Comer peixe cru é perigoso. Fato ou mito? (V7., N.10, P.5, 2024)

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Divulgadores da Ciência: Maria Clara Queiroz Candido, Murillo Simões de Miranda Siqueira, Pedro Prates Nieto, Thiago Lima Diniz, Victória de Carvalho dos Santos, Renata Simões.

Quem não gosta de comer um sashimi ou um sushi? Para quem gosta, além de serem deliciosos, apresentam uma série de benefícios para a saúde. Os peixes são alimentos ricos em proteínas, vitaminas, e minerais essenciais, como o ferro e cálcio. Além disso, os pescados são fonte de ácidos graxos ômega-3, um tipo de gordura que o corpo humano não produz e precisa recebê-la pela alimentação. Em decorrência de influências orientais, o consumo de peixe cru tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil. No entanto, este hábito pode trazer uma série de riscos à saúde dos consumidores. Os peixes são considerados altamente perecíveis. Peixes crus, mal-cozidos ou que não foram devidamente congelados, podem abrigar parasitas como o Anisakis, causador da anisaquíases, também conhecida como o verme do sushi, ocasionando sintomas como vômitos, diarreia e náuseas. Além disso, a fagiolose também é causada pelo consumo de peixe cru, que provoca cólicas, flatulência, diarreia e até mesmo emagrecimento. Sendo assim é importante estarmos muito atentos à forma de armazenamento e de consumo, com o intuito de garantir a segurança alimentar e evitar doenças advindas de alimentos, em razão do aumento da proliferação bacteriana nos pescados [1, 6, 7].

A carne de peixe crua não é a única que pode acarretar problemas para a saúde humana; outro exemplo é a carne suína ou bovina, que se consumidas cruas ou mal cozidas podem causar teníase e cisticercose. O consumo de carne de bovina também pode provocar infecções causadas por bactérias, como a salmonelose. Além das doenças causadas por parasitas e bactérias, a carne crua ou mal cozida também pode estar contaminada por vírus, como o da hepatite E que causa danos à saúde humana [3,4,5]. No entanto, quando a carne é congelada ou cozida, este risco à saúde humana parece ser minimizado. Particularmente para a carne de peixe, recomenda-se que o congelamento seja feito a -20°C ou inferior por sete dias ou que a cocção seja total [6].

Para verificar se de fato é perigoso comer peixe cru, nós fizemos um estudo de análise microbiológica da carne de peixe mantida em diferentes condições de armazenamento (fresco, congelado, ou cozido). Foram avaliadas amostras de filés de peixe de Tilápia fresco de mesma origem. Os filés de peixe foram divididos em 4 grupos experimentais para responder aos objetivos (Tabela 1).

Tabela

As amostras de peixe fresco foram adquiridas em mercado comercial local no dia anterior ao início do estudo. Para a técnica de congelamento, as amostras T2 e T4 foram armazenadas na embalagem do fabricante e colocadas em freezer de geladeira (-10°C) por 33 horas. Já as amostras T1 e T3 permaneceram na geladeira até o dia seguinte quando as avaliações foram realizadas.

Posteriormente, as amostras T3 e T4 foram submetidas à cocção por 2 minutos e 40 segundos, e 2 minutos e 28 segundos respectivamente. O tempo de cozimento foi determinado visualmente ao cortar o filé e verificar o cozimento interno da carne. Depois de preparar os filés de peixe, as amostras foram colocadas em placas de Petri, de acordo com o tratamento (T1 a T4) contendo 15 mL de meio de cultivo (LB Broth). Todas as placas foram mantidas em estufa bacteriológica a 37oC durante 7 dias consecutivos e registrado em imagens fotográficas.

Olhando para os resultados obtidos (Figura 1) podemos dizer que houve desenvolvimento de microrganismos nas amostras de peixe fresco (T1) e congelado (T2). Já as amostras que passaram pelo processo de cozimento (T3 e T4) não apresentaram crescimento de microrganismos. De fato, o tratamento térmico é eficaz para diminuir o crescimento de bactérias quando submetido a uma temperatura de -20ºC por até sete dias ou a uma temperatura de -35ºC por um período superior a 15 horas [2, 6]. No nosso estudo, o tratamento térmico foi feito a -10ºC durante 33 horas, para simular uma situação de armazenamento do peixe em uma geladeira doméstica convencional. Diante do que observamos, podemos dizer que congelar o peixe a -10°C não é uma forma eficiente de impedir o crescimento de bactérias. Por outro lado, quando olhamos para as amostras de peixes que foram cozidas (T3 e T4) percebemos que o processo de cocção, quando realizado de forma adequada (cozimento completo do alimento), é uma forma eficaz de prevenir a proliferação de parasitas e bactérias no alimento.

Figura 1

Figura 1 – Placas de petri utilizadas para avaliar diferentes formas de armazenamento de carne de peixe após 7 dias de experimento.Legenda: T1: amostra de peixe fresco; T2: amostra de peixe fresco submetida ao congelamento; T3: amostra de peixe fresco submetida à cocção; e T4: amostra de peixe fresco submetida ao congelamento e posterior cocção.

Com esse estudo foi possível mostrar que a carne de peixe crua permite a proliferação de microrganismos, mesmo quando armazenadas em geladeira ou freezer. No entanto, quando este alimento passa pelo processo de cozimento, o desenvolvimento de bactérias não ocorre com a mesma velocidade.

Você não precisa deixar de comer seu sushi ou sashimi! Contudo, você deve se atentar a procedência do peixe. Além disso, não podemos esquecer que, apesar de não termos avaliado se as bactérias que cresceram nas amostras de peixe neste estudo podem causar danos à saúde das pessoas, é de suma importância que o consumo de peixe cru por parte de pessoas imunossuprimidas, crianças, idosos e gestantes deve ser controlado, a fim de evitar eventuais complicações médicas.

Referências:
[1] ALEXANDRE, Ana Cláudia Silveira et al. Qualidade de peixes: uma breve revisão. Avanços em Ciência e Tecnologia de Alimentos, [s. l.], v. 4, 2021.
[2] ALVES, N. E. G. et al. Efeito dos diferentes métodos de cocção sobre os teores de nutrientes em brócolis (Brassica oleracea L. var. Italica). Revista do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, v. 70, p. 507-513, 2011.
[3] CARNE de vaca picada e salmonelose humana: revisão da investigação de três surtos ocorridos em França. [S. l.]: Euro Surveill, 2001. Disponível em: https://ury1.com/dWhLy. Acesso em: 22 jul. 2023.
[4] GANC, Arnaldo José; CORTEZ, Tamara Leite; VELOSO, P. P. A. A carne suína e suas implicações no complexo teníase-cisticercose. Santa Catarina, 2004.
[5] LOBATO, Luz Marina Pedra Fernandes. Determinação da prevalência de anticorpos contra o vírus da hepatite e numa população de dadores de sangue da região autónoma da Madeira. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado em Tecnologias Clínico-Laboratoriais) – Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, [S. l.], 2022.
[6] MASSON, Maria Lucia; PINTO, Roger de Almeida. Perigos potenciais associados ao consumo de alimentos derivados do peixe cru. Boletim do Centro de Pesquisa de Processamento de Alimentos, [s. l.], v. 16, ed. 1, p. 71-84, 1998.
[7] RALL, V.L.M., Cardoso, K.F.G. e Xavier, C. Enumeração de coliformes termotolerantes em pescados frescos e congelados. PUBVET, Londrina, V. 2, N. 39, Out, 2008.

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