A importância da imaginação especulativa: Quando a ficção científica se torna realidade (V.7, N.8, P.4, 2024)

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Divulgadoras e Divulgadores da Ciência: por Enrique Nascimento Lima, Loredana Paula de Oliveira e Silva e Pedro Morais; editado e revisado pela Prof.a Carla Rodrigues Almeida

 

É fato que a ficção científica é um gênero muito imaginativo e especulativo. Nas obras desse gênero os autores costumam explorar diversas questões, que envolvem desde viagens no tempo até invasões alienígenas. Mas será que essas histórias são puramente fantasiosas e não possuem nenhuma correlação com o mundo em que vivemos?

Segundo Gene Roddenberry, criador da famosa franquia Star Trek, “[…] a ficção científica é uma maneira de pensar, um caminho lógico que desvia de muitos absurdos. Ela permite que as pessoas olhem diretamente para assuntos importantes”. Nesse sentido, podemos definir a ficção científica como um gênero que está diretamente ligado a questões pertinentes à nossa sociedade, como o avanço da inteligência artificial, a ética na ciência, e até mesmo questões raciais e de gênero.

Além do mais, muitos escritores do gênero já chegaram a prever diversos avanços na ciência, como o surgimento de smartphones, e também nos alertaram sobre crises ambientais e políticas, como mostraremos a seguir.

Snow Crash – Neal Stephenson, a realidade virtual e o metaverso

Imagem: Capa da edição em inglês do romance Snow Crash, de Neal Stephenson. Disponível (fair use) em https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=589540.

 

O romance Snow Crash, publicado em 1992, traz diversas questões referentes à ciência e tecnologia. A história se passa em um futuro distópico, no qual, após o colapso do governo, o mundo está dividido em cidades-estado controladas por corporações privadas, em um sistema neofeudal. A obra é muito conhecida por ter criado o termo metaverso, que se refere a tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada, que são espaços digitais que podem servir para entretenimento, educação, jogos, comércio e muito mais. 

Recentemente, o termo metaverso tem ganhado muita popularidade. Em 2021, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou a mudança do nome do Facebook Inc. para Meta. Embora as redes sociais do conglomerado (Facebook, Instagram, Threads e Whatsapp) continuem com o mesmo nome, tal mudança foi significativa e representa um grande interesse empresarial no investimento em realidades virtuais. 

“No metaverso, você será capaz de fazer quase tudo que você possa imaginar – reunir-se com amigos e família, trabalhar, aprender, brincar, fazer compras, criar – bem como ter experiências completamente novas que realmente não se encaixam em como pensamos sobre computadores ou telefones hoje”. 

Mark Zuckerberg, 2021

Embora pareça algo positivo, é importante discutir os impactos culturais e sociais que o metaverso pode ter na sociedade. Questões como privacidade, segurança virtual, ética e controle corporativo precisam ser debatidas nesse contexto. Ainda mais quando a principal empresa envolvida no investimento de realidades virtuais é o Facebook, que já esteve envolvido em episódios de uso ilícito das informações pessoais dos usuários. 

 

2001: Uma Odisseia no Espaço – Stanley Kubrick e a Inteligência Artificia

O filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, lançado em 1968 e dirigido por Stanley Kubrick, também traz diversos conceitos futuristas e tecnológicos que, de certa forma, já se tornaram realidade. Considerado um clássico por sua narrativa não convencional e interpretativa, o filme é uma ficção científica sobre jornada espacial e evolução. 

No filme, os astronautas fazem uso de uma inteligência artificial, o HAL 9000, que tem o objetivo de ajudá-los e orientá-los durante a missão espacial. É mostrado que essa IA possui uma personalidade própria, bem como uma interação forte com os seres humanos. 

Ao longo da trama, percebe-se que alguns questionamentos éticos também são levantados, em relação à confiabilidade que os personagens têm neste dispositivo. Isso porque o HAL começa a fornecer instruções duvidosas e questionáveis, que levam os astronautas a cometer diversos erros. 

Atualmente, podemos relacionar essa ideia de IA com diversos avanços da ciência e tecnologia que houverem desde o lançamento do filme. O GPT (do inglês, Generative Pre-trained Transformer) é atualmente considerado um marco no campo da inteligência artificial, mas especificamente dentro da linguagem neural. O programa consegue responder e gerar textos de maneira coesa, bem como fornecer informações e realizar tarefas de maneira eficiente. 

A base do GPT é a arquitetura Transformer, que revolucionou o processamento de linguagem natural ao introduzir mecanismos de auto atenção, permitindo que o modelo capture relações complexas entre palavras e contextos, resultando em um melhor entendimento e geração de texto. A atenção é um dos pilares do sucesso do GPT, pois avalia a importância relativa das palavras em relação a outras palavras na mesma sentença ou parágrafo. Isso permite que o modelo considere o contexto de maneira dinâmica, com respostas coerentes e relevantes. A geração de texto é uma combinação de palavras e contexto. Com base no contexto fornecido, o modelo prevê a próxima palavra ou frase mais provável, considerando as relações entre as palavras e o que foi aprendido durante o treinamento.

