Mas o que é, afinal, o sistema Bitcoin? Como ele funciona? (V.2, N.7, P.7, 2019)
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Divulgador da ciência: Prof. Carlo Kleber da Silva Rodrigues
Universidade Federal do ABC, Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC)
Mas o que é, afinal, o sistema Bitcoin? Como ele funciona?
Para responder a essas perguntas, é preciso, antes de tudo, rever algumas noções sobre alguns outros tipos de moedas existentes, que estão intrinsecamente relacionadas às bitcoins. Você já ouviu falar desses termos: moeda lastreada, moeda fiduciária, moeda fiat, moeda digital, moeda virtual e criptomoeda?
Uma questão de confiança
Moeda lastreada é um título que tem um lastro, ou seja, um valor garantido por algum bem durável, como ouro, prata ou outra propriedade, de posse da autoridade que o emitiu. Isso significa que a emissão de títulos depende da riqueza real acumulada por quem os emite, e estes títulos podem estar, por exemplo, na forma de ordem de pagamento, cheque, dinheiro de papel, e moedas cunhadas em metal.
Moeda fiduciária, por sua vez, é qualquer título não conversível, ou seja, não é lastreado, garantido, por nenhum bem durável. Seu valor provém exclusivamente da confiança que se tem na autoridade que o emitiu. A moeda fiduciária, assim como a moeda lastreada, pode também apresentar-se, por exemplo, na forma de ordem de pagamento, cheque, dinheiro de papel, e moedas cunhadas em metal.
Então, a diferença essencial entre a moeda lastreada e a moeda fiduciária não está na sua forma de apresentação (cheque, moeda de metal, dinheiro etc.), mas sim em existir um lastro, um bem durável (moeda lastreada), ou apenas a confiança na autoridade que emitiu o título (moeda fiduciária).
A moeda fiat é aquele com a qual temos mais contato no nosso cotidiano. Refere-se exclusivamente ao dinheiro tradicional (papel e moedas cunhadas em metal) utilizado nas sociedades modernas. Esta moeda é provida e regulamentada pelo governo de um país, como o Dólar americano, o qual constitui a respectiva autoridade monetária. Veja que a moeda fiat é um tipo de moeda fiduciária e, por vezes, essas duas denominações são usadas de forma intercambiável.
Digital e virtual são a mesma coisa?
Já a moeda digital é uma representação não física da moeda fiat que é armazenada e transferida eletronicamente. Por exemplo, Euro e Dólar são moedas fiat que podem ser armazenadas eletronicamente para fazer compras on-line, sendo assim moedas digitais.
A moeda virtual, por sua vez, é considerada como um título exclusivamente on-line que não tem valor na realidade física, pois representa apenas um valor em seu mundo virtual (no mundo cibernético). As Pokécoins do jogo Pokémon GO são um exemplo de moeda virtual. O principal aspecto comum entre a moeda digital e a moeda virtual é que ambas são manipuladas eletronicamente. No entanto, há uma grande diferença entre elas: as moedas digitais estão claramente sob o controle de bancos centrais e governos, ao passo que não há uma autoridade central que controle moedas virtuais, pois estas podem ser criadas por qualquer empresa, como por exemplo, o Facebook.
E, com vocês, as criptomoedas!
Finalmente, chegamos às criptomoedas, como moedas virtuais de última geração. Eis suas principais características:
São conversíveis para o mundo real (podem ser trocadas por moedas fiat ou por outras moedas virtuais e, então, usadas para compra e venda de produtos e serviços);
São descentralizadas (não há uma autoridade centralizada que regula a sua emissão, estando assim livres de políticas e controles governamentais);
São suportadas, para efeito de validação das transações executadas, por sistemas computacionais distribuídos (múltiplos componentes de software trabalhando em múltiplos componentes de hardware, mas sendo executados como um único sistema) e usando técnicas criptográficas.
O sistema Bitcoin pode então ser definido como um sistema de pagamento eletrônico que utiliza a criptomoeda bitcoin. Veja que o sistema e a criptomoeda possuem a mesma denominação, no entanto, para diferenciação, usa-se a primeira letra maiúscula para referir-se ao sistema, e a primeira letra minúscula para referir-se à criptomoeda.
E, como funciona o Sistema Bitcoin?
Para uma exposição mais simples e didática, suponha que João deseja enviar R$ 10,00 para Maria. Ambos estão conectados na Internet e têm o sistema Bitcoin instalado em suas respectivas máquinas. Ter o sistema instalado em suas respectivas máquinas significa, na prática, que João e Maria possuem contas ativas e identificáveis publicamente por meio de códigos numéricos no sistema Bitcoin.
João então cria uma transação (uma ordem de pagamento) no sistema Bitcoin para retirar R$ 10,00 de sua conta e enviar para a conta de Maria. Criada a transação, ela é, então, enviada pela Internet, onde nós processadores, denominados de mineradores, irão validar a transação realizada.
