PETases – Emprego da biotecnologia na hidrólise do plástico PET (V.6. N.5. P.7, 2023)

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Divulgador: Wanius José Garcia da Silva

Os materiais plásticos derivados de petróleo vêm sendo utilizados pela humanidade há mais de um século e permeiam todos os aspectos da vida moderna, devido ao seu baixo custo de produção, alta durabilidade, resistência e impressionante versatilidade [1]. Os principais polímeros derivados de petróleo utilizados para a produção de plásticos economicamente importantes são o poliuretano (PU), o polietileno (PE), a poliamida (PA), o polietileno tereftalato (PET), o poliestireno (PS), o cloreto de polivinil (PVC) e o polipropileno (PP) [2]. O PU é encontrado em roupas e colchões, o PE é muito empregado em embalagens e revestimentos de cabos elétricos, a PA é comumente conhecida como náilon, o PET está presente em embalagens, o PS é conhecido como isopor, o PVC é utilizado na fabricação de canos e calçados e o PP encontrado em tecidos e consoles de carros. Os materiais plásticos são essenciais para as áreas da saúde e automobilística, por exemplo [2]. Na área da saúde, o uso de materiais plásticos permite o controle na transmissão de doenças, já que o mesmo é um material barato de uso individual e pode ser facilmente esterilizado e descartado. Já na área automobilística, a introdução desses tipos de materiais em veículos diminui seu custo e seu peso, o que aumenta a sua eficiência energética.

Originalmente desenvolvidos para evitar a utilização de produtos de origem animal, os plásticos se tornaram agora tão difundidos que sua liberação na biosfera e o acúmulo em aterros sanitários estão criando uma crise ambiental em escala global sem precedentes. Decerto, plásticos são encontrados amplamente em todos os oceanos da Terra, no solo e, mais recentemente, microplásticos foram observados arrastados no ar [3]. A liberação de materiais plásticos no meio ambiente em escala planetária levou à descoberta subsequente de múltiplos sistemas biológicos capazes de degradar polímeros produzidos pelo homem para uso como fonte de carbono e energia. Esses sistemas de degradação de materiais plásticos oferecem um ponto de partida para aplicações da biotecnologia rumo a uma economia circular de materiais (a economia circular associa o desenvolvimento econômico a um melhor uso dos recursos naturais).

Entre os polímeros sintéticos fabricados atualmente, o PET é o mais abundante, feito de ácido tereftálico (TPA) derivado do petróleo e etilenoglicol (EG). A durabilidade e outras propriedades físicas favoráveis tornaram o PET um dos plásticos mais amplamente utilizados na Terra. Dada à prevalência de enzimas esterases na Natureza, à biodegradação de PET tem sido muito estudada por quase duas décadas, com várias enzimas cutinases descritas com capacidade de realizar a despolimerização [4].

Figura: Esquerda: a garrafa PET é composta de polietileno tereftalato (PET), um polímero de alta massa molecular feito de ácido tereftálico (TPA) e etilenoglicol (EG). Direita: a bactéria I. sakaiensis revelou uma enzima PETase que ataca o polímero PET. Estrutura cristalográfica da PETase da I. sakaiensis (PDB 5XG0, https://www.rcsb.org/structure/5XG0). Centro: ao hidrolisar o PET, a enzima produz ácido mono-(2-hidroxietil) tereftálico (MHET), ácido tereftálico (TPA) e bis-2(hidroxietil) tereftalato (BHET). O produto solúvel MHET é posteriormente hidrolisado pela enzima MHETase para produzir TPA e EG. Figura adaptada da referência [4].

Em 2016, Yoshida e colaboradores [4] relataram a descoberta e caracterização da bactéria de solo denominada Ideonella sakaiensis 201-F6, que emprega um sistema de duas enzimas para degradar o PET em TPA e EG, que são posteriormente catabolizadas como fonte de carbono e energia. A caracterização de I. sakaiensis revelou a enzima PETase, uma serina hidrolase semelhante à cutinase que ataca o polímero PET, liberando bis-(hidroxietil) tereftalato (BHET), mono(2-hidroxietil) tereftalato (MHET) e TPA (Figura). A PETase cliva BHET em MHET e EG, e o produto solúvel MHET é posteriormente hidrolisado pela enzima MHETase para produzir TPA e EG. Estruturas cristalográficas de alta resolução e estudos bioquímicos da PTEase de I. sakaiensis revelaram uma arquitetura de sítio ativo aberto que é capaz de se ligar aos oligômeros de PET [4]. A enzima PETase provavelmente deve seguir o mecanismo catalítico da serina hidrolase canônica, porém questões em aberto permanecem em relação à mobilidade de certos resíduos de aminoácidos durante o ciclo catalítico [4]. Por outro lado, a estrutura e a função da enzima MHETase são muito menos caracterizadas, com apenas dois estudos publicados até o momento.

As grandes quantidades de PET que são liberados e se acumulam no nosso ecossistema representam sem dúvida um grande desafio ambiental. Enzimas que atuam na hidrólise de PET, ou seja, que decompõem esse plástico em seus blocos de construção podem fornecer uma solução ecológica para o acúmulo de PET no meio ambiente. A enzima PETase de I. sakaiensis exibiu excelente desempenho na hidrólise e, portanto, possui um grande potencial na decomposição do PET como também em outras aplicações biotecnológicas.

Referências

[1] Webb, H., Arnott, J., Crawford, R. & Ivanova, E. Plastic degradation and its environmental implications with special reference to poly(ethylene terephthalate). Polymers, 5, 1–18 (2013).

[2] Danso, D., Chow, J., Streit, W. Plastics: Environmental and Biotechnological Perspectives on Microbial Degradation. Applied and Environmental Microbiology, 85, e01095-19 (2019).

[3] Ferrario, V., Pellis, A., Cespugli, M., Guebitz, G. & Gardossi, L. Nature inspired solutions for polymers: will cutinase enzymes make polyesters and polyamides greener? Catalysts, 6, 205 (2016).

[4] Han, X., Liu, W., Jian-Wen Huang, J.W., Ma, J., Zheng, Y., Ko, T.P., Xu, L., Cheng, Y.S., Chen, C.C., Guo, R.T. Structural insight into catalytic mechanism of PET hydrolase. Nat. Commun. 8, 2106 (2017).

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