A Ciência no combate ao coronavírus: as possibilidades do óxido nítrico (NO) (V.3, N.8, P.1, 2020)

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Divulgadores da Ciência:

Amedea Barozzi Seabra, Professora Associada da UFABC, realizou Pós-Doutoramento no Departamento de Química e Bioquímica da Concordia University em Montreal. Vencedora de diversos prêmios nacionais e internacionais, a sua atual área de pesquisa é a preparação de biomateriais nanoestruturados liberadores de óxido nítrico para aplicações médicas e agrícolas. [Lattes]

Caroline Martins Dominguez, graduada em Biomedicina pela Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN) e aluna de Mestrado do Programa de Ciência e Tecnologia – Química da UFABC com bolsa CAPES.

Joana Claudio Pieretti, bacharel e licenciada em Química pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Ciência e Tecnologia Química pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutoranda do Programa de Ciência e Tecnologia – Química na UFABC. [Lattes]

 

O coronavírus vem gerando pânico no mundo por causar uma grave síndrome respiratória, podendo, inclusive, levar à morte. Com o primeiro caso relatado em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China, o novo coronavírus tem se espalhado rapidamente pelo mundo, contaminando milhões de pessoas e matando outras centenas de milhares. A comunidade científica mundial se mobilizou para encontrar uma forma de controlar os sintomas e o vírus e pesquisas relacionadas às opções de tratamentos e vacinas eficazes têm sido reportadas desde então.

 

O óxido nítrico (NO) e o sulfeto de hidrogênio (H2S) são duas moléculas gasosas poluentes do meio ambiente e que, em altas concentrações, podem ser muito tóxicas, porém, a partir da década de 80, foi descoberta a presença dessas duas moléculas no interior de células de mamíferos e, posteriormente, foi evidenciada a sua relevância em processos fisiopatológicos diversos como, por exemplo, potente ação antiviral, ação antimicrobiana, ação de indução de ventilação em pulmões lesionados, ação broncodilatadora, ação anticâncer, ação antitrombogênica, entre outras.

 

Com relação a doenças pulmonares, a inalação do NO recebeu o selo de aprovação do Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos no tratamento da hipoxemia severa (insuficiência de oxigênio no sangue) associada à hipertensão pulmonar (quando há dificuldade na circulação sanguínea nos pulmões). Em recém-nascidos e em bebês nascidos prematuros, o uso de inalação de NO demonstrou uma melhora significativa em sua condição respiratória, sem efeitos colaterais graves. Além disso, estudos com células e modelos animais demonstraram que tanto o H2S quanto o NO possuem a capacidade de inibir a replicação e a infecção causada por vírus que atacam principalmente o sistema respiratório e vias aéreas como os vírus Influenza (H1N1, H3N2 e Bisbraine), vírus sincicial respiratório (RSV), além de outros vírus de relevância médica, como o vírus do Ébola.

 

A eficácia do NO contra os vírus da família coronavírus já é reportada na literatura médica. Ele se mostrou eficaz, por exemplo, no tratamento da SARS (SARS-COV-1), doença que afetou o mundo em 2002-2003, causando um total de 8000 contágios e 800 mortes, assim como contra o coronavírus que causa a hepatite murina em ratos e contra o circovírus suíno tipo 2 (PCV2). Estudos clínicos conduzidos em Pequim na China (Chaoyang Hospital e China-Japan Friendship Hospital) evidenciaram que o NO inalado apresentou ação antiviral e melhorou a oxigenação arterial em pacientes com síndrome respiratória aguda, além de reduzir a infiltração dos pulmões nesses pacientes.

 

Uma das principais causas de morte da COVID-19 se deve ao dano pulmonar causado pela resposta inflamatória do organismo do paciente contaminado. Essa resposta inflamatória inunda os pulmões com secreções, o que impede a troca gasosa e, consequentemente, a respiração. Estudos em modelos animais demonstraram que o H2S tem a capacidade de reduzir  a inflamação nos pulmões e consequentemente, reduzir as lesões pulmonares. Outros estudos com modelos animais demonstraram que o H2S também pode inibir outros processos de danos no pulmão, como lesões causadas por queimaduras e inalação de fumaça e enfisema pulmonar causado pelo hábito de fumar tabaco. 

 

A inalação de NO também está sendo conduzida em um estudo randomizado na China e nos Estados Unidos para o tratamento da SARS-COV-2 (COVID-19). O uso de doadores de H2S em nebulizadores está sendo proposto como tratamento da COVID-19 na Rússia.

 

Existem formas de induzir a liberação dessas moléculas no organismo, através de doadores externos obtidos comercialmente e/ou em laboratório. Porém, a utilização direta desses doadores leva a uma liberação descontrolada e curta do NO e do H2S. Dessa forma, necessita-se acoplar esses doadores em plataformas biomédicas biocompatíveis que podem ser feitas a partir de polímeros, como a quitosana, e a policaprolactona (PCL). A partir dessas estruturas podem-se fazer bandagens antimicrobianas e que aceleram a cicatrização, géis, nanoestruturas carreadoras que possuem a vantagem de uma maior penetração nas células, além de produtos inalatórios que podem ser absorvidos já nas vias aéreas. Esses materiais são biocompatíveis, o que significa que eles serão absorvidos pelo organismo sem causar reações adversas. Esses materiais biomédicos contendo doadores de NO e H2S vem sendo amplamente estudados e produzidos visando ao tratamento de doenças como o câncer, infecções microbianas, infecções virais, além de induzir a melhora da atividade respiratória.

 

Destacamos que o nosso grupo, coordenado pela professora Amedea Barozzi Seabra, na UFABC, é referência no desenvolvimento de nanomateriais e biomateriais  com doadores de NO para diferentes aplicações biomédicas, incluindo toxicidade em células tumorais e ações antimicrobianas, destacando ações antivirais. Entretanto, a inclusão do H2S ainda é novidade no grupo, assim como tema recente na comunidade cientifica. Desta forma, o grupo inaugura uma linha de pesquisa envolvendo nanomateriais biocompatíveis e inalatórios, englobando doadores de H2S e NO, individualmente e simultaneamente, a fim de avaliar a eficácia dessas moléculas frente aos danos pulmonares causados pelo COVID-19 e a sua ação antiviral. Além da ação antiviral, os compostos também serão testados em modelos biológicos com outros enfoques terapêuticos, como ação antitumoral (em colaboração com o grupo da professora Gisele Cerchiaro) e tratamento da infertilidade (em colaboração com o grupo da professora Marcella Milazzoto).

 

A professora Amedea Seabra atualmente orienta os programas de Biotecnociência, Biossistemas e Ciência e Tecnologia Química. Recentemente o grupo foi contemplado com bolsas de Doutorado (Joana Claudio Pieretti) e Mestrado (Caroline Martins Dominguez) na chamada emergencial da CAPES para o desenvolvimento de uma alternativa de tratamento utilizando doadores de NO e H2S para serem utilizados frente à COVID-19. Os resultados desta iniciativa serão observados no decorrer do próximo ano.

 

Destaca-se a importância de investimentos, públicos ou privados, no desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica nas universidades brasileiras. Estes investimentos possibilitam o desenvolvimento de novos produtos e estratégias que impactam diretamente a vida das pessoas na sociedade. Em situações como esta pandemia, a importância em investimentos na pesquisa é evidente.

 

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