As perspectivas para a exploração espacial e viagens interplanetárias (V.8, N.9, P.02, 2025)

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Divulgadores da Ciência: Gabriela Araujo Olimpio

1 Introdução

Assim como um dia o planeta Terra foi explorado de norte a sul, leste a oeste, com as grandes caravelas, a humanidade agora almeja pela exploração de um ambiente muito mais vasto e hostil, o espaço. Diversos fatores tem levado a raça humana a evoluir no caminho em direção a outros planetas, não ao apenas um que chamam de lar. Desde a corrida pela dominação do espaço, iniciada durante a Guerra Fria, até as catástrofes climáticas geradas pela própria humanidade, com o uso excessivo de poluentes e produção drástica de lixo, atualmente, existe uma alta ansiedade em sair do Sistema Solar e vagar em direção de outros mundos.

A perspectiva da exploração espacial cresce à proporção que a sociedade evolui, novas ferramentas e tecnologias tem se mostrado promissoras para auxiliar a proposta mais ambiciosa já feita pelo homem, a colonização do Universo. Todavia, mesmo ocorrendo avanços cada vez mais rápidos, a raça humana está fadada a passar mais algumas décadas, ou mesmo séculos, presa no planeta Terra antes de se dominar outros planetas, devido à múltiplos problemas ainda sem soluções.

A exploração espacial tem se tornado cada vez mais popular no imaginário da população, dos políticos, e dos engenheiros e astrofísicos que buscam deixar sua contribuição nos projetos mais desafiadores da historia, mas será realmente possível vencer os contratempos de uma viagem interplanetária?

2 O imaginario humano

A exploração espacial é um conceito que paira na mente de muitos, de cientistas a cidadãos comuns, o próximo passo da humanidade em direção ao descobrimento de novos mundos e possibilidades aparece de forma estrondosa em diversos meios de comunicação, não apenas nas revistas científicas. Seja nas grandes telas do cinema, ou mesmo nas menores das livrarias, em produções cinematográficas e literárias temos soluções criativas, umas mais factíveis que outras, de como o conhecimento do Universo pode ser viabilizado pela humanidade. A ficção científica aborda as expectativas de se continuar a evolução e historia humana além do planeta Terra, é uma ferramenta que alimenta o imaginário dos expectadores.

Em Interstellar (2014), dirigido por Christopher Nolan, temos uma sociedade que, após os desdobramentos do roteiro, vive em uma colônia toroidal. Esse conceito curiosamente já havia sido representado em uma ilustração Fig. 1 feita por por Rick Giudice em um programa de arte no Centro de Pesquisa Ames da NASA na década de 1970 [1] e se popularizou com o filme.

A obra literária 2001: A Space Odyssey (1968), escrita por Arthur C. Clarke, traz de forma confiante a ficção científica da década de 60 com a evolução tecnológica existente hoje. A produção contém diversas tecnologias extremamente assertivas para a época, mas sem duvidas a maior delas é a apresentação da inteligência artificial (IA), representada pelo computador HAL 9000, a tecnologia perspicaz que comanda a nave.

Figura 1: Imagem conceitual de uma colônia espacial em formato toroidal. Arte de Rick Guidice para a NASA. Fonte: NASA (s.d.) [1].

Alem de prever a criação da IA, Arthur C. Clarke vai mais além com sua contemporaneidade e, de forma muito pontual, traz também a ansiedade perante ao seu uso a longo prazo. Ao desenrolar a historia, o supercomputador impõe suas próprias percepções e vontades acima do comando dos astronautas presentes na Discovery One, causando as catástrofes que levam ao climax da obra. Entretanto, existe também na produção, outras tecnologias muito populares que ainda não são reais, como a hibernação induzida através de uma hipotermia controlada.

Obras ficcionais e propostas como o Toroide de Stanford demonstram que a imaginação humana muitas vezes esta além dos avanços tecnológicos. E aqui se encontram alguns impeditivos para a exploração espacial, visto que, ambição e criatividade, a humanidade tem de sobra.

3 Desafios para a colonização espacial

Tal qual citado anteriormente, mesmo a passos largos, a habitação do espaço ainda apresenta muitos desafios que prejudicam a sua concretização. Desafios condicionados a própria natureza humana, como a breve duração da vida do homem perante ao longo período de uma viagem interplanetária, ou a própria física, por exemplo, a impossibilidade de um objeto com massa viajar em uma velocidade igual a velocidade da luz. Problemas como esses e suas consequências serão debatidos a seguir.

3.1 A breve duração da vida humana

Graças a fatores como o controle de doenças e o saneamento básico o ser humano tem apresentado um prolongamento na duração de sua média de vida. Hoje, se acredita que, em condições ótimas acompanhadas de um comportamento saudável, o ser humano possua uma expectativa media de 85 anos de vida, seguido por um tempo máximo de 125 anos [4].

Infelizmente, a viagem interplanetária conta com distâncias extremas e, atualmente, baixas velocidades, o que aumenta o tempo esperado das viagens. Para demonstrar, e proposto um exercício.

