|Breve História da Teoria de Anéis Siberiana| #3 – ÁLGEBRAS DE MALCEV E ÁLGEBRAS DE LIE BINÁRIAS (V.3, N.11, P.12, 2020)

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Esta é a terceira parte da série. Recomenda-se ler a primeira e a segunda inicialmente.

Divulgadores da Ciência:

Ivan Kaygorodov [Lattes]

Gabriela Cotrim de Moraes

 

CMCC, Universidade Federal do ABC, Santo André, Brasil

Em 1955, Malcev inventou duas classes de álgebras não associativas: álgebras de Moufang-Lie e álgebras de Lie binárias. Sagle mudou o nome das “álgebras de Moufang-Lie” para “álgebras de Malcev”. As álgebras de Malcev são uma generalização das álgebras de Lie e as álgebras de Lie binárias são uma generalização de álgebras de Malcev. O primeiro resultado de Gainov foi uma caracterização das álgebras de Lie binárias por duas identidades (1957). Zhevlakov achou uma relação entre o ideal nilpotente de uma álgebra de Malcev e o radical de Levitzki da álgebra de multiplicadores à direita dela (1965). Uma grande contribuição para a teoria das álgebras de Malcev foi feita por Kuzmin. Na metade dos anos 1960, início do anos 1970, ele provou alguns resultados fundamentais sobre teoria estrutural das álgebras de Malcev e sobre conexões das álgebras de Malcev com loops de Moufang analíticos locais. O resultado dele incluiu uma descrição das álgebras de Malcev simples centrais sobre um corpo de característica > 3.

 

Ele também provou a existência de um loop de Moufang analítico local, dada qualquer álgebra de Malcev tangente sobre o corpo dos reais. Alguns desses resultados foram apresentados numa palestra conjunta com Malcev na Conferência Topológica da URRS em Novosibirsk, alguns dias antes da morte de Malcev. Kuzmin defendeu sua Livre Docência sobre esse assunto (1972). Kerdman estudou loops de Moufang analíticos globais e suas conexões com as álgebras de Malcev (1980). Posteriormente, Filippov foi muito bem sucedido em seu estudo das álgebras de Malcev e das álgebras alternativas. Ele descreveu as álgebras de Malcev simples centrais de dimensão infinita; todas elas são álgebras de Lie.

 

As álgebras de Malcev e as álgebras de Lie binárias se tornaram um assunto popular em Novosibirsk. Alguns resultados importantes a esse respeito foram provados por Gainov, Grishkov, Kuzmin, Pchelintsev, Shestakov, Umirbaev e outros. Gainov classificou todas as álgebras de Lie binárias de dimensão 4 (1963). Kuzmin provou um teorema análogo ao de Engel para álgebras de Lie binárias (1967). Grishkov e Kuzmin provaram, de forma independente, um teorema análogo ao de Levi para álgebras de Malcev (1977). Grishkov estabeleceu que qualquer álgebra de Lie binária simples de dimensão finita sobre um corpo algebricamente fechado de característica 0 é uma álgebra de Malcev (1980). Umirbaev provou a Propriedade de Specht para as álgebras de Lie binárias metabelianas (1985). Shestakov descreveu todas as superálgebras de Malcev primas (1993).

 

OUTRAS CLASSES DE ÁLGEBRAS NÃO ASSOCIATIVAS

 

Entre outros tipos de álgebras não associativas que foram populares na época soviética em Novosibirsk podemos encontrar as álgebras de Jordan não comutativas, álgebras alternativas à direita, (−1, 1)-álgebras, álgebras estruturais, álgebras de Novikov, álgebras de Filippov (n-Lie), entre outras.

 

As álgebras de Jordan não comutativas são uma tentativa de dar uma definição de álgebras que generalize as álgebras de Jordan, álgebras alternativas e álgebras de Lie. O estudo de álgebras desse tipo começou com um grande artigo de Shestakov, onde ele provou que cada álgebra dessa classe de dimensão finita com radical de Levitzki zero, satisfazendo a identidade ([x, y], z, z) = 0 é uma soma de álgebras de Jordan simples com álgebras alternativas simples (1971). Skosyrskiї classificou uma subclasse principal das álgebras de Jordan não comutativas primas (1991).

