Um robô roubou meu emprego, e agora? (V.5, N.4, P.8, 2022)

Tempo estimado de leitura: 10 minute(s)

Autores:

Alexandre Acácio de Andrade

Júlio Francisco Blumetti Facó.

       

O escritor e cientista Isaac Asimov escreveu um conto curto muito interessante em 1953 chamado ‘Sally’ onde o uso de mecanismos com inteligência artificial eram utilizados em automóveis atendendo o clamor popular para diminuir a quantidade de mortes nas estradas em acidentes, mas não sem resistências como escreveu: 

 

Aceitamos tudo isto agora, mas eu me lembro de quando as primeiras leis foram promulgadas, forçando a saída das velhas máquinas das estradas e limitando o uso das automáticas. Céus, foi aquela agitação! Chamaram aquilo de todos os nomes, desde comunismo a fascismo, mas o fato é que as estradas se esvaziaram, cessaram as mortes e cada vez mais pessoas se acostumavam mais facilmente à nova moda”.(trecho do conto ficcional Sally)

 

O argumento de Asimov está mais forte do que nunca. Segundo a OMS(Organização Mundial da Saúde) o mundo perdeu 1.350.000 (mais de um milhão) pessoas em acidentes de trânsito só em 2018, deixando pelo menos 50 milhões de feridos e sequelados no mundo pelo trânsito. No Brasil, em 2020 foram 5.287 mortes que traumatizaram de maneira irreversível milhares de famílias e pessoas, além dos incontáveis acidentes de trânsito.

Até pouco tempo atrás essa conversa ficaria restrita a ficção, mas não mais. 

 

Da Ficção à Realidade

Desde os trabalhos pioneiros de Alan Turing (pai da computação e inteligência artificial) em 1950 até nossos dias a inteligência artificial e a automação em geral, realizaram progressos exponenciais, já é rotina para os passageiros do metrô de São Paulo linha amarela(inaugurada em 2010), trens sem condutor, algoritmos cada vez mais sofisticados controlam aspectos insuspeitos do nosso cotidiano, grandes empresas de tecnologia como o Google e a Tesla competem para alcançar o chamado carro autônomo.

 

Trem da linha amarela (sem condutor). Fonte: internet

 

E se…

Essas tendências se juntam e claramente convergem para um novo paradigma: Veículos Autônomos os quais serão mais seguros que os mesmos dirigidos por seres humanos, considerando-se os custos envolvidos pode-se especular como seria a linha do tempo dessas tecnologias que ainda neste século XXI estarão – em algum momento – tecnicamente maduras. 

  1. Neste século 21 a tecnologia de condução autônoma permite de maneira tecnicamente adequada e segura, seu uso e aplicação em larga escala.
  2. Aviões são convertidos em autônomos, o copiloto é extinto, navios também seguem esse caminho.
  3. Trens são modificados para trabalhar autonomamente.
  4. Caminhões seguem os trens e a condução autônoma é amplamente popularizada, a partir desse ponto a queda de acidentes já é estatisticamente relevante.
  5. Ônibus são convertidos em autônomos.
  6. Veículos de alto luxo tem a funcionalidade de funcionar em manual ou autônomo, seu uso reduz as barreiras psicológicas para a tecnologia de direção por inteligência artificial
  7. O estado e governos, por meio de leis, torna obrigatório todos os carros fabricados serem autônomos de fábrica, além de manual.
  8. O estado e governos, por meio de leis, torna obrigatório que todos os carros desliguem seu ‘modo manual’ e ‘liguem a direção  autônoma’ automaticamente sempre que estiverem em estradas de alta velocidade.
  9. Finalmente, todos os carros se tornam autônomos, sendo a opção manual relegada a competições puramente esportivas ou para colecionadores especializados.

 

Dentro dessa especulação esse processo todo poderia levar poucas décadas, talvez duas a partir do ponto de inflexão tecnológico no qual esta tecnologia ficasse mais confiável que o ser humano.

 

Carro autônomo experimental do Google (Sem volante). Fonte: internet

 

Apertem os Cintos, os Motoristas Sumiram!

Devido ao grande valor que os mesmos tem intrinsicamente caminhões e ônibus são sérios candidatos a passar pela transição de manual para autônomo em algum momento. Seu tempo de retorno de investimento seria o mais curto e a questão da segurança seria mais acentuada. Contudo isso trará um imenso desafio para a sociedade.

 

Segundo a CNI (Confederação Nacional do Transporte), em janeiro de 2022, o Brasil possuía uma frota de caminhões da ordem de três milhões, além de duzentos mil ônibus. Se pensarmos em pelo menos um motorista para cada equipamento (algumas transportadoras exigem mais de um em uma mesma viagem, por questões de segurança), chegaríamos a, pouco mais de três milhões de pessoas que podem ter seus empregos perdidos nas próximas décadas para esta novíssima tecnologia. Isso sem falar dos taxistas e atuais motoristas de aplicativos que, segundo a ADETAX (Associação das Empresas de Taxi do município de São Paulo), atuam na capital paulista com uma frota de 33.922 veículos.

