Das televisões de tubo até o led orgânico: a busca do controle da luz e da cor (V.5, N.5 P.1, 2022)

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Autor: Annibal Hetem Junior é professor integrante do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas (CECS) na Universidade Federal do ABC (UFABC). Possui graduação como Bacharel Em Física, mestrado e doutorado em Astronomia pela Universidade de São Paulo.

 

Figura 1: Mick Jagger assistindo uma apresentação dos Rolling Stones no programa estadunidense “The Red Skelton Show” em 1964 (Crédito da Foto: WENN [1])

 

Disponibilizada para compras do grande público na década de 1950, a televisão aliou-se ao rádio e aos jornais como meio de influência sobre a opinião pública. As primeiras televisões podem parecer primitivas aos nossos olhos, mas a tecnologia utilizada naquela época ainda é considerada sofisticada.

 

O principal dispositivo em uma televisão antiga é o tubo de raios catódicos (ou, em inglês, catode ray tube – CRT). Este engenhoso equipamento desenha as imagens na tela usando um feixe de elétrons. A tela (área frontal), é varrida sistematicamente e a imagem é produzida com um controle acurado da intensidade deste feixe [2]. Ao chocar-se contra a camada fosforescente da tela, os elétrons produzem um pequeno ponto de luz, e a varredura gera a imagem. O direcionamento deles é controlado via campos magnéticos (um para a direção vertical e outro para a horizontal), cujas sutis variações dirigem o feixe de elétrons até cada ponto da tela visível [3].

 

Em pouco tempo foram adicionadas as cores à televisão. O método utilizado foi simples: incluir mais dois feixes de elétrons no CRT, e com isso produzir três imagens sobrepostas, baseadas nas luzes verde, vermelha e azul. Para se obter um ponto branco, os três feixes atuam em sua máxima intensidade; para o preto, a mínima. Sendo as outras cores obtidas a partir de variações das básicas.

 

A televisão com CRT sobreviveu por várias décadas: transmissões de notícias, filmes, jogos esportivos, novelas, entrevistas – e principalmente propagandas – surgiram nas telas dentro das casas de cada pessoa. Foi notável a transmissão mundial do pouso da missão Apollo 11 na Lua, quando Neil Armstrong proferiu sua famosa frase “Esse é um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade”, sendo ouvido por 530 milhões de pessoas que acompanhavam o astronauta pela televisão [4].

 

A omnipresença da televisão a colocava como a principal via de influência e manipulação global. Imediatamente após sua instalação em milhões de lares, a propaganda, como ferramenta de marketing ou eleitoral, passou a utilizá-la massivamente. Não deixa de ser curioso conectar essas forças poderosas que controlam o mundo humano aos minúsculos elétrons que geram as imagens. Quem poderia imaginar que as figuras dos políticos nas TVs seriam resultado da física quântica?

 

Contudo, o reinado dos CRTs já estava com os dias contados. Uma descoberta do século 19 permitiu que uma nova tecnologia fosse utilizada nas televisões. Em 1888, o químico austríaco Friedrich Reinitzer publicou suas descobertas sobre o que ele chamou de “cristal líquido” [5], um material que muda de comportamento sob a influência de potenciais elétricos. Nas décadas de 1960 e 1970 houve um grande avanço desta tecnologia, e foram apresentados os primeiros displays de LCD, cujas vantagens sobre o CRT eram o consumo energético muito menor e não necessitar de um “tubo” por trás da tela [6]. Deste modo, o que antes era um grande volume dentro de um móvel na sala de estar transformou-se em um quadro na parede.

 

A tecnologia LCD ultrapassou sua concorrente mais próxima, a TV de plasma. Este tipo de tela de imagens usa pequenas células contendo gás ionizado brilhante que por sua vez é controlado por campos elétricos. Os televisores de plasma foram os primeiros grandes monitores de tela plana, chegando a mais de 32 polegadas na diagonal. Contudo, em 2013, eles perderam quase toda a participação de mercado devido à concorrência das telas de LCDs de baixo custo e telas planas de leds mais caras, mas de alto contraste [7].