O objeto mais rápido no momento presente criado pelo homem é a Sonda Parker, lançada em 12 de agosto de 2018 com o objetivo de estudar o Sol [5]. Passando pelo periélio de sua órbita, a sonda Parker alcança 110 km/s [6]. Já o limite cosmológico do sistema solar pode ser definido pela parte externa da Nuvem Oort que se prolonga ate uma distancia de aproximadamente 100.000 UA [7].

Sendo assim, e possível calcular quanto tempo levaria para atravessar toda a nuvem e então sair do Sistema Solar utilizando a velocidade mais alta alcançada por uma criação humana. Sendo ∆v a velocidade máxima da Sonda Parker, ∆s a distancia até o final da nuvem, ∆t o tempo resultante em segundos e 1UA aproximadamente 150 milhões de quilômetros, através da fórmula da velocidade média:

Logo, nota-se um tempo de viagem maior que 4000 anos, uma situação completamente inviável. A partir dessa simulação e possível propor duas soluções para contornar a limitação da curta vida humana em viagens interestelares: o uso de tecnologias de propulsão altamente avançadas, capazes de alcançar velocidades elevadas, e a adoção de espaçonaves transgeracionais, projetadas para sustentar multiplas gerações.

3.2 A impossibilidade de objetos com massa viajarem na velocidade da luz

Como demonstrado no item anterior, existe uma urgência de se viajar em altas velocidades para ser possível a exploração espacial. Sem sombra de dúvidas, viajar a velocidades próximas à velocidade da luz auxiliaria consideravelmente a conquista de outros planetas.

A velocidade constante da luz, c, foi derivada matematicamente por Maxwell em 1873 [8]. As ondas eletromagnéticas se propagam no vácuo com velocidade c =1/√(μ0ε0), sendo μ0 a permeabilidade magnética do vácuo, aproximadamente 8.854 × 10−12 F/m, e ε0 a permissividade elétrica do vácuo, que equivale ́ a 4π ×10−7 H/m. Dessa forma, a velocidade da luz chega a um valor aproximado de 3×108 km/s.

Não obstante, em 1905, Albert Einstein obteve uma das equações mais conhecidas da física, E = mc2 [9]. De acordo com a equação, e impossível que qualquer objeto com massa atinja a velocidade da luz, visto que, a medida que um corpo acelera, sua massa efetiva aumenta, exigindo uma energia infinita para ultrapassar o limite da luz, energia essa que não existe no Universo. Por esse motivo, apenas os fótons, que não possuem massa, viajam a essa velocidade [10].

Essa limitação da física não impede, entretanto, que parcelas dessa velocidade sejam alcançadas, e possibilidades como essa serão trabalhadas mais adiante no tópico sobre fontes de energia.

3.3 A Terra é única

Certamente os seres humanos e toda a biodiversidade terrestre não seriam os mesmos, ou ̃mesmo existiriam, se o planeta Terra não fosse exatamente como é. Desde a amplitude de temperaturas ate as condições do solo, cada característica terrestre culminou para a prosperidade das sociedades que nela habitam. Encontrar planetas razoavelmente compatíveis com a vida na Terra se mostra uma tarefa difícil, devido ao tamanho do Universo e a tantas características que devem ser levadas em consideração na busca por um novo lar, a exemplo da chamada “zona habitável”, definida como a região ao redor de uma estrela onde e possível a existência de água líquida na superfície, com temperatura que varie de forma com que essa agua não evapore nem congele [11].

Embora telescópios tenham auxiliado a humanidade no descobrimento de diversos exoplanetas, poucos destes compartilhavam semelhanças com a Terra. Entretanto, a NASA, através do Transiting Exoplanet Survey Satellite (TESS) e da missão Kepler, encontrou alguns planetas semelhantes a Terra dentro da “zona habitável” de suas respectivas estrelas. Dentre eles: TOI 700 d – cerca de 20% maior que a Terra, com orbita de 37 dias e 86% da energia que o Sol fornece a Terra – e Kepler-452b Fig. 2, que e maior em tamanho, ́
mas também orbita uma estrela de tipo espectral G2 assim como o Sol [12].

Kepler-452b (ver Fig. 2) também apresenta outro incrível atributo, a sua localização dentro de seu sistema torna sua temperatura adequada para a existência de água líquida, entretanto os cientistas não sabem se o planeta pode suportar vida ou não. A estrela do planeta esta a cerca de 1.400 anos-luz de distância, na constelação de Cygnus.

Jon Jenkins, líder de analise de dados do Kepler no Centro de Pesquisa Ames da NASA em Moffett Field, Califórnia, que liderou a equipe que descobriu Kepler-452b, disse: ”E inspirador considerar que este planeta passou 6 bilhões de anos na zona habitável de sua estrela; mais do que a Terra. Essa e uma oportunidade substancial para a vida surgir, caso todos os ingredientes e condições necessários para a vida exista neste planeta” [13].

