Edgar Allan Poe, Sherlock Holmes e o pensamento abdutivo: como os detetives da ficção se relacionam com o método científico #1 (V.3, N.8, P.3, 2020)

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Por Leonardo de Mello Nakamura

 

Aedição da Darkside, publicada em 2017, Medo Clássico, traz uma série de contos de autoria de Edgar Allan Poe. Em sua introdução, a tradutora da obra Márcia Heloísa relaciona a imagem do retrato do autor com cada palavra por ele escrita. Segundo ela, as impressões de desamparo, angústia e empáfia estão presentes tanto em seu semblante como em suas citações literárias. Confundem-se as perdas e mazelas de Poe com seus próprios versos.

 

Edgar Allan Poe (1808-1849) – autor, poeta, editor e crítico literário norte americano

 

Sobre os fundamentos da lógica, entre os princípios da indução estão as constatações de que a experiência sensorial é a única fonte de conhecimento e se alimenta a partir de nossos próprios sentimentos e experiências. Assim sendo, é possível observar traços semelhantes entre estes princípios e o que diz Heloísa sobre o autor.

 

Sir Arthur Conan Doyle, médico e escritor, é mundialmente conhecido pela criação de Sherlock Holmes, personagem de ficção da literatura britânica caracterizado como um detetive consultor com atuação entre o final do século XIX e início do século XX. O autor se inspirou em seu professor universitário, Joseph Bell, para a elaboração do personagem. Bell era capaz de deduzir hábitos e características de qualquer pessoa a partir apenas de uma breve observação.

 

Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) – escritor e médico britânico

 

Doyle se inspirou não apenas na personalidade e na capacidade intelectual de Bell, mas também em sua caracterização física, como se observa nas palavras do próprio escritor na revista The National Weekly em 1923: “Era magro, vigoroso, com rosto agudo, nariz aquilino, olhos cinzentos penetrantes, ombros retos e um jeito sacudido de andar. A voz era esganiçada. Era um cirurgião muito capaz, mas seu ponto forte era a diagnose, não só de doenças, mas de ocupações e caráteres”. Aqui, mais uma vez observamos a experiência como fonte de conhecimento e inspiração.

 

Joseph Bell (1837-1911) – médico cirurgião e professor escocês

 

Em Os Assassinatos da Rua Morgue, Edgar Allan Poe apresenta C. Auguste Dupin, conhecido como o primeiro detetive da ficção e precursor dos detetives na literatura. Dupin, ao participar da investigação de um brutal assassinato na cidade de Paris, critica a polícia parisiense pela sua ausência de método em seus procedimentos e condutas. Segundo ele, resultados positivos até podem ser obtidos desta forma, porém como frutos do mero acaso. De forma oposta, defende metodologias de pensamento aliadas de perseverança e intensidade nas investigações.

 

O próprio Dupin afirma “Em uma investigação como a que estamos nos engajando agora, não deveríamos perguntar ‘O que aconteceu?’, e sim ‘O que aconteceu, mas nunca aconteceu antes?’. Na verdade, a facilidade com a qual chegarei, ou já cheguei, a solução desse mistério é proporcional a sua aparente insolubilidade aos olhos da polícia.” O investigador foca a sua atenção em aspectos peculiares após cuidadosa observação dos fatos e, a partir desta visão mais minuciosa do que a investigação policial, elabora as suas suposições. As suas suspeitas inevitavelmente surgem a partir de suas corretas deduções legítimas.

 

Ora, o método científico é composto por uma série de etapas como observação, formulação de hipóteses, experimentação, interpretação de resultados e, por fim, conclusão. Claramente se nota que a filosofia de investigação de Dupin possui relações com a forma que se organiza o método científico.

 

 

Os grandes detetives da ficção são herdeiros de Poe. Dupin reúne características que se fazem presentes em personagens detetivescos criados posteriormente como Hercule Poirot, Jules Maigret e Gilbert Grissom. Jeanette Rozsas (2012) diz “Sherlock Holmes é filho de C. Auguste Lupin. Com três contos, ele conseguiu fazer uma linha de romance policial”. Rozsas afirma que o autor norte americano criou o modelo seguido por Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e Georges Simeon.

 

Poe inventou também o personagem do parceiro e cronista (sem nome em seus contos). Tal personagem se caracteriza por ser menos inteligente do que o detetive que acompanha e atua como uma caixa de ressonância para suas brilhantes deduções, de modo a exaltar as características ímpares do protagonista em questão. Ao lado de Sherlock Holmes, observamos a sempre presente figura de John Watson.

 

* Esta é a primeira parte do texto, a segunda parte em breve será publicada no blog.

 

Referências Bibliográficas:

 

DOYLE, Arthur Conan. A Study in Scarlet. 1 ed. London: Ward Lock & Co, 1887.

DOYLE, Arthur Conan. The Adventure of the Beryl Coronet. 1 ed. London: The Strand Magazine, 1892.

DOYLE, Arthur Conan. The Five Orange Pips. 1 ed. London: The Strand Magazine, 1891.

GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

POE, Edgar Allan. Medo Clássico. 1 ed. São Paulo: DarkSide, 2017.

POE, Edgar Allan. The Murders in the Rue Morgue. 1 ed. Philadelphia: Graham`s Magazine, 1841.

 

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