 

Com isso, finalmente chegamos à tecnologia OLED, cujo significado é diodo orgânico emissor de luz (em inglês, organic light-emitting diode). Nesta tecnologia, uma camada de material “orgânico” é inserida entre dois eletrodos, onde pelo menos um deles é transparente [8]. A tecnologia recebe este nome “orgânico” (estranho, não é mesmo?) por utilizar moléculas complexas, como o Poly (p-phenylene vinylene), no lugar dos tradicionais cristais semicondutores [9].

 

Os OLEDs são usados para criar displays digitais em dispositivos como telas de televisão, monitores de computador e sistemas portáteis, como smartphones e consoles de jogos portáteis. Já existem telas OLED flexíveis, e várias aplicações já começam a ficar disponíveis para o grande público.

 

É importante salientar que não foi apenas o tamanho que diminuiu. A evolução CRT-OLED veio com uma drástica redução de custos. Hoje, o OLED está presente desde telefones celulares até painéis com vários metros quadrados. A televisão nunca foi tão popular e disseminada como hoje.

 

Figura 2: Um jogo de futebol apresentado em um smartphone (photo credit: thechandu.com)

 

E sua função? Antes, nas décadas de 1960 a 1990, havia apenas um pequeno número de fontes de imagens e programas, os famosos “canais” de televisão. Mas hoje isso também mudou: o usuário (antigamente chamado de “telespectador”) tem uma imensa liberdade de busca de conteúdos e formas. O que era um pequeno grupo de emissoras agora são centenas de milhares de produtores de filmes, documentários e reportagens, de modo que até os indivíduos podem ser produtores de filmes e conteúdos.

 

Com isso, milhares de vídeos são produzidos diariamente. Recebemos informações de todas as camadas sociais e cantos obscuros da política, marketing, fofocas, mentiras, etc. Não sabemos mais o que é verdade no meio de tantas fontes contraditórias e de veracidade duvidosa.

 

Assim, quando comparamos os dias de hoje à década de 1970, concluímos que não conseguimos determinar se estas novas tecnologias nos deixam mais livres ou mais felizes.

 

Há apenas uma certeza: as imagens estão muito melhores.

 

Referências

 

[1] https://www.telegraph.co.uk/news/celebritynews/4938465/Beatles-and-Rolling-Stones-photographs-Rare-shots-of-John-Lennon-and-Mick-Jagger-found.html 

[2] Telefunken, “Early Electronic TV Gallery, Early Television Foundation”. http://www.earlytelevision.org/telefunken.html

[3] Campbell-Swinton, A. A. (23 October 1926). “Electric Television (abstract)”. Nature. 118 (2973): 590. Bibcode:1926Natur.118..590S. doi:10.1038/118590a0. S2CID 4081053.

[4] https://www.youtube.com/watch?v=S7XPuiSdV8Q, “Neil Armstrong Pisa na Lua 1969”, consultado em 02/03/2022.

[5] Reinitzer, Friedrich Richard Kornelius (1857-1927), Botaniker und Chemiker Österreichisches Biographisches Lexikon und biographische Dokumentation

[6] Castellano, Joseph A (2005). Liquid Gold: The Story of Liquid Crystal Displays and the Creation of an Industry. World Scientific Publishing. ISBN 978-981-238-956-5.

[7] Michael Hiltzik (July 7, 2014). “Farewell to the big-screen plasma TV”. Los Angeles Times.

[8] Kamtekar, K. T.; Monkman, A. P.; Bryce, M. R. (2010). “Recent Advances in White Organic Light-Emitting Materials and Devices (WOLEDs)”. Advanced Materials. 22 (5): 572–582. doi:10.1002/adma.200902148. PMID 20217752.

[9] Skotheim, T. A. et al. Handbook of Conducting Polymers, 2nd ed.; CRC Press: New York, 1997; pp 343-351. ISBN 0-8247-0050-3, ISBN 978-0-8247-0050-8

 

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