Perto do início do fim? (V.5, N.4 P.5, 2022)

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Divulgadora da Ciência: Érika Klann é Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Ciências (NEPEC) da UFABC, possuindo experiência na área de Virologia, Biologia Molecular e Biologia celular. Ademais, é mestre em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz e graduada em Ciências Biológicas (Genética e Licenciatura), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Procedimento para realização de teste de COVID-19

        Se 2021 foi o ano de expectativa pelas vacinas e seus resultados, 2022 parece ser o ano da expectativa pelo início do fim da pandemia. Muitos especialistas concordam que a Ômicron parece nos aproximar desse momento, no entanto, com a grande ressalva de quando chegaremos lá.

        Chegando aos 2 anos em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou como pandêmica a infecção pelo novo coronavírus Sars-CoV-2, o mundo parece dar sinais de que está mais próximo de mudar de estágio.

        Apesar dos seguidos recordes de novos casos de Covid-19 recentemente registrados no mundo devido à variante Ômicron, a ciência sinaliza um respiro num futuro próximo. Em alguns países, várias medidas não-farmacológicas de controle do vírus já foram flexibilizadas, como suspensão do uso de máscaras e da exigência de passaporte vacinal.

        No Brasil, o Fórum Nacional de Governadores, formado pelos chefes do Executivo dos 26 estados e do Distrito Federal, voltou a discutir a possibilidade de flexibilizar o uso de máscaras no país a partir de março. Uma análise técnica será realizada por um comitê científico e uma reunião já foi agendada para o dia 15 de março, a fim de avaliar um cronograma de transição e flexibilização de medidas restritivas de proteção à Covid-19. No entanto, alguns estados já o fizeram.

        Sendo essas decisões precipitadas ou não, o fato é que saber quando conseguiremos realmente controlar a transmissão do coronavírus em nível mundial ainda intriga a sociedade, a comunidade científica e os governantes. A Covid-19 chegou de surpresa e evoluiu de forma imprevisível, desafiando a comunidade científica mundial. É difícil arriscar qualquer previsão do seu término.

        A nova onda provocada pela Ômicron, surpreendente e acentuada, com características muito particulares, pode ter mudado o curso da pandemia. Para os especialistas mais otimistas, ela pode representar a transição de uma doença pandêmica para endêmica. E o que justificaria esse otimismo?

        A alta taxa de transmissibilidade da nova variante, de certa forma, permitiu o aumento do nível de imunidade da população (acredita-se que de novembro de 2021 a fevereiro de 2022, mais da metade da população mundial foi infectada pela Ômicron). Além disso, a vacinação continua avançando na maioria dos países, vislumbrando um número expressivo de países com alta taxa de cobertura vacinal neste primeiro semestre de 2022. Mais dados fortalecem esse otimismo: no dia 15 deste fevereiro, a OMS anunciou, pela segunda vez neste ano, uma queda no número de novos casos de Covid-19 no mundo. Na segunda semana de fevereiro, foi relatado uma redução de 19% em relação à semana anterior. Se for analisado por região, o sul da Ásia teve um decréscimo de 37%; nas Américas, 32%; na África, 30%; na Europa, 16%; e no leste do Mediterrâneo, 12%.

        No entanto, é consenso entre os cientistas que o momento pede cautela, para que esta transição de pandemia para endemia seja de forma consciente e consistente.

        Muitas perguntas sobre a imunidade da população contra o coronavírus ainda precisam ser respondidas, como o tempo de proteção dada pelas vacinas e a necessidade ou não de doses anuais, por exemplo.

        Outra preocupação presente e que traz muitas incertezas é se as novas variantes que surgirão serão mais transmissíveis, mais patogênicas ou capazes de escapar da proteção vacinal. A Ômicron e seus impactos chegaram de forma inesperada, mas não será surpresa o surgimento de uma nova variante com características que possam colocar o sistema de saúde mundial em risco e adiar o fim da pandemia. Temos que estar preparados para isso.

        Importante ressaltar que, independente das especulações, a pandemia só acaba de fato quando a OMS anuncia o seu fim, baseada em indicadores epidemiológicos globais e dados que evidenciam uma redução sustentada da transmissão em todos os continentes. Representantes de várias instituições globais, no evento do Fórum Econômico Mundial, realizado no final de janeiro, discutiram os conceitos e métricas que poderiam classificar o fim da pandemia. Estes parâmetros estão sendo discutidos, mas atingir todos os continentes ainda é uma hipótese difícil de imaginar e, por definição, uma pandemia só tem fim quando termina em todos os lugares. Para a instituição, são muitos os desafios sanitários, sociais, econômicos e políticos para alcançar um momento mais homogêneo da pandemia, mundialmente falando.

