Combate ao assédio moral no ambiente universitário: por que é importante falar sobre isso? (V.8, N.8, P.06, 2025)
Tempo estimado de leitura: 12 minute(s)
O assédio moral é um problema, ainda muito presente na nossa sociedade, mesmo em pleno século XXI e que afeta estudantes, docentes e toda a comunidade universitária. Ele acontece de forma preocupante em ambientes educacionais, especialmente nas universidades federais. Neste artigo, vamos entender o que é o assédio moral, os seus efeitos e o que podemos fazer para preveni-lo e combatê-lo nas universidades federais, tendo como exemplo a própria Universidade Federal do ABC (UFABC).
Para quem passa por essa experiência dolorosa, os impactos são profundos, vão desde traumas emocionais, prejuízos à saúde física e mental, até risco de suicídio. As vítimas podem desenvolver ansiedade, depressão, agressividade, dificuldade de adaptação, além de sofrer com a queda no rendimento acadêmico, afastamento dos estudos e problemas na vida pessoal e familiar. Isso tudo pode comprometer não só o presente, mas também o futuro profissional destas pessoas.
O assédio moral é uma forma de violência que vem sendo muito estudada, principalmente no mundo do trabalho e nas organizações (Heloani; Macêdo, 2013), além de ser tema relevante na psicologia e, mais recentemente, também no ambiente acadêmico (Hashim et al., 2019). Cada área do conhecimento oferece uma forma diferente de entender esse fenômeno e propõe estratégias variadas para preveni-lo e enfrentá-lo. O assédio moral é difícil de definir porque não existe um único tipo de comportamento que o caracteriza. Ele pode acontecer de formas muito diferentes e justamente por isso, muitas vezes, passa despercebido ou é confundido com brincadeiras, exigências comuns ou pressão normal no ambiente universitário.
A forma como o assédio moral é vivido e percebido também varia de acordo com o gênero. As mulheres, por exemplo, estão mais expostas a esse tipo de violência, principalmente em ambientes onde ainda existe desigualdade de gênero. As pessoas LGBTQIAPN+, pessoas em situação de pobreza e estudantes que enfrentam discriminação também estão entre os grupos mais vulneráveis.
Outros fatores que aumentam o risco de assédio moral no ambiente universitário incluem a falta de formação adequada dos professores, baixos salários, sobrecarga de trabalho e a ausência de profissionais capacitados para lidar com conflitos e questões de saúde mental da comunidade acadêmica. Em contextos como esse, o assédio moral pode surgir de forma sutil, mas extremamente prejudicial. Um exemplo é o chamado assédio moral acadêmico, que costuma ser mais sofisticado e difícil de identificar. Segundo Khoo (2010), esse tipo de assédio é marcado por ações não violentas, mas organizadas e contínuas, como acusações infundadas, humilhações, críticas generalizadas e abuso emocional. Muitas vezes, são estratégias usadas para isolar, desestabilizar e desgastar emocionalmente um colega dentro do ambiente acadêmico.
Apesar da gravidade do problema, o assédio moral ainda é uma violência silenciosa. Neste sentido, ela difere de outras causas sociais, pois raramente vemos protestos, campanhas ou grupos de ativismo voltados exclusivamente para esse tipo de abuso. Muitas vezes, as pessoas não sabem como reagir ou simplesmente ignoram quando presenciam situações assim, o que torna ainda mais difícil para as vítimas encontrarem apoio e justiça.
Para enfrentar de verdade o assédio moral, não basta apenas criar regras ou punir os responsáveis. É importante entender o contexto mais amplo em que esse tipo de violência acontece, ou seja, as relações de poder, os comportamentos culturais e as estruturas sociais que muitas vezes permitem ou silenciam essas práticas.
Por isso, é fundamental que o assédio moral também seja estudado pelas ciências sociais e humanidades, áreas que auxiliam a compreender como a sociedade funciona, como as pessoas se relacionam e como podemos promover mudanças reais. Esses estudos mostram que o assédio moral não é apenas um problema individual, mas um reflexo de desigualdades sociais e culturais que precisam ser enfrentadas coletivamente.