 

A extinção desses empregos significará um grande problema para estas pessoas, que se traduzirá num gigantesco desafio social para todos nós! Esta força de trabalho teria sérios problemas para se requalificar, além disso atualmente a “carreira” de motorista de aplicativo tem sido a tábua de salvação para muitas pessoas que se encontram desempregadas no Brasil e no mundo e essa ajuda acabaria. Dessa maneira uma dúvida emerge: Por quanto tempo este desafio social ficará escondido em empregos que deixaram de existir, ou em trabalhos paliativos ou mesmo subempregos?

 

Charge. Fonte: Internet

 

O que o passado nos ensina sobre este futuro?

As máquinas tornaram os empregos obsoletos por séculos. A o tear mecânico substituiu os tecelões; os botões substituíram os ascensoristas; e a Internet levou milhares de agências de viagens à falência. Entretanto, o esforço para substituir humanos por máquinas têm se acelerado, particularmente durante a Pandemia de COVID-19 e veio com objetivo de manter os custos operacionais baixos das empresas. Alguns dados dos EUA indicam que cerca de um terço dos empregos perdidos durante a pandemia, jamais voltarão.

 

Essa substituição de humanos por máquinas pode seguir ganhando mais velocidade. Os robôs podem substituir até 2 milhões de trabalhadores a mais na manufatura até 2025, de acordo com um artigo recente de economistas do MIT e da Universidade de Boston. Daniel Susskind, da Universidade de Oxford, é autor No texto “A World Without Work: Technology, Automation and How We Should Respond”. E alerta algo que Asimov já dizia, quase um século atrás: “As máquinas não adoecem, não precisam se isolar para proteger seus pares, não precisam tirar folga do trabalho.”

 

No passado, a tecnologia era implantada aos poucos, dando, muitas vezes, aos funcionários tempo para fazer a transição para novas funções e desenvolver novas competências. Muitos daqueles que perderam o emprego no passado – desde que tivessem tempo suficiente e condições – buscaram reciclagem, talvez usando indenizações ou benefícios de desemprego para encontrar trabalho em outras áreas segundo dados dos EUA. Desta vez, a mudança tem sido abrupta, pois muitos empregadores, por conta da COVID-19, correram para substituir trabalhadores por máquinas, softwares aplicativos ou inteligência artificial. Não havia tempo para treinar novamente. Em vez disso, as empresas preocupadas exclusivamente com seus resultados financeiros dispensaram trabalhadores, e esses trabalhadores foram deixados por conta própria para encontrar maneiras de aprender ou dominar novas habilidades. Havia poucas opções.

 

Em teoria, a automação e a inteligência artificial deveriam libertar os humanos de tarefas perigosas ou chatas para que possamos assumir tarefas mais estimulantes intelectualmente, tornando as empresas mais produtivas e aumentando os salários dos trabalhadores.

 

 

No passado recente, países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que reúne os países mais ricos e desenvolvidos do mundo – e que o Brasil pleiteia ser parte – responderam às mudanças tecnológicas investindo em educação. 

 

Tirinha de Charles Schulz, fonte: Peanuts na internet.

 

 

Quando a automação mudou fundamentalmente os empregos agrícolas no final dos anos 1800 e 1900, os estados expandiram o acesso às escolas públicas. Nos EUA, o acesso à faculdade se expandiu após a Segunda Guerra Mundial com o GI Bill, que enviou 7,8 milhões de veteranos para as escolas de 1944 a 1956. Mas desde então, segundo a revista TIME: “o investimento dos EUA em educação estagnou, sobrecarregando os trabalhadores a pagar por eles mesmos” [tradução nossa, retirado da seção Business, texto escrito por Alana Semuels em 6-8-2020]. E segundo a mesma reportagem, a ideia de educação ainda se concentra na formação universitária de jovens trabalhadores, e não na reciclagem de funcionários. 

 

Assim a saída é evidente: Todos temos a obrigação de atender à necessidade de ajudar os trabalhadores e trabalhadoras a lidar com as transições iminentes e inevitáveis. Devemos fomentar e oferecer planos robustos e contínuos de cursos, treinamentos, programas e políticas públicas de requalificação, treinamento e educação, não apenas para jovens, mas também para adultos e trabalhadores de todas as idades!

 

Pedimos desculpas pelo incômodo que este texto possa causar, entretanto trata-se de uma reflexão premente que prescinde de ações coletivas, inclusive de nós, membros da Academia.

 

Afinal, se a inovação e a criatividade causaram este problema, certamente as soluções virão dessa mesma fonte, pois como disse o criador da  palavra robótica, Isaac Asimov,  “Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que poderemos solucioná-los.

 

Para saber mais:

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2 Resultados

  1. Fabian Matteucci disse:

    Esse conteúdo é muito relevante e tem tudo a ver com a evolução que precisamos proporcionar na educação.
    Gostaria muito de expor minhas ideias aos autores da matéria.
    Parabens

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