Inteligência Artificial, Sonho, Pesadelo ou Evolução? (PT.1)

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Divulgadores da Ciência: Annibal Hetem Junior.

Antes mesmo de Alan Turing definir a inteligência artificial (IA) em seu trabalho seminal “Intelligent Machinery” em 1948, já existiam referências e investigações acadêmicas sobre o tema. Os estudos datam de 1943, com as contribuições de Warren McCulloch e Walter Pitts nos Estados Unidos, que estabeleceram as bases para o campo da IA (Russell e Norvig, 2010, p. 16). O termo “inteligência artificial”, no entanto, só foi utilizado pela primeira vez em 1956 por John McCarthy durante uma palestra no Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire (Kaplan, 2016, p. 13).

No século XX, enquanto o desenvolvimento científico da IA avançava lenta e cumulativamente, escritores de ficção científica imaginavam futuros onde máquinas pensantes coabitavam com a humanidade. Nomes como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, William Gibson, Philip K. Dick e Aldous Huxley se destacaram por suas visões inovadoras. Outros, como Karel Čapek e Jorge Luiz Calife, embora talentosos, não obtiveram o mesmo sucesso comercial. A liberdade artística do gênero permitiu a criação de sagas literárias incríveis, como a série “Perry Rhodan”, iniciada em 1961 na Alemanha, que alcançou a marca de 3229 histórias em 6 de julho de 2023.

A ciência busca a verdade de forma imparcial, mas a imaginação é moldada pelos valores culturais, experiências de vida e o “espírito da época”. Obras como “1984”, de George Orwell, refletem os atos desumanos da URSS, enquanto as utopias de Asimov e os primeiros anos de “Perry Rhodan” foram influenciados pela Guerra Fria.

Ao classificar as histórias de IA, podemos identificar três tipos distintos:

  • Tipo A – A IA destrói a humanidade

Desde o trabalho pioneiro de Karel Čapek, a IA é frequentemente vista como uma ameaça existencial. Na peça teatral “R.U.R.” (1920), Rossum cria um robô cujo primeiro ato é matar seu criador. Essa abordagem, presente em inúmeras obras de ficção científica, retrata a IA como uma força destrutiva, irreconciliável com a humanidade. Um exemplo marcante é a saga “Duna”, de Frank Herbert, que descreve uma guerra entre humanos e máquinas, resultando na abolição dos computadores.

  • Tipo B – A IA convive como escrava da Humanidade, ajudando a formar uma utopia.

Essa abordagem mais rara, talvez porque imaginar um mundo onde criações mais inteligentes que nós são dóceis e servientes seja tedioso. Um exemplo é a série “Star Trek”, onde a IA é mantida (quase sempre) sem iniciativa própria.

Poster série original Star Trek com os protagonistas no papel de Spock e Kirk. Foto: https://www.themoviedb.org/tv/253-star-trek/images/posters?image_language=en

  • Tipo C – A IA muda para sempre a Humanidade

Isaac Asimov imaginou um universo onde a IA, guiada pelas Três Leis da Robótica, convive construtivamente com a humanidade. No entanto, essa convivência leva à decadência humana, com as máquinas eventualmente abandonando os humanos para seu próprio bem. Asimov descreve a IA como uma raça mais limpa e melhor que a nossa, destacando a complexidade das relações entre humanos e máquinas.

Além dessas três categorias, pensadores contemporâneos como Yuval Noah Harari, em “Homo Deus”, especulam sobre os impactos civilizatórios da IA. Muitas dessas especulações caem nos tipos A e B, alertando sobre um futuro onde a humanidade não mais compreende o funcionamento e as motivações de uma IA em constante evolução.

Os limites da IA são tema de debates acalorados. O argumento do “quarto chinês” de John Searle (1980) sugere que um programa de computador não pode, por si só, alcançar a consciência. Embora existam programas que passam no Teste de Turing, ainda não possuem estados mentais cognitivos próprios. A experiência teórica de Searle levanta dúvidas sobre a capacidade da IA de desenvolver consciência.

 

E quais os limites da IA? Se é que existem limites…

Os avanços na inteligência artificial são inegáveis, mas será que existem limites para essa evolução? Muitos acreditam que a IA pode se desenvolver sem fronteiras, mas há quem defenda que há um obstáculo intransponível: o pensamento genuíno.

Para entender esse ponto de vista, precisamos revisitar o argumento do “quarto chinês”, proposto por John Searle em 1980. Imagine um homem trancado em um quarto, repleto de símbolos chineses. Ele não fala nem entende chinês, mas possui um livro de instruções em inglês que explica como responder a perguntas em chinês. Pessoas do lado de fora enviam perguntas escritas, e ele, seguindo as instruções do livro, devolve respostas corretas. Para os observadores, parece que o homem entende chinês, mas, na realidade, ele está apenas manipulando símbolos sem compreender seu significado.

Essa analogia levanta uma questão fundamental: se o homem no quarto não entende chinês, um programa de computador que processa símbolos pode realmente compreender o que está fazendo? Searle argumenta que, embora programas de IA possam simular a compreensão, eles não possuem estados mentais genuínos ou consciência de si mesmos.

Apesar de a IA ser capaz de passar no Teste de Turing, demonstrando comportamento semelhante ao humano, isso não implica uma verdadeira compreensão ou consciência. “Símbolos formais por si só não são suficientes para criar conteúdo mental, pois os símbolos não têm significado próprio, exceto aquele que é atribuído por um observador externo” (John Searle, “Artificial Intelligence and the Chinese Room: An Exchange”).

Então, até onde a IA pode chegar? Os limites parecem estar na capacidade de desenvolver estados mentais autênticos e consciência. Enquanto a IA pode processar informações e realizar tarefas complexas, a compreensão verdadeira e a experiência subjetiva permanecem exclusivas aos seres humanos, o que leva ao questionamento do quão preocupante são os avanços da ferramenta

Para saber mais:

  • Alan Mathison Turing (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Turing) foi matemático, cientista e criptoanalista. Turing contribuiu com o desenvolvimento das ciências da computação, proporcionando a formalização dos conceitos de algoritmo e computação com a máquina de Turing, que pode ser considerada o primeiro um computador de uso geral. É considerado o pai das ciências da computação e da inteligência artificial.
  • Turing AM (1950) Computing machinery and intelligence. Mind 49:433–460
  • Russell SJ, Norvig P (2010) Artificial intelligence: a modern approach, 3rd edn. Prentice-Hall, Upper Saddle River
  • Kaplan J (2016) Artificial intelligence: what everyone needs to know. Oxford University Press, Oxford
  • Saga Perry Rhodan https://pt.wikipedia.org/wiki/Perry_Rhodan .
  • https://gizmodo.uol.com.br/ia-comeca-a-ser-usada-para-corrigir-provas-de-alunos/.
  • Quarto chinês https://pt.wikipedia.org/wiki/Quarto_chin%C3%AAs .
  • Inteligência artificial generativa https://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncia_artificial_generativa

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