Resolvendo problemas científicos através de desafios globais (V.6. N.5. P.1, 2023)

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Divulgadores da ciência: Roberto G. Beraldo, Leonardo A. Ferreira, Fernando S. de Moura, John A. Sims, André K. Takahata e Ricardo Suyama

A ciência é uma atividade humana que convive com uma forte contradição: Seu desenvolvimento se dá a partir da colaboração entre os pesquisadores, mas há também competição em vários níveis [1]. A Internet possibilitou estimular a interação de diferentes grupos de pesquisa através da elaboração de desafios globais, na qual a comunidade científica identifica e destaca um determinado problema do mundo real que não está totalmente resolvido e que pode trazer grandes benefícios ao ser resolvido. Essas iniciativas podem estar vinculadas às sociedades científicas, universidades, bem como às fundações privadas. Um exemplo são os desafios propostos pela Bill & Melinda Gates Foundation, que buscam resolver os principais problemas globais de saúde e desenvolvimento.

Na última década, essa também tem sido uma prática comum nas áreas de processamento de sinais, computação e aprendizado de máquina. Tudo começa com a descrição do desafio, suas regras e a disponibilização pública e gratuita de uma base de dados. Com isso, grupos de pesquisa de qualquer localização podem disponibilizar os algoritmos desenvolvidos e seus resultados. Isso possibilita o avanço do entendimento daquele tema, gerando a produção de artigos científicos e, em alguns casos, até prêmios em dinheiro. Uma vez que a base de dados utilizada no desafio permanece pública, também é importante para encorajar futuros grupos a continuarem trabalhando naquele problema. 

Vamos agora para alguns exemplos:

  1. A Sociedade de Processamento de Sinais do IEEE tem uma página com diversos desafios realizados entre 2012 e 2022. Além disso, há desafios que são associados à congressos organizados pelo próprio IEEE. Nesses dois casos, os temas são muito variados e incluem cancelamento de eco acústico, supressão de ruído em áudios e detecção de ovos de parasitas em imagens microscópicas;
  2. A Associação Americana de Físicos na Medicina possui uma página na qual diversos desafios relacionados com a geração de imagens médicas podem ser encontrados, como o desafio de cosmografia computadorizada de baixa dose e o de tomografia computadorizada de visão esparsa;
  3. A Sociedade Radiológica da América do Norte possui uma página em que busca a aplicação de inteligência artificial na solução de problemas, como na detecção de COVID-19, detecção de tumor cerebral, de embolismo pulmonar e de hemorragia intracranial;
  4. Existem também plataformas específicas para o desenvolvimento desses desafios. Uma delas é a Grand Challenge, na qual diferentes eventos podem organizar seus desafios.

Uma iniciativa desse tipo também foi realizada pela Sociedade Finlandesa de Problemas Inversos, com pesquisadores associados à Universidade de Helsinki. Entre eles está o professor doutor Fernando Silva de Moura, do curso de Engenharia Biomédica da UFABC, que realizou pós-doutorado nesta universidade. Eles escolheram um problema e o levaram para um nível de dificuldade que seja extremo, de modo que as técnicas tradicionais não mais eram adequadas:

  • Assim, em 2021, aconteceu o Helsinki Deblur Challenge (HDC2021), na qual duas câmeras tiravam foto de uma mesma tela onde eram projetadas imagens de texto e naturais. Enquanto uma câmera estava com o foco ajustado, a segunda câmera ia sendo cada vez mais desfocada, gerando imagens borradas (do inglês blurred). O desafio continha 20 níveis de dificuldade, sendo o nível 0 as próprias imagens nítidas e o nível 19 as imagens mais borradas. 
  • Logo, o desafio consistia em realizar o deblurring, isto é, restaurar as imagens nítidas a partir das imagens borradas. A Figura 1 mostra um exemplo de imagem natural e um exemplo de imagem de texto do desafio. Esses dados foram disponibilizados gratuitamente.

Figura 1: Duas imagens nítidas e focadas do HDC2021 e suas respectivas versões borradas. As imagens foram obtidas com duas câmeras, uma sempre focada e outra com perda de foco em 20 níveis diferentes. Para ilustrar, da esquerda para a direita os respectivos níveis são 0 (imagem nítida), 4 (falta de foco leve) e 15 (grande falta de foco). As imagens borradas são distribuídas para as equipes, que deveriam escrever algoritmos para recuperar as imagens nítidas. Figura adaptada de [2] e sobre licença CC-BY.

  • Um grupo de pesquisa de alunos da pós-graduação em Engenharia da Informação participou desse desafio e um exemplo dos resultados obtidos é mostrado na Figura 2. Essa participação resultou em um artigo publicado em periódico internacional que pode ser acessado em [3].

Figura 2: Dois exemplos de deblurring (Fonte: Próprios autores). Na esquerda estão as imagens obtidas pela câmera focada. No centro estão as imagens obtidas pela câmera desfocada. Na direita, estão as imagens recuperadas pelo algoritmo proposto pelo grupo de pesquisa da UFABC. Para avaliar a qualidade do deblurring da abordagem, os caracteres nas imagens recuperadas são lidos por um optical character reader (OCR, um algoritmo que identifica caracteres numa forma automática) e assim a taxa de sucesso é estabelecida. Visualmente, apesar das imagens recuperadas aproximarem bem as imagens originais, existem algumas falhas que dificultam a leitura dos caracteres com o OCR, como na imagem superior, a letra “t” inicial, e uma linha horizontal da “F”, na mesma linha.

A participação em desafios internacionais é uma ótima oportunidade de testar algoritmos que o grupo já pesquisa, servindo como uma espécie de termômetro para a comparação dos resultados. Eles permitem que se esteja sempre atualizado em relação ao estado da arte daquele problema, trazendo o conhecimento e desenvolvimento de novas propostas, bem como abrindo caminhos de interação com grupos de pesquisa do mundo inteiro. 

Referências bibliográficas:

  1. Ellemers N. Science as collaborative knowledge generation. Br J Soc Psychol. 2021 Jan;60(1):1-28. doi: 10.1111/bjso.12430.
  2. JUVONEN, Markus; SILTANEN, Samuli; MOURA, Fernando Silva de. Helsinki Deblur Challenge 2021 open photographic dataset. Zenodo, 9 jun. 2021. Disponível online em: http://dx.doi.org/10.5281/ZENODO.4916176. Acesso em: 28 jan. 2023.
  3. FERREIRA, Leonardo A.; BERALDO, Roberto G.; TAKAHATA, André K.; SUYAMA, Ricardo. Restoring severely out-of-focus blurred text images with Deep Image Prior. Inverse Problems And Imaging, [S.L.], p. 0, 2022. American Institute of Mathematical Sciences (AIMS). http://dx.doi.org/10.3934/ipi.2022064.

 

Imagens:

Imagem de capa

https://pixabay.com/illustrations/background-data-network-web-3228704/

Para maiores informações sobre a licença, ver https://pixabay.com/service/terms/

Figura 1

https://www.fips.fi/HDCdata.php

Para mais informações sobre a licença, acessar https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

 

 

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