 

As álgebras alternativas à direita são uma generalização das álgebras alternativas, que satisfaz uma só identidade (para outra identidade temos a classe das álgebras alternativas à esquerda). Slinko e Dorofeev estudaram as relações entre vários tipos de nilpotência em álgebras alternativas à direita (1970). Slinko e Shestakov estudaram as representações das álgebras alternativas à direita (1973). Belkin provou que as álgebras alternativas à direita não possuem propriedade análoga à de Specht (1976). Miheev construiu um exemplo bem importante que mostra uma grande diferença entre as álgebras alternativas e alternativas à direita: o exemplo dele é uma álgebra alternativa à direita (não alternativa) de dimensão infinita simples (1977). Essa álgebra é nilálgebra e, quando munida da multiplicação (1), não será uma álgebra simples (no caso alternativo: nenhuma álgebra simples pode ter essas propriedades). Posteriormente, Skosyrskiї provou que qualquer álgebra alternativa à direita simples é alternativa ou nilálgebra (1985). Skosyrskiї estudou as relações entre a nilpotência à direita das álgebras alternativas à direita e a nilpotência das álgebras de Jordan relacionadas por (1) (1979). Isaev encontrou um exemplo de álgebra alternativa à direita sem uma base finita das identidades (1986). Umirbaev mostrou a indecidibilidade do problema das palavras para a variedade de álgebras alternativas à direita (1985) e a decidibilidade de problema das palavras para a variedade das álgebras alternativas à direita metabelianas (1989).

 

(−1, 1)-álgebras são uma subclasse das álgebras alternativas à direita e, por outro lado são uma generalização das álgebras alternativas. Munidas da multiplicação (2) cada (−1, 1)-álgebra dará uma álgebra de Lie. Roomeldi provou um teorema análogo ao teorema de Nagata-Higman (-Dubnov-Ivanov) para (−1, 1)-álgebras (1973). Miheev provou um teorema análogo ao teorema principal de Wedderburn para (−1, 1)-álgebras (1973). Pchelincev construiu uma base para (−1, 1)-álgebras livre com dois geradores (1974) e os exemplos de (−1, 1)-álgebras (não associativas) primas (1983).

 

As álgebras estruturais são uma generalização das álgebras de Jordan com um elemento unidade. Smirnov encontrou uma álgebra estrutural simples, que foi perdida na classificação de álgebras estruturais simples de dimensão finita e completou a classificação das álgebras estruturais semissimples de dimensão finita (1990).

 

As álgebras de Novikov apareceram pela primeira vez num artigo de Balinskiı e Novikov, mas o estudo sistemático das propriedades algébricas dessas álgebras começou a partir de um artigo de Zelmanov, onde ele descreveu todas as álgebras de Novikov simples de dimensão finita sobre um corpo algebricamente fechado de característica zero (1987). Posteriormente, os exemplos de álgebras de Novikov simples de dimensão infinita foram construídos por Filippov (1989).

 

Filippov inventou uma nova classe de álgebras, as álgebras de n-Lie, as quais agora são chamadas de álgebras de Filippov (1985). Mais tarde, Kasymov provou que subálgebras de Cartan de qualquer álgebra de n-Lie de dimensão finita sobre um corpo algebricamente fechado de característica 0 são conjugadas e estabeleceu um análogo do teorema de Engel para as álgebras de n-Lie (1987).

 

ÁLGEBRAS ASSOCIATIVAS, ÁLGEBRAS DE LIE E GRUPOS

 

O problema de Specht (se toda álgebra associativa sobre um corpo de característica zero tem base finita no sentido de identidades) era um dos problemas mais apreciados na escola de Shirshov. Malcev também conhecia esse problema e certamente o reconhecia como um problema central da teoria de variedades de álgebras associativas. Latyshev havia trabalhado no problema por muitos anos, criando mais e mais casos de variedades com bases finitas. O problema de Specht foi resolvido de forma positiva por Kemer (1987). Os resultados dele foram apresentados numa palestra realizada no Congresso Internacional de Matemáticos em Kyoto (1990). Kanel-Belov, Grishin e Shchigolev publicaram resultados importantes análogos ao problema de Specht para álgebras associativas de característica finita (1999-2000).

