Presunto fatiado: o que os olhos não veem… o seu organismo pode sentir! (V.6. N.3. P.1, 2023)
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Você é do tipo de consumidor(a) que, quando vai à padaria ou ao mercado para comprar “frios” (queijos e embutidos, por exemplo), prefere pedir para fatiar na hora de comprar a embalagem fechada vinda da indústria? Este é um hábito bastante comum nesses estabelecimentos, já que muitas pessoas preferem comprar apenas a quantidade que irão consumir. Já outros(as) consumidores(as) preferem fatias mais grossas (ou mais finas) do que aquelas que estão nas embalagens lacradas. Mas qual o problema em comprar esse tipo de produto de forma personalizada?
Essa prática de comprar produtos processados e industrializados como o presunto de forma fracionada, ou seja, quando a embalagem lacrada na fábrica é aberta e manipulada no estabelecimento comercial, pode esconder alguns vilões que não conseguimos enxergar: os microrganismos! Sim! Eles estão em toda parte! Mas não há motivo para pânico! Nem todos os microrganismos fazem mal à nossa saúde!
Nós consumimos uma série de microrganismos diariamente, muitas vezes sem saber e sem causar danos à nossa saúde. Microrganismos como as bactérias Lactobacillus spp são usados para a fabricação de laticínios, por exemplo. Já as leveduras Saccharomyces cerevisiae (um tipo de fungo) são utilizadas como fermento biológico na fabricação de pães, cervejas e vinhos1. Por outro lado alguns microrganismos como a Escherichia coli, Clostridium botulinum e Salmonella sp podem causar doenças transmitidas por alimentos (DTA) e sérios riscos à saúde2.
Quais fatores contribuem para a ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTAs)?
Primeiro, em alguns casos, a ingestão de alimentos contaminados pode não ser percebida, já que nem sempre a contaminação causa odor desagradável e alteração de aparência.
Segundo, faz parte da cultura de muitos o preparo de alimentos em grande quantidade ou que permanecem sem refrigeração por muito tempo.Essas práticas permitem que os microrganismos sobrevivam e se proliferem com grande rapidez3. Por fim, é importante lembrar que o funcionário que manipula os alimentos nos estabelecimentos comerciais também pode, por falta de higiene, contaminar os utensílios utilizados e o próprio produto a ser comercializado4. Esta contaminação pode causar DTAs.
E quem mais sofre com as doenças transmitidas por alimentos (DTAs)?
Os grupos de pessoas que mais sofrem com DTAs são crianças, idosos, indivíduos com baixa imunidade (imunossuprimidos) e gestantes. Os sintomas das DTAs podem variar dependendo do microrganismo envolvido. No entanto, de forma geral, os alimentos contaminados podem causar desde indisposição e sintomas digestivos até quadros mais graves, envolvendo o sistema nervoso central, diversos órgãos, como rins e fígado e até mesmo causar a morte do indivíduo[2,5].
Diante dos problemas que a contaminação de um alimento pode causar à nossa saúde, nós realizamos um estudo experimental para avaliar se o presunto fatiado em estabelecimentos comerciais pode apresentar maior nível de contaminação por microrganismos quando comparado com o presunto vendido na embalagem primária. |
Como o estudo foi realizado?
Para este estudo nós utilizamos presuntos de um mesmo fabricante. Os produtos foram comprados em quatro padarias da grande São Paulo-SP. Foram avaliadas 4 porções de presunto fatiado e embalado nas próprias padarias (uma de cada estabelecimento) e uma porção com embalagem lacrada de fábrica.
Nós presumimos que o presunto vendido na embalagem lacrada não teria contaminação e por esse motivo chamamos esta porção de “controle”.
Em cada porção de presunto fatiado foram feitas duas coletas: uma entre as fatias de presunto sem contato com a embalagem e outra na superfície da embalagem em contato com o presunto.
O objetivo dessas avaliações foi verificar possíveis diferenças de contaminação oriundas do presunto fatiado ou da embalagem utilizada. As porções coletadas foram semeadas em placas de Petri (como a da Figura 1).
Depois do tempo de incubação na estufa, observamos que o presunto vendido na embalagem lacrada de fábrica não estava contaminado (Figura 1). Por outro lado, quando avaliamos as porções fatiadas nas padarias, todas estavam contaminadas por microrganismos (Figura 2).
O que mostraram os resultados?
Olhando para os resultados obtidos, podemos dizer que possivelmente a contaminação do presunto fatiado nas padarias está relacionada com falhas nos protocolos de higiene na manipulação de alimentos[6,7].
No momento da compra do presunto foi possível fazer duas observações:
- diversos produtos eram manipulados na mesma bancada;
- não foi observado se os funcionários realizavam a higienização dos utensílios e maquinários antes de manipular alimentos diferentes.
Essas práticas podem favorecer a contaminação cruzada, ou seja, quando por falta de higiene, o indivíduo, um alimento ou até mesmo utensílios de cozinha (no caso, objetos das padarias) favorecem acidentalmente a transferência de microrganismos de uma pessoa (alimento ou objeto) para outro alimento,[6,7].
A presença de contaminantes entre as fatias de presunto e na superfície de contato entre a embalagem e o produto indicam que os materiais utilizados no empacotamento também podem ser fontes de contaminantes.
No entanto, há necessidade de mais estudos para avaliar se a contaminação da embalagem foi ocasionada pela falta de higiene das mãos dos funcionários das padarias ou se o próprio presunto contaminou a embalagem.
Mas uma coisa é certa: a contaminação por microrganismos pode tornar o alimento inapropriado para consumo humano. Além disso, a deterioração do produto pode ser mais acelerada, dependendo da concentração de contaminantes, das condições de armazenamento e de possíveis combinações com outros ingredientes ou alimentos ricos em nutrientes para o desenvolvimento de microrganismos, tornando tais misturas ainda mais nocivas à saúde[7].
E o que podemos fazer para evitar a contaminação desses alimentos?
Para evitar e reduzir a chance de contaminação de alimentos manipulados em estabelecimentos comerciais, como as padarias que entraram neste estudo, são necessários treinamentos para capacitação dos funcionários que realizam a atividade de manipulação6. Além disso, é fundamental manter a higienização de superfícies, utensílios e maquinários para evitar a contaminação entre diferentes produtos.
A limpeza do estabelecimento também é muito importante, pois ela evita o aparecimento de insetos e ratos, que também podem contaminar os alimentos[6,7,8]. Ainda, é possível utilizar barreiras físicas como, por exemplo, cortinas de vento e armadilhas luminosas para captura de moscas, pois elas estão em contato constante com materiais em decomposição e podem transportar bactérias e outros parasitas capazes de causar algumas doenças, como a infecção intestinal[9].
Resumindo…
Com esse estudo foi possível mostrar que produtos alimentícios manipulados no estabelecimento comercial sem as devidas condições de higiene podem representar riscos para o desenvolvimento de doenças transmitidas por alimentos (DTAs).
Sendo assim, é de extrema importância educar e conscientizar funcionários e consumidores sobre os potenciais riscos que estes microrganismos contaminantes podem oferecer.
Para minimizar este risco, os proprietários de estabelecimentos comerciais devem oferecer treinamentos a seus funcionários e garantir disponibilidade de infraestrutura adequada para a manipulação de alimentos dentro de padrões sanitários exigidos pelas agências regulatórias do nosso país.
REFERÊNCIAS
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