Uma forma simples de entender o mundo quântico (V.4, N.5, P.2, 2021)
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O que distingue o mundo do dia a dia, do mundo quântico? A principal diferença é que no mundo quântico os entes físicos se comportam como ondas, então no mundo quântico os efeitos de interferência construtiva e destrutiva, próprio das ondas, controlam esse mundo. Sabemos, pela experiência ganhada no mundo clássico (do dia a dia) que quando duas ondas de mar colidem, a onda resultante pode ser maior (interferência construtiva) ou simplesmente, as ondas podem desaparecer (interferência destrutiva). Da mesma forma, quando a onda associada ao elétron colide com uma parede de potencial, esta onda é refletida (volta contra ela mesma) e interage com a onda incidente da mesma partícula, similar como o faz uma onda de mar colidindo com as pedras rochosas da costa. Em geral, com o transcurso do tempo as ondas que interagem podem chegar em um estado estacionário, ou seja, uma onda bem definida espacialmente e que não muda mais no tempo. No mundo quântico, esse tipo de onda (estacionária) domina os principais efeitos, e muitos desses efeitos quânticos tem consequências que podem ser observadas no dia a dia, como as formas chamativas, durezas aplicáveis, cores bonitas, e propriedades magnéticas interessantes dos materiais, entre outras. Essas características são associadas a um efeito de interferência construtiva de ondas. Todos os efeitos quânticos (ou discretos, ou seja, diferentes do contínuo) são associados com interferências construtivas de ondas, somente alguns tipos de ondas construtivas existem e são denominadas de harmônicos, como sucede com as notas dos instrumentos musicais, produto de interferência construtiva de ondas de som . Por outro lado, a interferência destrutiva das ondas elimina determinados valores de energia, quantidades de movimento, posição, etc; o qual gera o caráter discreto do mundo quântico [1].
Do átomo para o sólido
Um átomo, por exemplo, composto de um próton e de um elétron, pode ser entendido como uma onda (elétron) dentro de uma caixa (efeito produzido pelo próton), essa onda colide com as paredes da caixa e se formam os estados estacionários (ondas estacionárias), produto da interferência construtiva, gerandose assim estados discretos com uma determinada energia discreta. Em (a), de forma pictórica representamos três átomos (cada átomo somente tem um estado estacionário), os quais estão o sucientemente afastados, de forma que as ondas associadas com cada átomo não se tocam. Nesta situação, a onda φ (estado do elétron) penetra as paredes da caixa, más não atravessa ela, ou seja, o elétron não escapa do átomo, isto é, o elétron está confinado. Em geral, aqui o átomo ou o elétron do átomo está num estado representado pela onda φ, com uma energia estacionária εo, temos aqui um átomo não excitado que não interage com outros átomos (as ondas dos átomos não se tocam entre si).
Por outro lado, em (b) os átomos ficam o suficientemente próximos uns dos outros, de forma que as ondas se tocam, nessa situação se produz um efeito de interferência construtiva denominada de acoplamento quântico, os átomos se mantém ligados e produzem um único sistema (molécula).
As seis ondas, correspondente com os seis átomos, interferem entre elas, produzindose 6 novos estados (ondas estacionárias) com diferentes energias cada um desses estados; todas essas ondas estacionárias (estados) se extendem ao longo de tudo o sistema. Finalmente, aumentando o número de átomos participantes, as energias dos estados estacionários formam uma banda de energia, como mostrado em (c), neste caso temos formado um sólido unidimensional [2].
Podemos fazer átomos articiais de tamanho bem maior que os naturais?
Os átomos tem um tamanho de 0,1 nm, será que podemos fazer átomos articiais do tamanho de dezenas de nm? (100 vezes o tamanho de um átomo). A resposta é sim. O tamanho de um átomo seria o tamanho da caixa que contem connado o elétron, para produzirse a onda estacionária dentro da caixa, a condição é que o comprimento da onda seja aproximadamente ao redor do tamanho da caixa. Por outro lado, existem materiais onde a fonte mais importante das ligações entre os átomos que compõem o material é exatamente a ligação quântica explicada antes (ligação covalente). Exemplos desses materiais são o GaAs (Arseneto de Gálio) e o AlGaAs (Arseneto de Gálio-Alumínio), nesses materiais os elétrons se comportam como livres, más como se tivessem uma massa maior, esses elétrons são chamados de quase-partículas. Em outras palavras, os efeitos de todos os átomos do material sobre o elétron recaem na massa da partícula, essa massa aumentada é chamada de massa efetiva, em consequência o comprimento da onda associada com a quase-partícula eletrônica aumenta (30 nm para o GaAs).
Assim, para poder connar a onda elétrônica no GaAs, será necessário uma caixa quântica de dimensões de dezenas de nm, para obter os estados estacionários discutidos antes. Em (a) mostramos um sistema tipo sanduíche de AlGaAs-GaAs-AlGaAs, no qual o GaAs se comporta como a região do átomo articial (pozo quântico) e as paredes da caixa (barreriras de potencial) são as regiões de AlGaAs. Em (b), mostramos de forma pictórica como os experimentalistas conseguem construir átomos articiais que são connados em um plano bidimensional. Da mesma forma que existem naturalmente os humanos e os robôs como humanos artifíciais, os átomos artifíciais seriam os robôs dos átomos naturais. Na interface de GaAs-AlGaAs, se forma
naturalmente uma gás de elétrons em duas dimensões (2DEG), podemos controlar este gás de elétrons usando campos elétricos. Em geral, na parte superior e inferior do sanduíche colocamos material metálico na forma de uma caixa bidimensional, aplicando uma diferença de potencial (Vg) entre os extremos do sanduíche, um campo elétrico é induzido e chega na região interna do sanduíche, onde se encontra o gás bidimensional de elétrons. Este campo elétrico tem associado um potencial elétrico (barreras de potencial ou paredes da caixa) que conna as partículas (onda eletrônica) em caixas bidimensionais que tem a mesma forma geométrica do metal depositado entre os extremos do sanduíche (gate).
Em geral, estes átomos artificiais são muito importantes para estudar efeitos que poderiam ser difíceis de serem estudados em átomos naturais, por outro lado, se podem estruturar estes átomos artificiais de diferentes formas, o qual não pode ser feito nos átomos naturais. A extensão para produzir moléculas e sólidos artificiais, é simplesmente juntando vários destes átomos artificiais. Estes sistemas também podem ser usados como transistores quânticos, onde “deixamos” ou “não deixamos” passar a corrente elétrica, modulando estas correntes pela manipulação dos efeitos de interferência “construtiva” ou “destrutiva” da onda eletrônica [3].
[1] Rodrigo M. Costa and Michel Mendoza, Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 42, e20200217 (2020).
[2] C. Cohen-Tannoudji, B. Diu and F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley Sons, New Jersey, 1977), v. 1.
[3] J. H. Davies, The Physics of Low-dimensional Semiconductors (Cambridge University Press, Cambridge, 1998).