        O foco de atenção e urgência deve estar em conseguir vacinas suficientes para os países de baixa renda. A maior parte da África, a Europa Oriental e a Ásia Central estão longe de ter alguma proteção vacinal significativa em suas populações, deixando essas regiões mais suscetíveis ao surgimento de novas variantes com potencial pandêmico. Ou seja, enquanto tivermos países sem controle sobre a circulação do Sars-CoV-2, estamos todos vulneráveis a novas ondas.

        Mas, se é difícil pensar em homogeneidade no enfrentamento da Covid-19 num país grande como o Brasil, imagina em um mundo inteiro? Por isso, é inevitável que países com índices mais estáveis comecem a pensar em maiores flexibilizações. A tendência natural com o aumento da imunidade e cobertura vacinal da população é que a circulação do vírus atinja níveis endêmicos, onde temos maior controle e entendimento sobre o comportamento epidemiológico do vírus.

        Mas o que significa exatamente mudar o status de pandemia para o de endemia?

        Especialistas não esperam que consigamos combater o novo coronavírus de nossas vidas. É consenso que deveremos aprender a conviver com ele e seus picos de infecções. E é exatamente isso o que define a endemicidade: uma doença com presença constante na população, mas com maior previsibilidade de casos e mortes relacionadas a ela em uma determinada região e época do ano. Ou seja, os números de infecções, internações e óbitos pela Covid-19 não serão mais considerados uma emergência sanitária, como ocorre com doenças endêmicas como malária, dengue e a própria gripe.

        Na prática, as medidas protetivas poderão ser suspensas ou reativadas dependendo do estágio da doença na região. Além disso, outra mudança importante envolve a vigilância epidemiológica, onde o processo de notificação de casos é diferente.

        Nestes 2 anos de pandemia, a busca ativa de positivos para covid-19, monitoramento e rastreamento de contactantes foram o alvo de muitos países, inclusive com montagem de tendas de testagem em diversos locais e disponibilidade gratuita ou a preços baixos de kits de diagnóstico. Em uma pandemia como a atual, essa é uma das estratégias para interromper a cadeia de transmissão do vírus na população e evitar que o aumento massivo de hospitalizações colapse o sistema de saúde. Entrando em um status de endemia, esse amplo programa de testagem, isolamento e rastreamento de contatos não se faz mais necessário.

        No Brasil, ainda não saímos da onda pela Ômicron, ainda temos perto de 500 mortes diárias por Covid-19 e necessidade de ampliação da aplicação das doses de reforço. Mas números otimistas já começam a surgir. Alguns dos parâmetros que devem ser utilizados nas tomadas de decisões para uma mudança de estágio da covid estão baseados em: número de casos, infraestrutura hospitalar e cobertura vacinal. E estamos caminhando nestas 3 esferas. Segundo o Imperial College de Londres informou, no final de fevereiro, a taxa de transmissão no nosso país está abaixo de 1 novamente, atingindo 0,97. O que significa que cada indivíduo infectado transmite o vírus para menos do que 1 pessoa ou que cada 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 97. Considerando que, em 25 de janeiro, essa taxa estava em 1,78 (provavelmente a mais alta desde o nosso início de pandemia), claramente a circulação do vírus está em queda.

        Recentemente, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, fez uma declaração otimista a cerca da possibilidade de estarmos mais próximos do fim da pandemia, ressaltando a importância de todo o conhecimento conquistado: desenvolvimento de vacinas, métodos preventivos não-farmacológicos (uso de máscara, distanciamento social, uso de álcool em gel/lavagem constante das mãos, evitar aglomerações, ambientes ventilados), vigilância epidemiológica (testagem e rastreamento) e genômica do vírus de forma ativa e avanços no tratamento da doença. “Com todos esses aprendizados e capacidades, a oportunidade de reverter esta pandemia para sempre está ao nosso alcance”, disse Tedros.

        Talvez já soubéssemos desde o início que a covid não iria desaparecer. Só ainda não sabemos como será essa convivência. Mas muita coisa boa ainda está acontecendo… a comunidade científica continua seus estudos por novos medicamentos antivirais eficientes, novos tratamentos para os casos de hospitalização, vacinas mais robustas e duradouras.

        Que possamos ter consciência do papel de cada um de nós nesse processo e esperançar para que um dia a covid seja, de fato, apenas uma gripezinha. A fé se renova.

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