Radioatividade não é sobre Física: é sobre poder e quem define o saber (V.8, N.8, P.04, 2025)

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Divulgadores da Ciência: Aline Maxiline Pereira Oliveira, Bruno Mauricio Batista Albuquerque, Michele Aline Vieira Costa, Nathalia de Oliveira

 

Legenda: Quando a informação é privilégio, tragédias como a do Césio 137 acontecem. Alfabetização científica + educação popular = prevenção e transformação social.

Em 1987, em Goiânia, dois trabalhadores de um ferro velho encontraram um equipamento de radioterapia em um prédio abandonado. Desmontaram e levaram a parte de chumbo para casa, que ao ser aberta revelou um sal brilhante. Encantado pela luz emitida pelo pó, passou a mostrar e distribuir o pó para várias pessoas, principalmente familiares e amigos. Mal sabia ele que aquele seria o começo do primeiro acidente radioativo em área urbana no Brasil. O acidente expôs aspectos discutidos e criticados por Paulo Freire, educador brasileiro, que defendia que a educação que liberta, que incentiva o diálogo e a reflexão é essencial para formar cidadãos conscientes e participativos.

O termo radioatividade, temido por muitos, foi cunhado pela hoje famosa cientista Marie Curie que, com os resultados de seu trabalho, foi a primeira mulher a ser laureada com dois prêmios Nobel. 

 

Quem tem medo da radioatividade?

O termo radioatividade é quase sempre relacionado a acidentes nucleares e bombas atômicas. Na ficção, super-heróis ganham “superpoderes” ao terem contato com substâncias radioativas – como no caso do Homem-Aranha, picado por uma aranha radioativa. Mas o fato é que a radioatividade contribuiu muito para vários avanços importantes para a Ciência e para a Tecnologia, com aplicações diversas na saúde (como, por exemplo, os exames de raios X), na obtenção de energia limpa (caso da energia nuclear), na indústria (medição de espessuras e análise interna de materiais) e em outros setores. 

Mas… O que é radioatividade? Em linhas gerais, é a propriedade de alguns átomos de emitir radiação a partir de seus núcleos. Explicando melhor: no interior de um átomo, há partículas como o elétron – que fica na eletrosfera – e também prótons e nêutrons – que ficam “juntos”, dentro de uma região chamada “núcleo atômico”. Quanto mais prótons e nêutrons existirem no núcleo de um átomo, mais “pesado” ele fica. Isso aumenta a chance de ocorrerem instabilidades nucleares e, nestes cenários, nota-se a emissão de partículas a partir do núcleo com o intuito de levá-lo a estados de menor energia (e mais estáveis, portanto). Estas partículas, em geral, são de três tipos: alfa (um núcleo de hélio, formado por dois prótons e dois nêutrons), beta (um elétron, emitido a partir do decaimento de um nêutron do núcleo) e gama (radiação eletromagnética altamente energética).


A figura 1 acima mostra uma representação do átomo e, também, os processos (“decaimentos”) que ilustram a formação das partículas alfa, beta e gama.

Dada a sua maior energia e consequente poder de penetração, a radiação gama é, para o corpo humano, a mais nociva entre as citadas. E esta é justamente a questão quando se trata do césio-137, uma versão radioativa do elemento químico “césio” que é assim chamado por possuir 137 partículas em seu núcleo: 55 prótons (algo comum a todos os átomos de césio) e, neste caso, 82 nêutrons. O césio-137 é uma conhecida fonte de radiação gama utilizada em procedimentos radioterapêuticos – feitos de forma controlada, graças ao encapsulamento da amostra radioativa por materiais como aço inoxidável e chumbo. Uma vez exposto para além da blindagem, o césio-137 deixou um rastro de dor, mas também um legado: mostrou que a ciência precisa ser democrática. Porque quando conhecimento vira privilégio, o preço é pago pelos mais frágeis!

 

Por que Entender Ciência é Uma Ferramenta de Transformação Social? 

Os dois catadores que encontraram o Césio-137, por não saberem que se tratava de uma substância perigosa, manipularam e distribuíram o pó radioativo, expondo-o ao ambiente e aos seres vivos. Dias depois, os sintomas começaram a surgir. Ao perceber a gravidade da situação, uma moradora levou o material à Vigilância Sanitária, alertando: “Meu povo está morrendo”. Mas, não havia ninguém qualificado para analisar o material naquele momento e, um tempo depois, um físico foi chamado para fazê-lo, confirmando a identificação do material radioativo. Desde a abertura do aparelho de radioterapia até a identificação do material se passaram cerca de quinze dias. O acidente resultou em centenas de contaminados, quatro mortes imediatas e muitas outras nos anos seguintes devido aos efeitos nocivos da radiação que até hoje assombram a saúde dos moradores locais. Cerca de 6000 toneladas de resíduos radioativos foram isolados em tambores e caixas metálicas em Abadia de Goiás. O episódio reforçou a importância do controle de materiais radioativos e da conscientização sobre seus perigos. O artigo: “O Não Silenciamento do Acidente com o Césio-137 – A História Recontada pelo Olhar Freireano, escrito por Luclécia Dias Nunes e Nyuara Araújo da Silva Mesquita, ambas da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi baseado em textos e notícias da época do acidente, resgatando o contexto do passado para refletir sobre o presente e o futuro. 

O acidente ocorrido em Goiânia é um exemplo do impacto da educação na vida das pessoas, principalmente das classes populares, que é a que menos tem garantia de acesso à educação formal. Dessa forma, somos convidados a repensar a educação, assim como Paulo Freire, que acreditava que a escola deveria ser um espaço de diálogo, troca e construção conjunta de conhecimento, onde cada pessoa é valorizada e encorajada a ser um agente de transformação social. 

 

Educação Científica: Lições do Césio 

Esse artigo analisa o acidente com o Césio-137 em Goiânia usando as ideias do educador Paulo Freire. Ele mostra como a falta de acesso à educação científica piorou as desigualdades sociais e ajudou a causar o desastre. Os autores explicam que a ignorância sobre os riscos, somada ao abandono das autoridades e às diferenças entre classes sociais, deixou as pessoas mais vulneráveis. Por isso, defendem que ensinar ciência de forma clara e crítica é essencial para proteger e empoderar a população.

O texto também faz um alerta: quando escolas e instituições deixam de lado os mais pobres, os perigos da tecnologia (como materiais radioativos) ficam ainda maiores. Sob a ótica de Freire, o acidente não foi só um erro técnico, mas um problema ético e social. Ele revela como o conhecimento científico, quando não é compartilhado de forma justa, pode reforçar injustiças. A discussão proposta é clara: ciência e responsabilidade social não podem andar separadas.

Leia o texto completo em:

NUNES, Luclécia; MESQUITA, Nyuara Araújo da Silva. O Não Silenciamento do Acidente com o Césio 137 – a História Recontada pelo Olhar Freireano. Revista Virtual de Química, 2022, 14(6), 1107-1115. Disponível em: https://rvq.sbq.org.br/pdf/v14n6a17 

 

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