 

Em geral, o último problema teve soluções negativas mesmo para álgebras finitamente geradas sobre corpos finitos, mas para álgebras finitamente geradas sobre um corpo infinito de característica finita, a solução ainda é positiva. Lvov provou que qualquer anel associativo finito tem uma base finita no teorema de Lvov-Kruse (1973). O último resultado também é válido para anéis alternativos finitos (Lvov) e anéis de Jordan finitos (Medvedev). Maltsev provou que todas as identidades de uma álgebra de matrizes triangulares superiores n × n sobre um corpo de característica zero são consequências de uma única identidade [x1, x2] [x3, x4] . . . [x2n−1, x2n] = 0. Além disso, Maltsev descreveu variedades de álgebras associativas com o produto comutativo de subvariedades, apenas variedades não comutativas de anéis (1976) e encontrou uma base de identidades de matrizes de segunda ordem sobre um corpo finito (1978). Kharchenko provou que se o anel RG de invariantes de um anel associativo R com um grupo finito G de automorfismos é um PI-anel, então R é também um PI-anel (1974); descreveu a estrutura dos anéis primos satisfazendo uma identidade generalizada com automorfismos (1975). O resultado mais citado de Kharchenko foi sobre a descrição de identidades diferenciais de álgebras associativas primas (1978). Posteriormente, os resultados de Kharchenko formaram um livro bem famoso e dedicado à teoria de Galois não comutativa[1]. Bokut construiu uma base de álgebra associativa metabeliana livre (1991).

 

O estudo de álgebras de Lie começou de alguns artigos fundamentais de Shirshov[2] onde ele encontrou uma base de álgebra de Lie livre, provou que cada subálgebra de uma álgebra de Lie livre, também é livre; provou o teorema de liberdade (the Freiheitssatz) para as álgebras de Lie (1953-1962), utilizando os métodos introduzidos por Shirshov, agora conhecidos como base de Gröbner-Shirshov. Bokut encontrou uma base da álgebra de Lie solúvel livre (1958), provou que qualquer álgebra de Lie pode ser imersa em uma álgebra de Lie algebricamente fechada (no sentido de qualquer equação sobre a álgebra ter solução nesta mesma álgebra). Em outro artigo, Bokut encontrou bases de Gröbner-Shirshov para os grupos de Pyotr Novikov, e baseado nisso, analisou completamente o problema de conjugação para estes grupos (1967). Bokut ainda encontrou um exemplo de um semigrupo S tal que o semigrupo multiplicativo de uma álgebra sobre o semigrupo S (conhecida por GF(2){Si}) pode ser imersa em um grupo, mas a álgebra não pode ser imersa em nenhum anel de divisão.

 

Até agora, esse é o único exemplo conhecido de um semigrupo com esta propriedade (1969). Kukin provou que a subálgebra cartesiana da álgebra de Lie com produto livre é livre (1970); mostrou a indecidibilidade do problema das palavras para a variedade de álgebras de Lie solúveis (1978). Também, Kukin mostrou um caminho de como construir uma base ordenada à direita de uma álgebra de Lie livre (1978), que foi completamente terminado em um artigo de Chibrikov (2006). No resto vamos indicar alguns resultados de Zelmanov recebidos na área de álgebras de Lie: ele descreveu as álgebras de Lie com Z-graduação finita (1984), provou que as álgebras de Lie n-Engels são nilpotentes (1988). As ideias apresentadas anteriormente, foram aplicadas por Zelmanov para o problema restrito de Burnside para grupos finitos, que conforme já mencionamos, foi terminado com sucesso em mais 4 anos e resultou numa Medalha Fields recebida em 1994.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 L. A. Bokut. Early history of the theory of rings in Novosibirsk. Bul. Acad. S¸tiint¸e Repub. Mold. Mat. 2017, no. 2 (84), 5–23.

[1] V. K. Kharchenko. Automorphisms and derivations of associative rings. Translated from the Russian by L. Yuzina. Mathematicsand its Applications (Soviet Series), 69. Kluwer Academic Publishers Group, Dordrecht, 1991. xiv+385 pp.

[2] Os artigos principais de Shirshov foram publicados em russo e durante algum tempo foram desconhecidos para os matemáticos do exterior, mas enfim as traduções foram publicados no livro:  A. Shirshov, Selected works of A. Shirshov.  Translated fromthe Russian by Murray Bremner and Mikhail V. Kotchetov. Edited by Leonid Bokut, Victor Latyshev, Ivan Shestakov and EfimZelmanov. Contemporary Mathematicians. Birkhauser Verlag, Basel, 2009. viii+242 pp.

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