Resolvendo problemas científicos através de desafios globais (V.6. N.5. P.1, 2023)
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A ciência é uma atividade humana que convive com uma forte contradição: Seu desenvolvimento se dá a partir da colaboração entre os pesquisadores, mas há também competição em vários níveis [1]. A Internet possibilitou estimular a interação de diferentes grupos de pesquisa através da elaboração de desafios globais, na qual a comunidade científica identifica e destaca um determinado problema do mundo real que não está totalmente resolvido e que pode trazer grandes benefícios ao ser resolvido. Essas iniciativas podem estar vinculadas às sociedades científicas, universidades, bem como às fundações privadas. Um exemplo são os desafios propostos pela Bill & Melinda Gates Foundation, que buscam resolver os principais problemas globais de saúde e desenvolvimento.
Na última década, essa também tem sido uma prática comum nas áreas de processamento de sinais, computação e aprendizado de máquina. Tudo começa com a descrição do desafio, suas regras e a disponibilização pública e gratuita de uma base de dados. Com isso, grupos de pesquisa de qualquer localização podem disponibilizar os algoritmos desenvolvidos e seus resultados. Isso possibilita o avanço do entendimento daquele tema, gerando a produção de artigos científicos e, em alguns casos, até prêmios em dinheiro. Uma vez que a base de dados utilizada no desafio permanece pública, também é importante para encorajar futuros grupos a continuarem trabalhando naquele problema.
Vamos agora para alguns exemplos:
- A Sociedade de Processamento de Sinais do IEEE tem uma página com diversos desafios realizados entre 2012 e 2022. Além disso, há desafios que são associados à congressos organizados pelo próprio IEEE. Nesses dois casos, os temas são muito variados e incluem cancelamento de eco acústico, supressão de ruído em áudios e detecção de ovos de parasitas em imagens microscópicas;
- A Associação Americana de Físicos na Medicina possui uma página na qual diversos desafios relacionados com a geração de imagens médicas podem ser encontrados, como o desafio de cosmografia computadorizada de baixa dose e o de tomografia computadorizada de visão esparsa;
- A Sociedade Radiológica da América do Norte possui uma página em que busca a aplicação de inteligência artificial na solução de problemas, como na detecção de COVID-19, detecção de tumor cerebral, de embolismo pulmonar e de hemorragia intracranial;
- Existem também plataformas específicas para o desenvolvimento desses desafios. Uma delas é a Grand Challenge, na qual diferentes eventos podem organizar seus desafios.
Uma iniciativa desse tipo também foi realizada pela Sociedade Finlandesa de Problemas Inversos, com pesquisadores associados à Universidade de Helsinki. Entre eles está o professor doutor Fernando Silva de Moura, do curso de Engenharia Biomédica da UFABC, que realizou pós-doutorado nesta universidade. Eles escolheram um problema e o levaram para um nível de dificuldade que seja extremo, de modo que as técnicas tradicionais não mais eram adequadas:
- Assim, em 2021, aconteceu o Helsinki Deblur Challenge (HDC2021), na qual duas câmeras tiravam foto de uma mesma tela onde eram projetadas imagens de texto e naturais. Enquanto uma câmera estava com o foco ajustado, a segunda câmera ia sendo cada vez mais desfocada, gerando imagens borradas (do inglês blurred). O desafio continha 20 níveis de dificuldade, sendo o nível 0 as próprias imagens nítidas e o nível 19 as imagens mais borradas.
- Logo, o desafio consistia em realizar o deblurring, isto é, restaurar as imagens nítidas a partir das imagens borradas. A Figura 1 mostra um exemplo de imagem natural e um exemplo de imagem de texto do desafio. Esses dados foram disponibilizados gratuitamente.
- Um grupo de pesquisa de alunos da pós-graduação em Engenharia da Informação participou desse desafio e um exemplo dos resultados obtidos é mostrado na Figura 2. Essa participação resultou em um artigo publicado em periódico internacional que pode ser acessado em [3].
A participação em desafios internacionais é uma ótima oportunidade de testar algoritmos que o grupo já pesquisa, servindo como uma espécie de termômetro para a comparação dos resultados. Eles permitem que se esteja sempre atualizado em relação ao estado da arte daquele problema, trazendo o conhecimento e desenvolvimento de novas propostas, bem como abrindo caminhos de interação com grupos de pesquisa do mundo inteiro.