Além disso, olhar para o assédio moral a partir do campo das políticas públicas nos ajuda a enxergá-lo como um desafio que exige respostas organizadas e estruturadas do Estado e das instituições – como as universidades federais. Como explica Secchi (2016), em linhas gerais e em linguagem simples, políticas públicas são ações e decisões do governo pensadas para resolver problemas que afetam toda a sociedade. Elas envolvem planejamento, organização e diálogo com a população.
Nesse sentido, o assédio moral é um problema público relevante, sendo necessárias ações como campanhas educativas, canais de denúncia acessíveis, formação de profissionais e redes de acolhimento como exemplos de políticas públicas que contribuem a combater o assédio moral e a promover ambientes mais seguros e justos. Estudar e enfrentar o assédio moral com base nas políticas públicas é, portanto, uma forma de garantir dignidade, bem-estar e respeito para todas as pessoas, especialmente em espaços como as universidades.
É importante destacar que, no Brasil, o dia 2 de maio marca o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral. A Controladoria-Geral da União (CGU), atenta à importância do tema, lançou o Guia Lilás em suas versões de março de 2023 e novembro de 2024. O objetivo do guia é orientar, prevenir e ajudar na denúncia e acolhimento de casos de assédio moral, assédio sexual e discriminação no serviço público federal. Apesar disso, o Brasil ainda não possui uma legislação específica sobre assédio moral. No entanto, o Decreto nº 12.122, de 30 de julho de 2024, e a Portaria MGI nº 6.719, de 13 de setembro de 2024, trazem diretrizes que contribuem para o enfrentamento desse problema dentro da administração pública federal, na qual as universidades federais estão inseridas.
O Guia Lilás (CGU, 2023,2024) explica que o assédio moral costuma começar com pequenas ações – como piadas ofensivas, comentários desrespeitosos ou cobranças excessivas – que vão se repetindo até se tornarem um padrão de comportamento abusivo. Esse tipo de assédio gera sofrimento emocional, prejudica o ambiente universitário e afeta diretamente a saúde mental e o desempenho da pessoa que sofre a violência. Ele não é sempre fácil de identificar porque muitas vezes começa de forma sutil, como uma brincadeira ou um comentário maldoso disfarçado, mas seus efeitos são profundos e podem levar a graves consequências para a vítima, como dissemos antes.
Na UFABC, o enfrentamento ao assédio moral despertou a atenção da comunidade acadêmica e passou a ser tratado com mais seriedade a partir da criação de uma política institucional dedicada ao tema. A Resolução nº 226/2022 do Conselho Universitário define claramente o que é assédio moral, assédio moral institucional e assédio sexual, reconhecendo essas práticas como formas de violência que causam sofrimento, desvalorização e prejuízo à integridade física e psicológica das vítimas, sejam elas estudantes, professores, técnicos, analistas ou trabalhadores terceirizados.
A partir desse compromisso, foi criada a Comissão UFABC sem Assédio, composta por representantes de diferentes áreas da universidade, com o objetivo de promover ações de prevenção, orientar e acolher vítimas, apoiar a Ouvidoria e acompanhar os casos. A Coordenadoria de Assuntos Comunitários (ProAP) também atua nesse processo, oferecendo acolhimento emocional por meio de uma equipe multidisciplinar.
Esse esforço institucional confirmou a relevância do tema e se fortaleceu ainda mais com o lançamento do Plano de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios e das Discriminações, formalizado pela Portaria nº 4967/2025, publicado no Boletim de Serviços nº 1.444, de 16 de maio de 2025, estabelecendo ações concretas para construir um ambiente universitário mais seguro, ético, inclusivo e livre de violências. O plano abrange toda a comunidade universitária – discentes, docentes, servidores técnicos e administrativos, além de pessoas em situação de terceirização – e está estruturado em três grandes eixos de atuação, de acordo com a Figura 1.