Os mineradores estão conectados segundo uma arquitetura de rede peer–to–peer e trabalham independentemente (ou se juntam em grupos independentes) para validar a transação emitida por João. Veja que, havendo um trabalho independente, surge uma competição espontânea para ver quem primeiro consegue validar a transação de João. Para cada transação validada, o minerador recebe uma boa recompensa financeira, o que termina servindo como incentivo para que o processo de mineração ocorra indefinidamente no sistema Bitcoin. Cabe dizer que qualquer participante do sistema Bitcoin pode ser um minerador, inclusive o próprio João e a própria Maria.
A validação da transação, executada pelo minerador, consiste basicamente em garantir a autenticidade da transação (confirmar a identidade de emissor e destinatário da transação) e a consistência da transação (assegurar que há saldo para realizar a transação e que a transação não será revertida posteriormente).
Essa validação é conferida por técnicas criptográficas. Mais especificamente, a confirmação de quem é o emissor e de quem é o destinatário da transação é feita a partir do uso de assinaturas digitais, e a consistência da transação é garantida por meio de complexos cálculos computacionais baseados em funções hash criptográficas.
Lembremos que não há qualquer entidade central para regular o sistema Bitcoin e, assim, ele é completamente livre de interferências governamentais e dito, assim, plenamente descentralizado. Também observe que a validação é feita por mineradores espalhados geograficamente pela Internet e interligados segundo uma arquitetura de rede P2P que concorrem entre si para primeiro validar a transação de João, caracterizando o sistema como inteiramente distribuído. Por fim, note que o uso de técnicas criptográficas termina por garantir algum nível de anonimato e confidencialidade para João e Maria. Esse último ponto destacado pode ser bom em alguns casos, mas também pode ser ruim por permitir que eventuais transações financeiras ilícitas venham a ocorrer no Sistema Bitcoin como, por exemplo, o tráfico de drogas, o pagamento de resgates devido a sequestros e a denominada ação de lavagem de dinheiro.
Mas e aí, o Sistema Bitcoin é realmente seguro?
A resposta a essa pergunta merece alguma reflexão holística, considerando, pelo menos, três aspectos de observação que remetem à própria definição do que vem a ser um sistema efetivamente seguro.
Primeiro, considerando as técnicas criptográficas empregadas, podemos afirmar que o sistema é seguro. Mesmo que essas técnicas atualmente empregadas viessem a se mostrar vulneráveis, bastaria que novas versões ou alternativas fossem utilizadas em sua substituição.
Segundo, considerando que o sistema Bitcoin é, de forma simples, um conjunto de computadores (os usuários do sistema) que se comunicam entre si para realizar transações financeiras que são validadas por um conjunto de computadores (mineradores), depreende-se então que a seleção desses mineradores é o ponto de vulnerabilidade.
Como vimos, qualquer um pode ser um minerador! Basta ter um computador com capacidade computacional suficiente para vencer a competição de conseguir validar a transação mais rapidamente que os demais mineradores. Considerando isso, imagine que alguém tenha recursos suficientes para ter sempre à disposição os computadores mais sofisticados. Nesse cenário esse alguém dominaria o sistema Bitcoin e, então, ele deixaria de ser seguro.
Por fim, em terceiro lugar, em 2018, o processo de mineração de criptomoedas, como o Bitcoin, já era responsável por quase 1% do consumo total de energia elétrica produzida no mundo. Esse dado foi divulgado pelo cientista da computação Arvind Narayanan, da Universidade de Princeton, durante depoimento a uma comissão do senado dos Estados Unidos. Em específico sobre o Bitcoin, divulgou-se em abril deste ano que, de acordo com pesquisa da organização Power Compare, a estimativa anual média de energia elétrica gasta em seu processo de mineração – entre 55,6 e 73,2 TWh – já era superior ao gasto de 175 países, incluindo alguns de tamanho médio, como Irlanda e Nigéria, que consomem 25 TWh e 24 TWh, respectivamente. Ou seja, em se mantendo um ritmo de crescimento de consumo de energia, o sistema Bitcoin pode deixar de ser seguro sob o viés ecológico.
Imagem destacada: Pixabay
Fontes principais
Mata, R. Z. A; Rodrigues, C. K. S. (2018). Uma análise competitiva entre as tecnologias Tangle e Blockchain para Projetos de Aplicações IoT. In: Anais do 17º Workshop de Desempenho em Sistemas Computacionais e de Comunicação (WPerformance / CSBC 2018), julho, Natal, RN, Brasil.
https://contaembanco.com.br/outros/o-que-e-moeda-fiduciaria/ Acesso em: 21/06/2019
https://pt.wikipedia.org/wiki/Moeda_fiduci%C3%A1ria .Acesso em: 21/06/2019
https://www.comocomprarcriptomoedas.com/o-que-e-dinheiro-fiat-qual-diferenca-fiat-criptomoedas/ Acesso em: 21/06/2019
https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/09/mineracao-de-bitcoin-ja-e-quase-1-do-consumo-mundial-de-energia-eletrica.ghtml Acesso em: 21/06/2019
https://gizmodo.uol.com.br/estudo-bitcoin-consumo-energia/ Acesso em: 21/06/2019
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/04/tab-bitcoin.htm Acesso em: 21/06/2019
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