Mesmo com o descobrimentos de exoplanetas como esses, ainda assim existe uma longa jornada ate a confirmação da possibilidade de suportar vida. Esta confirmação, pode só se dar com o próprio início da exploração espacial, com novas tecnologias e coletas de ̃
dado em campo.

Figura 2: Ilustração de Kepler-452b. Fonte: NASA Ames/JPL Caltech/T. Pyle [13].

3.4 Fontes de energia

Outro componente extremamente fundamental para a exploração espacial e o combustível, ou seja, a fonte de energia, e este tópico abrange diversos fatores. Uma viagem longa exige mais suprimentos aumentando o espaço de armazenamento, e consequentemente o tamanho e massa da nave. Quanto mais carga, mais combustível será necessário para proporcionar uma viagem segura. Vale ressaltar, que quanto mais combustível, maior e o peso que o veículo precisa suportar.

Trazendo um contraponto as viagens longas, considere agora que no futuro, novas tecnologias surjam para aliviar o tempo de duração das viagens interplanetárias, como o aumento drástico das velocidades alcançadas pelo homem. Ainda assim, isso exigiria alta energia para acelerar os veículos de modo a alcançar tais velocidades. Para exemplificar a quantidade estrondosa de energia necessária para viajar a altas velocidades, será realizado o cálculo da massa de propelente necessária para acelerar um veículo extremamente leve, viajando a uma parcela da velocidade da luz.

Considere um foguete de 10 g de massa útil (ou massa final), viajando a 50% da velocidade da luz. Para determinar a massa de propelente será utilizada a equação do foguete de Tsiolkovsky [14], onde ∆v e a variação de velocidade do foguete, ve e a velocidade de exaustão dos gases,mi e a massa inicial e mútil á a massa útil (foguete sem o combustível):

É possível trabalhar a equação (2) para a partir dela retirar a massa de propelente, mprop. Para isso, basta assumir mi = mútil +mprop e dessa forma:

Agora que é possível encontrar mprop basta assumir um valor para a velocidade de exaustão ve. Para isso, considere um motor com eficiência 100 vezes maior que o motor NEXT, motor de propulsão elétrica usado para acelerar propelentes de xenônio, que alcança velocidades de até 40 km/s [15]. Logo, ve = 4000km/s. Então, através da equação obtida em (3):

Esse valor corresponde a uma ordem de quatrilhão! Representando uma massa intermediária entre a Baía de Guanabara (da ordem de 1012 kg) e a massa dos Grandes Lagos (da ordem 1016 kg) [6], é uma quantidade extremamente alta de propelente para uma nave de apenas 10 gramas.

São por razões como essa que esse tópico se torna tão sensível, com viagens longas, se aumenta a carga e, com isso, a quantidade de combustível, todavia, como mostrado, mesmo com naves mais velozes e extremamente leves, ainda assim, existe a demanda de
quantidades exorbitantes de propelente. Por conseguinte, seria de extrema importância encontrar novas soluções tecnológicas ou mesmo novas fontes de energia que supram a finalidade.

4 Conclusão

A partir do apresentado, é possível notar que, infelizmente, existem muitos obstáculos a serem transpassados antes da humanidade ser capaz de dar mais passos em direção a exploração espacial. Entretanto, a história mostra a capacidade intrínseca do ser humano de se reinventar e perseverar perante os desafios.

Com as revoluçõoes tecnológicas cada vez mais rápidas e significativas, é factível ter uma perspectiva otimista perante as viagens interplanetárias, mesmo que para tal, sejam necessários mais alguns séculos de pesquisa em prol do desenvolvimento de novas ferramentas e tecnologias.

Referências

[1] NASA, “Retrofuturistic NASA space art.” (2025).

[2] NASA, Space Settlements: A Design Study., Tech. Rep. (NASA, 1977).

[3] National Space Society, “Stanford torus space settlement.” (2025).

[4] Ciência & Sa´ude Coletiva, “O segredo da longevidade segundo as percepções dos próprios longevos.”

[5] NASA, “Parker solar probe.” (2025).

[6] P. Seleghim, “Os desafios de uma viagem interplanetária e a exploração do espaço – seremos capazes?” (2025).

[7] Unifal-MG, “Sistema solar – observatório da Unifal-mg.” .

[8] J. C. Maxwell, A Treatise on Electricity and Magnetism (Clarendon Press, Oxford, 1873).

[9] S. Vieira, A. Barros, I. Araújo, and J. C. T. Oliveira, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 93–98 (2004).

[10] U. F. de Uberlândia, “O que aconteceria se uma agulha viesse do espaço e atingisse a terra?” (2025).

[11] L. F. Spatti, “Determinação da zona habitável de exoplanetas,” Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro, 2022.

[12] National Geographic Brasil, “Planetas que têm características muito semelhantes às da terra.” (2023).

[13] NASA, “Nasa’s kepler mission discovers bigger, older cousin to earth.”

[14] M. M. Woolfson, The Solar System: A Beginner’s Guide (Oxford University Press,1997).

[15] NASA Glenn Research Center, “Gridded ion thrusters (next-c).

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