Figura 1 – Eixos e ações do Plano de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios e das Discriminações da UFABC

Fonte: adaptado UFABC, 2025.
Vale lembrar que o plano foi construído de forma colaborativa pela Reitoria, Ouvidoria, Comissão UFABC sem Assédio, Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero (CDSG) e diversas pró-reitorias. Assim, a sua implementação prevê metas claras, prazos definidos e monitoramento constante, reforçando a importância da participação ativa de toda a comunidade na transformação institucional.
A par disso, combater o assédio moral no ambiente universitário é um desafio necessário. Mais do que reconhecer sua existência, é preciso agir com seriedade e responsabilidade para transformar esse cenário. A UFABC dá um passo importante ao implementar uma política institucional clara, participativa e orientada para a prevenção, o acolhimento e o tratamento dessas denúncias.
Com o envolvimento de toda a comunidade acadêmica e com o apoio de comissões, coordenadorias e ações pedagógicas, a universidade mostra que é possível enfrentar o problema com compromisso ético e humano.
Que esse exemplo inspire outras instituições a criarem ambientes mais seguros, respeitosos e justos, pois falar sobre assédio moral, denunciar, acolher e educar são atitudes fundamentais para que o espaço universitário seja, de fato, um lugar de crescimento, convivência saudável e promoção da dignidade de todas as pessoas.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Guia Lilás: Prevenção e enfrentamento do assédio moral e do assédio sexual, e da discriminação no governo federal. Brasília, 2024. Disponível em: https://ufabcdivulgaciencia.proec.ufabc.edu.br/como-publicar/. Acesso em: 19 jun. 2025.
BRASIL. Decreto nº 12.122, de 30 de julho de 2024. Institui o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. 2024. Disponível em: https://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/d12122.htm. Acesso em: 20 jun. 2025.
BRASIL. Portaria MGI Nº 6.719, de 13 de setembro de 2024. Institui o Plano Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação na Administração Pública Federal Direta, suas Autarquias e Fundações. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/cnen/pt-br/acesso-a-informacao/comites-internos/comite-gestor-de-integridade/PortariaMGIn6.719de13desetembrode2024InstituioPlanoFederaldePrevenoeEnfrentamentodoAssdioedaDiscriminaonaAdministr.pdf. Acesso em: 20 jun. 2025.
HASHIM, Gy R.; AMINUDDIN, Zaidi Mohd; GHAZALI, Ayu Rohaidah; RAZAK, Norfadzilah Abd. Reviewing The Silent Enemy of Faculty Mobbing. 8th AcE-Bs2019LangkawiIsland, Malaysia, v. 4, n. 12, p. 87-91, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/335220206_Reviewing_The_Silent_Enemy_of_Faculty_Mobbing. Acesso em: 20 jun. 2025.
HELOANI, R.; MACÊDO, K. B. Assédio moral: uma nova forma de violência nas organizações. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 23, n. 3, p. 307-318, jul./set. 2013. Disponível em: https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/2952-8793-1-pb.pdf. Acesso em: 20 jun. 2025.
KHOO, Siew Beng. Academic mobbing: hidden health hazard at workplace. Malaysian Fam Physician, v. 5, n. 2, p. 61-67, 2010. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4170397/. Acesso em: 20 jun. 2025.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC. Resolução ConsUni nº 226, de 07 de dezembro de 2022. Dispõe sobre a definição de assédio moral, assédio moral institucional e assédio sexual para seu enfrentamento no âmbito da UFABC. Santo André: UFABC, 2022.
____________ Portaria nº 4967, de 3 de abril de 2025. Institui o Plano de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios e das Discriminações no âmbito da UFABC. Boletim de Serviço da UFABC, Santo André, 3 abr. 2025. Disponível em: https://www.ufabc.edu.br/images/stories/comunicacao/Boletim/anexo_reitoria_portaria_4967.pdf. Acesso em: 20 jun. 2025.
SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cengage Learning, 2016.