A História da Ivermectina (V.4, N.9, P.1, 2021)
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A Ivermectina é uma das drogas antiparasitárias de maior sucesso no mundo da medicina veterinária e humana havendo-se convertido em uma excelente aliada para controlar quase todas as doenças parasitarias dermatológicas. Com o passar do tempo foram identificados outros usos. Essa droga permitiu erradicar a oncocercose também conhecida como “cegueira dos rios” ou “mal dos garimpeiros” na zona equatorial da África, no Iêmen e países da América Latina como Guatemala, México, Venezuela e Colômbia. Esta doença é transmitida pela picada da mosca preta do tipo Simulium. Por tal motivo a OMS em 2009 considerou a Ivermectina “como a vitoria da humanidade sobre a adversidade”.
A descoberta desta droga foi realizada no âmbito de uma pesquisa científica colaborativa internacional entre setores públicos e privados. Neste processo que começou em 1973 o professor Satoshi Omura do Instituto Kitasato do Japão –junto com sua equipe de colaboradores– cumpriu um importante papel sendo considerado o motor e alma da pesquisa. Esse ano foi constituída uma associação científica entre esse Instituto e os laboratórios de pesquisa da Merck Sharp & Dohme (MSD) dos Estados Unidos com o objetivo de produzir novas drogas para a saúde animal.
Esse convênio conseguiu unir a experiência de Omura em detectar compostos bio-ativos produzidos por microorganismos, com a experiência da MSD em testar compostos promissórios em modelos animais, para logo impulsioná-los através do desenvolvimento confidencial da droga. Nesse contexto, em 1974 Omura e sua equipe conseguiram isolar um organismo existente no solo de um campo de golfe localizado nas redondezas da cidade de Ito.
A seguir enviou amostras desse solo aos laboratórios da MSD onde trabalhava o professor William Campbell, médico veterinário pesquisador da Divisão de Sanidade Animal dessa companhia. Em 1975 Campbell ao avaliar essas amostras conseguiu isolar cepas da bactéria Streptomyces avermectinius que manifestavam grande atividade contra parasitos intestinais em modelos de ratos. O composto relacionado com essa atividade é denominado avermectina.
As avermectinas são lactonas macrocíclicas isoladas dos produtos de fermentação do actinomiceto Streptomyces avermectinius sendo que inicialmente vários derivados foram preparados e analisados: Abamectina, Ivermectina e Doramectina. Considerando sua segurança e eficácia finalmente foi escolhida a Ivermectina. A seguir, em 1982 a companhia MSD e a OMS iniciaram um programa para utilizar a Ivermectina em humanos. Esse ano se reporta que a Ivermectina pode atuar contra o parasito responsável da “cegueira dos rios” em humanos (oncocercose). Entre 1982 e 1986 começaram os ensaios clínicos com Ivermectina, além de ensaios de campo em grande escala em vários países africanos.
Em 1987, após finalizar a fase de experimentação clínica, a Ivermectina foi indicada para uso humano via oral na forma de comprimidos de 6 mg. Dessa forma começou o Programa de Controle da Oncocercose em países africanos. As pessoas afetadas foram orientadas a ingerir Ivermectina una vez cada ano durante 12 anos, tempo do ciclo de vida das macrofilárias. Nesse ano o Instituto Kitasato renuncia à patente e a MSD doa sem nenhum custo a Ivermectina para ajudar a erradicar a “cegueira dos rios” no contexto do Programa de Controle da Oncocercose na África Ocidental (OCP). Além disso, em 1987 o governo francês aprova a Ivermectina para uso humano com a denominação de marca Mectizan. Logo, em 1988, em conjunto com a MSD, é estabelecido o Programa de Doação de Mectizan para produzir todo o Mectizan e pagar os custos do transporte.
Paralelamente aos estudos do uso humano da Ivermectina, em 1975 outras pesquisas demonstraram que também tinha atividade contra vermes parasitos, insetos e aracnídeos. Desse modo, em 1981 a Ivermectina começou a ser utilizada como droga antiparasitária para uso veterinário tornando-se a mais efetiva e de maior espectro nunca antes desenvolvida.
Em 1992 começou o Programa de Erradicação da Oncocercose nas Américas (OEPA) fornecendo-se Ivermectina de forma massiva. Similarmente, em 1995 se inicia o Programa Africano para o Controle da Oncocercose (APOC), distribuindo-se Ivermectina nos 19 países africanos onde ainda persiste a doença. Em 2003 a equipe do Instituto Kitasato realizou o seqüenciamento do genoma do Streptomyces avermectinius passando a explorar as possibilidades de gerar compostos mais poderosos por meio da manipulação genética. Em 2008, em torno de 60 milhões de africanos ingerem una dose única anual de Ivermectina.
Pode-se mencionar então que a Ivermectina é um agente semi-sintético derivado das avermectinas com atividade contra helmintos e ectoparasitos. Ou seja, é um análogo semi-sintético da Avermectina B1a (Abamectina). Está constituído por uma mistura que contem como mínimo 80%-90% de 22,23-dihidroavermectina B1a e 10%-20% de 22,23-dihidroavermectina B1b. Esses dois homólogos (B1a e B1b) se diferenciam unicamente por um grupo metil (CH2). A Ivermectina é 22,23-dihidroavermectina B1.
O mecanismo de ação da Ivermectina contra os parasitos depende de seu efeito sobre os canais de íons na membrana celular. A Ivermectina pode-se unir seletivamente e com grande afinidade nos canais regulados por glutamato do íon cloro nas células nervosas e musculares de invertebrados. Isso aumenta a permeabilidade da membrana celular aos íons cloro com hiper-polarização da célula, causando a paralise e morte do parasito. Além disso, acredita-se que esta droga interfere na função gastrointestinal dos parasitos susceptíveis, produzindo sua inanição.
Muito interessante o artigo. E considerando-se o mecanismo de ação da ivermectina, faria sentido ela ter ação anti-viral?
No caso do virus COVID-19 nos primeiros meses de 2020 na Australia houve experiencias IN VITRO que demonstraram ação antiviral da ivermectina. Esses primeiros resultados (IN VITRO) foram explorados de forma negativa pelo discurso do uso massivo da ivermectina como prevenção contra o contagio. No entanto, até o momento não houve nenhuma experiência que demonstre efeitos antivirais da ivermectina em humanos, principalmente contra o COVID-19.