Moléculas, luz e oxigênio: como a combinação desses três fatores pode nos auxiliar a tratar doenças? Conheça a terapia fotodinâmica (V.3, N.7, P.3, 2020)
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Divulgadores da ciência:
Nestes tempos em que a humanidade enfrenta uma pandemia, fica evidente a importância da busca por modalidades terapêuticas que permitam o tratamento adequado dos pacientes, tanto para doenças antigas como para novas doenças. No caso da atual pandemia, a luta para encontrar terapias que melhorem o quadro clínico dos pacientes do novo coronavírus se faz ainda mais intensa, e está estampada em todos os noticiários. Porém, este trabalho de exploração e desenvolvimento é uma constante entre os pesquisadores dos programas de pós-graduação das universidades brasileiras, que visam a propor novas alternativas ao tratamento de doenças “corriqueiras”.
Uma terapia alternativa que apresenta resultados bastante promissores para um grande número de doenças é a Terapia Fotodinâmica (TFD). Este procedimento emprega uma combinação de três fatores: um composto químico (fármaco) chamado de fotossensibilizador (FS), luz em comprimentos de onda adequados e moléculas de oxigênio.
No tratamento, depois de administrado ao paciente pela via mais adequada, o fármaco se acumula no tecido doente e após esse período, é “ativado” pela absorção da luz visível irradiada na região afetada. Por fim, o fármaco fotossensibilizador transfere parte dessa energia para as moléculas de oxigênio presentes no meio, o que ocasiona uma cascata de eventos que leva ao tratamento da enfermidade em questão. Assim, uma das vantagens associadas a esta técnica é o direcionamento do tratamento somente para a região irradiada, diminuindo os efeitos colaterais quando o fotossensibilizador empregado não é tóxico na ausência de luz.
Apesar de o termo parecer novidade para a grande maioria das pessoas, essa modalidade terapêutica foi proposta no início do século passado, a partir dos trabalhos de Oscar Raab e seu professor Hermann Von Tappeiner.
Raab e Von Tappeiner observaram que o corante acridina, quando exposto à luz, conseguia eliminar os protozoários Parameciumcaudatum, mas que o mesmo não acontecia na ausência de luz. Posteriormente, Von Tappeiner observou que a presença de moléculas de oxigênio também era fundamental.
Ao longo do século passado, várias moléculas foram testadas em laboratório e em ensaios clínicos. Entre elas, destaca-se a hematoporfirina (HP), que originou um protocolo de TFD aplicado ao tratamento de várias doenças proliferativas, desde infecções por microrganismo até o câncer.
Na segunda metade do século XX, Richard Lipson e colaboradores sintetizaram um derivado da hematoporfirina (HPD) que, na década de 90, foi o primeiro FS liberado pela FDA para uso comercial no tratamento do câncer aplicado ao protocolo da TFD e ficou conhecido como Photofrin®. Outros importantes fotossensibilizadores disponíveis comercialmente são o LevulanKerastick® e o Visudyne®.
Existem dois tipos de mecanismos consequentes à ativação do fármaco fotossensibilizador pela luz, as chamadas reações do Tipo I e do Tipo II. Ambos os mecanismos visam à formação de uma espécie muito reativa, chamada de oxigênio singlete. No mecanismo do Tipo I, a formação dessa espécie ocorre de forma indireta pela transferência eletrônica entre fotossensibilizador e as biomoléculas presentes no meio. Entretanto, nas do Tipo II essa formação ocorre de forma direta através da transferência de energia do fotossensibilizador para o oxigênio.
A luz visível é um tipo de onda eletromagnética que promove transições nos elétrons mais externos em uma molécula, tornando-a mais energética. Essa energia pode ser emitida pela molécula, por exemplo, através de processos radioativos (emissão de luz) ou, no caso dos fotossensibilizadores, pode ser transferida para outras moléculas. Um fármaco fotossensibilizador possui a capacidade de, após absorver luz, adquirir um estado energético semelhante ao do oxigênio molecular em seu estado fundamental (de menor energia). Sendo assim, este fármaco consegue transferir a energia absorvida pela luz para o oxigênio, que após uma série de processos, gera o oxigênio singlete que, como dito anteriormente, é muito reativo.
Para ser utilizado como fotossensibilizador um composto químico deve apresentar algumas características fundamentais, como, por exemplo, baixa ou nenhuma toxicidade no escuro, absorção da luz na região visível do espectro eletromagnético (400 nm – 780 nm), sendo que, quanto mais próximo da região do vermelho (700 nm-780 nm), maior o índice de penetração da luz, formar grandes quantidades de oxigênio singlete. Além disso, sua síntese, bem como de seus derivados, deve ser de fácil execução e reprodutibilidade, entre outros critérios.
As principais classes de compostos químicos utilizadas como fotossensibilizadores são as porfirinas e as benzoporfirinas como o Photofrin e o LevulanKerastick, as clorinas como o Visudyne e o Foscan, os derivados das clorofilas como os feoforbídeos, os macrociclos sintéticos como as ftalocianinas, e a classe de compostos não porfirinícos como as antraquinonas, as fenotiazinas, as cianinas, os xantenos e os curcuminóides.
No Brasil, os estudos com base nos protocolos da TFD tiveram início no final da década de 80, na UNICAMP, desde então as pesquisas nessa área ganham cada vez mais adeptos em diferentes centros de pesquisa pelo país. Além dos centros de pesquisa, o hospital Amaral de Carvalho, em Jaú-SP, já disponibiliza essa modalidade terapêutica para tratar diferentes tipos de câncer.
O Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFSC/USP) desenvolveu no ano de 2010 o projeto denominado “Terapia Fotodinâmica Brasil”, com o objetivo de difundir a prática da TFD no SUS para tratar o câncer de pele basocelular não-melanoma. Esse estudo contou com o apoio de agencias financiadoras do Brasil e de empresas privadas para o desenvolvimento dos equipamentos e de uma formulação de uso tópico com recursos nacionais, reduzindo significativamente o custo dessa modalidade terapêutica.
O estudo foi desenvolvido em hospitais, ambulatórios e clínicas espalhados pelo Brasil e de outros 9 países da América Latina e teve seus resultados divulgados em um relatório de 2018. Apesar de os resultados ressaltarem a eficácia do tratamento, bem como a diminuição dos recursos empregados para tratar o câncer de pele não-melanoma, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) em 04 de fevereiro de 2020 apresentou parecer contrário à implementação da TFD no SUS, porém a comissão ressaltou que, caso os autores apresentem novos dados ao relatório, pode-se realizar uma nova avaliação da implementação da TFD no SUS para esse tipo de câncer.
Apesar do parecer contrário, a TFD é bem difundida mundialmente, inclusive no Brasil, no tratamento de diversas doenças tópicas e sistêmicas além do câncer, por exemplo, lúpus, artrite reumatoide, vitiligo, miopia patológica, degeneração macular da retina, infecções microbiológicas da retina, diversos tipos de dermatites, acne severa e diversas infecções microbianas.
Por fim, vários grupos de pesquisa buscam arduamente novos candidatos a fotossensibilizadores que aumentem a eficácia da terapia e diminuam os custos de sua implementação. Na UFABC, destaca-se o grupo do Professor Anderson Orzari Ribeiro que, desde 2006, vem obtendo importantes resultados no que se refere à TFD.
Para saber mais sobre a TFD e os resultados apresentados pelo grupo acesse:
http://www.andersonorzari.com/pesquisa.html
https://www.scielo.br/pdf/abd/v85n4/v85n4a11.pdf
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