rede), o estudo prevê que a bola continuaria curvando-se ainda mais para a esquerda. Devido à ação da forca de gravidade a bola tende a tocar o solo rapidamente, por isso, se o chute fosse menos potente e a distância menor, só veríamos a primeira parte da curva. Entretanto, como o chute de Roberto Carlos foi vigoroso e realizado a uma distância considerável, pudemos testemunhar o aumento significativo da curvatura.

 

 

Gols com trajetórias imprevisíveis são frequentes em jogos de futebol e costumam ganhar bastante destaque quando ocorrem em disputas importantes, como o gol de falta de Petkovic, também devido ao efeito Magnus, marcado aos 43 minutos do segundo tempo na final do Campeonato Carioca de 2001 contra o Vasco. Outros gols, embora tenham ocorrido em partidas de menor relevância, apresentam curvas tão extraordinárias que merecem ser lembrados por seu valor intrínseco, como o gol de Mohd Faiz Subri, vencedor do Prêmio Puskás em 2016.

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