Energia eólica offshore, Amazônia Azul e interdisciplinaridade (V.2, N.9, P.3, 2019)

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Roberto Luiz Ramos é engenheiro eletrônico pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), mestre em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). É professor de engenharia de controle e pesquisador em modelagem, controle e simulação de turbinas eólicas offshore flutuantes na Universidade Federal do ABC (UFABC).

 

Amazônia Azul é um termo criado pela Marinha do Brasil para designar o vasto espaço marítimo que abrange a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil [1]. A denominação se refere especialmente aos imensos recursos naturais do nosso mar em comparação com os encontrados na mundialmente conhecida Amazônia Verde. Entre esses recursos, um dos mais conhecidos, explorados e discutidos é o petróleo. Apesar das inúmeras vantagens que a extração de petróleo offshore, isto é, no mar, tem gerado, envolvendo combustíveis, geração de energia, produtos químicos e plásticos, entre outros, diversos fatores ambientais, sociais, políticos e, principalmente, o fato de ser uma fonte não renovável de energia, indicam a necessidade de alternativas para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do planeta.

 

O que pouca gente sabe é que a Amazônia Azul dispõe de grande potencial de um recurso natural inesgotável capaz de gerar energia limpa: o vento offshore. Estudos [2,3,4] apontam potencial eólico significativo localizado no Oceano Atlântico Sul, em áreas marítimas das regiões nordeste, sul e sudeste do país, o qual, se aproveitado de forma adequada, poderá suprir grande parte das nossas necessidades de energia elétrica. A Tabela 1 mostra o potencial de geração de energia eólica offshore na ZEE do Brasil [2].

 

Tabela 1 – Potencial de geração de energia eólica offshore na ZEE do Brasil

Distância da Costa   Potencial Eólico Offshore
0 a 10 km 57 GW
0 a 50 km 259 GW
0 a 100 km 514 GW
0 a 200 M (ZEE) 1780 GW
Profundidade (Batimetria) Potencial Eólico Offshore
0 a 20 m 176 GW
0 a 50 m 399 GW
0 a 100 m 606 GW

Fonte: adaptado de [2].

 

As principais vantagens da energia eólica offshore no Brasil se devem não somente ao elevado potencial de geração de várias regiões marítimas, mas também à concentração de parte significativa da população brasileira em grandes cidades e capitais localizadas perto da costa. Por outro lado, o país já apresenta dificuldades na expansão da geração da energia limpa mais utilizada e difundida nas últimas décadas: a hidrelétrica com reservatório. A energia eólica onshore, isto é, em terra, que vem sendo implantada com grande sucesso em nosso país, especialmente na região nordeste, também enfrentará, eventualmente, alguns desafios para a sua expansão em larga escala, como o compartilhamento de espaços destinados a habitações, ao turismo ou a reservas ecológicas.

 

Em 26 de setembro de 2018, a Petrobras assinou um memorando de entendimentos com a empresa norueguesa Equinor envolvendo estudos conjuntos na área de energia eólica offshore [5]. Neste sentido, é importante destacar que o conhecimento científico e tecnológico alcançado pelo Brasil na área de Engenharia Oceânica voltada para petróleo e gás pode e deve ser aproveitado na transição para as energias renováveis do mar, em particular no que se refere à energia eólica offshore, como já vem ocorrendo na região do Mar do Norte.

 

Apesar de parte significativa do potencial eólico offshore brasileiro se localizar em águas rasas, próximo à costa, o que permite a instalação de plataformas fixas do tipo monopile, existe um imenso potencial eólico em águas profundas (profundidade maior que 50 m) [2,3,4], mostrado na Tabela 1 acima, cujo aproveitamento evitará problemas de poluição visual, ruído e uso de espaços marítimos de lazer, além de se basear em velocidades médias mais altas de vento e maiores fatores de capacidade. Porém, a viabilidade econômica da geração de energia eólica offshore em águas profundas pode exigir o emprego de plataformas flutuantes [6,7].

 

Geração de energia elétrica a partir de turbinas eólicas flutuantes em alto mar não é ficção científica! O primeiro parque eólico offshore flutuante do mundo, com potência instalada de 30 MW (cinco sistemas turbina-plataforma com 6 MW cada) entrou em operação em outubro de 2017, situado em Buchan Deep, no Mar do Norte, a 25 km de distância de Peterhead, na Escócia, fornecendo energia para cerca de 20000 casas [8].

 

A tecnologia é baseada no sistema Hywind Demo, desenvolvido pela Equinor com base em uma plataforma do tipo spar [9], que foi testado com sucesso durante oito anos em diferentes condições de vento e mar, chegando a atingir fator de capacidade de 50% em 2011. O sistema oceânico flutuante Hywind pode ser usado em profundidades de até 800 m, possibilitando a geração de energia em diversas áreas marítimas relevantes. A Figura 1 apresenta um esquema simplificado de uma turbina eólica offshore flutuante do tipo spar [10].