 

Eu, Robô: Isaac Asimov e a Robótica 

Eu, Robô é uma coletânea de contos de ficção científica publicada em 1950, do escritor Isaac Asimov. Os contos abordam diversas questões relacionadas à ciência e tecnologia, como os limites éticos da inteligência artificial e os avanços da robótica, temas que são muito relevantes hoje em dia. 

O livro é um conjunto de nove contos, que são interconectados entre si através de uma personagem, a Dra. Susan Calvin, que relata aspectos da evolução dos autômatos através dos anos. Na obra, são apresentadas as três leis da robótica, ideia que representou um marco e mudou definitivamente a percepção que a sociedade tinha, até então, sobre robôs e IAs. 

São elas: 

  1. Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra danos; 
  2. Um robô deve obedecer às ordens dadas pelos seres humanos; 
  3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que isso não entre em conflito com a primeira ou segunda lei. 

Embora essas três leis sejam criações especulativas da ficção, podemos afirmar que elas influenciaram diretamente em certas discussões na sociedade. Isso porque elas trouxeram a tona questões de ética na inteligência artificial e na automação, e inspiraram o desenvolvimento de diretrizes nesse sentido, como os Princípios de Montreal para IA , a Lei de Proteção de Dados e Privacidade (LGPD) e as diretrizes para ética da IA da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

 

Planeta Fantástico (Le Planet Savage): René Laloux e a crítica à colonização 

Planeta Fantástico é uma animação francesa de ficção científica lançada em 1973 e dirigida por René Laloux. A história se passa em um planeta alienígena chamado Ygam, no qual os seres humanos, chamados de Oms, são escravizados e tratados como seres de estimação pelos Draags, que são criaturas azuis gigantes. A trama gira em torno do personagem Terr, um Om que lidera uma revolução para a libertação da sua espécie. 

Apesar de ser uma obra fantástica, que se passa em outro planeta, o filme possui uma mensagem social muito presente. O planeta Ygam pode ser entendido como uma previsão ou reflexão de cenários na Terra, onde uma raça é colocada como superior a outra. Assim, podemos relacionar os temas presentes no filme, como exploração, opressão e desigualdade com as problemáticas raciais e sociais que vivemos hoje, como racismo e xenofobia.

Além disso, a relação que o filme estabelece dos Draags com os Oms pode ser interpretada de diversas maneiras. Uma delas seria de que tal relação é uma analogia ao processo de invasão e genocídio das Américas, no qual, através de ideias racistas de superioridade do homem branco, os nativos foram exterminados e escravizados. 

 

Star Trek: prevendo tecnologias futuras 

A série de televisão Star Trek, de 1966, também faz parte do grupo de obras da ficção científica que previram algum avanço tecnológico. A história se passa no século 23, e gira em torno de viagens interplanetárias da tripulação da nave estelar USS Enterprise, mostrando o contato com civilizações alienígenas, diferentes regiões do espaço e os desafios científicos enfrentados. 

Hoje, mais de 50 anos após o lançamento da série, podemos apontar que muitos conceitos mostrados na obra já se tornaram realidade, como os Tablets, cartões de memória, transcrição de voz, vídeo chamadas e até mesmo um Headset Bluetooth.

 

Imagem: Personagem Uhura da série de televisão Star Trek, interpretada pela atriz Nichele Nichols. (Domínio público: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20446274)

 

Além disso, algo que vale apontar é que a série também aborda diversos temas sociais a partir da ficção, como preconceito, igualdade racial e temas políticos e étnicos. Na série, a atriz Nichelle Nichols, que interpretava a personagem Uhura, protagonizou o primeiro beijo inter-racial da história da televisão, com seu parceiro de cena William Shatner, que interpretou o personagem Capitão Kirk.

 

Referências: 

CANADA 2018. Declaração de Montreal Pelo Desenvolvimento Responsável da Inteligência Artificial. Relatório Técnico disponível em: 

https://www.sbmac.org.br/wp-content/uploads/2021/02/Portugue%CC%82s-UdeM_Decl-IA Resp_LA-Declaration_vf.pdf 

Acessado em 17 de Agosto de 2023. 

BRASIL 2020. Guia de Boas Práticas: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. SouGov. Relatório técnico disponível em: 

https://www.gov.br/governodigital/pt-br/seguranca-e-protecao-de-dados/guias/guia_lgpd.pdf Acessado em 17 de Agosto de 2023. 

UNESCO 2O22. Recomendação Sobre a Ética da Inteligência Artificial. Relatório Técnico disponível em: 

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381137_por 

Acessado em 17 de Agosto de 2023. 

KAKU, MICHIO (2010). Física do Impossível: Uma exploração pelo mundo de Phasers, Campos de Força, Teletransportes e Viagens no Tempo. 1ª Edição, Editora Rocco.

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