 

Figura 1 – Turbina eólica offshore flutuante do tipo spar

Fonte: adaptado de [10].

 

De forma geral, sistemas de energia eólica offshore devem ser projetados para sobreviver e operar com bom desempenho no ambiente oceânico, que apresenta condições variáveis e às vezes severas de vento e ondas, conforme ilustra a Tabela 2 [11].

 

Tabela 2 – Condições ambientais para energia eólica offshore

Velocidade Média do Vento (m/s) Estado do Mar Altura Significativa da Onda (m) Período de Pico da Onda (s)
 4,7 Fraco 0,88 7,0
 9,7 Moderado 1,4 8,6
 17,5 Grosso 4 10

Fonte: adaptado de [11].

 

A abordagem necessária para a implantação e operação bem sucedida de sistemas eólicos offshore, em particular os baseados em plataformas flutuantes, é de natureza interdisciplinar e integrada [10,12], envolvendo dinâmica, estruturas, hidrostática, hidrodinâmica, aerodinâmica, oceanografia, meteorologia, máquinas elétricas, modelagem matemática, controle automático e simulação computacional, além de logística e aspectos ambientais, econômicos, jurídicos e sociais. A Figura 2 ilustra a interdisciplinaridade em energia eólica offshore [10].

 

Figura 2 – Interdisciplinaridade em energia eólica offshore

Fonte: adaptado de [10].

 

Portanto, a formação de pessoal qualificado para energia eólica offshore, no âmbito da chamada economia azul (ou economia do mar), já exige hoje e exigirá cada vez mais no futuro uma abordagem interdisciplinar para o aproveitamento adequado dessa grande oportunidade de geração de energia limpa, empregos e desenvolvimento tecnológico para o nosso país e o mundo.

 

Referências bibliográficas:

 

[1] VIDIGAL, A.A.F. et al. Amazônia Azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro: Record, 2006. 308 p., ISBN: 9788501076144.

 

[2] ORTIZ, G.P.; KAMPEL, M. Potencial de energia eólica offshore na margem do Brasil. In: V SIMPÓSIO BRASILEIRO DE OCEANOGRAFIA (V SBO) – OCEANOGRAFIA E POLÍTICAS PÚBLICAS, Santos, SP, Brasil, 2011.

 

[3] PIMENTA, F.; KEMPTON, W.; GARVINE, R. Combining meteorological stations and satellite data to evaluate the offshore wind power resource of Southeastern Brazil. Renewable Energy, v. 33, p. 2375–2387, nov. 2008, DOI: 10.1016/j.renene.2008.01.012.

 

[4] GOMES, M.S.S.; DE PAIVA, J.M.F.; MORIS, V.A.S.; NUNES, A.O. Proposal of a methodology to use offshore wind energy on the southeast coast of Brazil. Energy, v. 185, p. 327–336, jul. 2019, DOI: 10.1016/j.energy.2019.07.057.

 

[5] PETROBRAS Celebramos memorando de entendimentos no segmento de energias renováveis com a Equinor, 26 set. 2018. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/celebramos-memorando-de-entendimentos-no-segmento-de-energias-renovaveis-com-a-equinor.htm>. Acesso em: 15 jul. 2019.

 

[6] ARAPOGIANNI, A.; GENACHTE, A. Deep water – the next step for offshore wind energy. European Wind Energy Association (EWEA), 2013, ISBN: 9782930670041.

 

[7] IRENA (INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY) Floating foundations: a game changer for offshore wind power, 2016. Disponível em: <https://www.irena.org/DocumentDownloads/Publications/IRENA_Offshore_Wind_Floating_Foundations_2016.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2019.

 

[8] EQUINOR Hywind Scotland: the world’s first commercial floating wind farm. Disponível em: <https://www.equinor.com/en/news/worlds-first-floating-wind-farm-started-production.html>. Acesso em: 18 jul. 2019.

 

[9] EQUINOR How Hywind works. Disponível em: <https://www.equinor.com/en/what-we-do/hywind-where-the-wind-takes-us.html#>. Acesso em: 18 jul. 2019.

 

[10] RAMOS, R.L. Linear quadratic optimal control of a spar-type floating offshore wind turbine in the presence of turbulent wind and different sea states. Journal of Marine Science and Engineering, v. 6(4), 151, dez. 2018, DOI: 10.3390/jmse6040151.

 

[11] DRISCOLL, F.; JONKMAN, J.; ROBERTSON, A.; SIRNIVAS, S.; SKAARE, B.; NIELSEN, F.G. Validation of a FAST model of the Statoil-Hywind Demo floating wind turbine. Energy Procedia, v. 94, p. 3-19, 2016, DOI: 10.1016/j.egypro.2016.09.181.

 

[12] BARTER, G. Moving toward cost-competitive, commercial floating wind energy. National Renewable Energy Laboratory, NREL/PR-5000-71659, jun. 2018. Disponível em: <https://www.nrel.gov/docs/fy18osti/71659.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2019.

 

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