Usando Blockchain na Análise e Geração de Créditos de Carbono (V.8, N.5, P.3, 2025)

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Divulgadores da Ciência: Marcela Ceschim Caburlão, aluna do curso Engenharia de Informação do CECS/UFABC
Carlo Kleber da Silva Rodrigues, professor do curso BCC do CMCC/ UFABC

Com um aumento das crises climáticas ao redor do mundo, estão sendo criadas iniciativas para acelerar a transição para modos de desenvolvimento mais sustentáveis, focando em diminuir os níveis de gases de efeito estufa (GEE) que são liberados na atmosfera. Nesse contexto, projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (projetos REDD+) são fundamentais e, para que sejam bem-sucedidos, necessitam de fontes de investimento consistentes e robustas.
Porém, a necessidade de investimento não é o único desafio que esses projetos enfrentam. Diversas fraudes já foram desmascaradas em projetos REDD+, como o caso em que empresas lucram indevidamente com os investimentos por compactuar com venda ilegal de madeira e apropriação ilícita de terras. Essas fraudes revelam a necessidade de uma reestruturação na forma como os créditos de carbono dos projetos REDD+ são registrados e validados.
Muitas empresas estão investindo em novas tecnologias para realizar essa reestruturação, com a tecnologia Blockchain sendo uma das apostas mais comuns nos projetos de novos sistemas. Nesse artigo, inicialmente é destacada a importância do mercado de carbono no Brasil. Em seguida, mostramos o conceito de projetos REDD+, explicamos o uso de Blockchain nesse contexto, apresentamos algumas iniciativas de aplicação de Blockchain em projetos REDD+ e, por fim, temos as conclusões e direcionamentos para trabalhos futuros.

A Importância do Mercado de Carbono no Brasil
O final do ano 2024 é marcado pela criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Junto com a criação desse sistema, no dia 12 de dezembro, é sancionada a lei que regula o mercado de carbono no país. A regulamentação desse mercado possibilita a compensação das emissões de empresas a partir do investimento em iniciativas de preservação ambiental. O objetivo maior desse mercado é transferir o custo final das emissões para os emissores e tornar iniciativas sustentáveis de fato lucrativas.
Em nosso país, as ações voltadas à preservação ambiental são majoritariamente relacionadas à preservação florestal. O desmatamento foi responsável por aproximadamente um terço das emissões de dióxido de carbono entre 1750 e 2011, além de representar 17% de todas as emissões de GEE globais nesse período. Nesse mesmo contexto, a Figura 1 traz a estimativa de Emissões de GEE no Brasil, entre 1990 e 2016.
Recentemente, o aumento do desmatamento e da quantidade de queimadas criminosas geraram consequências perceptíveis na vida de todos os brasileiros como, por exemplo, a piora da qualidade do ar, prejuízos na agricultura, morte de animais em áreas de preservação, dentre outras.

Figura 1: Estimativa de Emissões de GEE no Brasil, entre 1990 e 2016. (Aguiar, 2018).

Conceito de Projetos REDD+
O conceito de projetos REDD+, apresentado pela primeira vez na COP-9 de Milão em 2003, veio ganhando cada vez mais robustez, se tornando parte do Acordo de Paris, adotado em 2015. Esses projetos, de acordo com a United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), possuem como objetivos:
1. A redução de emissões de GEE devido ao desmatamento;
2. A redução da degradação florestal;
3. O aumento dos estoques florestais de carbono;
4. A gestão sustentável de florestas;
5. A conservação florestal.

Os projetos REDD+ se baseiam em Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), utilizando como métrica a quantidade comprovada de GEE sequestrados da atmosfera a partir de cada projeto florestal. Esses serviços geram créditos de carbono para cada tonelada de CO2 equivalente não enviado para atmosfera. Os créditos são então vendidos no mercado de carbono para empresas que precisam compensar a quantidade de gases de efeito estufa que seus negócios geram. Muitas indústrias necessitam desse mercado para atingir cotas de redução de emissões de carbono, visto que, em muitas áreas, ainda é impraticável a instalação de tecnologias de emissão zero.
Para que esses projetos recebam recursos financeiros a partir da emissão e venda de Unidades de Carbono Certificadas (VCUs – Verified Carbon Units), é necessário que o desenvolvedor do projeto siga um dos Padrões Internacionais (PI) aceitos pela Associação VCU, organização existente desde 2005, como mostrado de forma simplificada na Figura 2. Mensurar, registrar, atualizar e verificar os dados de redução de emissões dos projetos é um procedimento de alto custo, o que eleva o preço dos créditos de carbono gerados, além de diminuir o montante arrecadado que é repassado para a execução dos projetos de fato.


Figura 2: Ciclo de um projeto com direito de emitir VCUs, respeitando os Padrões Internacionais VCS (Verified Carbon Standard). Baseado em (Aguiar, 2018).

Blockchain em Projetos REDD+
Blockchain é uma base de dados distribuída, em que cada computador processador da rede armazena cópias dos dados (i.e., informações e transações). Os dados são armazenados em blocos, que por sua vez são interligados por meio de um hash que referencia blocos já inseridos anteriormente. Os dados armazenados na rede são imutáveis, existindo um histórico de quando foram registrados. Esse entendimento é ilustrado na Figura 3.

Figura 3: (a) Modelo esquemático de uma rede Blockchain e (b) Conteúdo principal de um bloco da rede. Baseada em (Kotsialou et al, 2022).

Usualmente, a adição de dados só pode ser feita com a anuência da maior parte dos participantes do sistema. Esse processo é estabelecido pelo emprego de algoritmos de consenso, tornando a base de dados segura e descentralizada. Com essa estrutura, uma rede Blockchain permite a criação de bancos de dados imutáveis, escaláveis e rastreáveis, além de oferecer uma maior resistência a fraudes ou ataque cibernético.
Blockchain fornece várias oportunidades de melhorias na gestão de dados dos projetos REDD+, diminuindo os riscos de inserção de dados falsos, de alteração maliciosa de dados já inseridos e, ainda, tornando as transações auditáveis. Além disso, também permite-se uma validação descentralizada dos dados submetidos para criação dos créditos de carbono, acelerando o processo de emissão e diminuindo seu custo. Por fim, a maior transparência quanto à origem das reduções reportadas tende a aumentar a confiança dos investidores na procedência dos créditos, garantindo as vendas e a obtenção de financiamentos mais consistentes.

Iniciativas aplicando Blockchain em REDD+
Dados os benefícios teóricos de se aplicar Blockchain à projetos REDD+, não é uma surpresa que já existam iniciativas na academia e na indústria. Porém, é verdade que a maioria dos projetos que aplicam Blockchain à REDD+ ainda estão em fase de concepção inicial ou em teste piloto, com essa quantidade crescendo a cada ano.
Em particular, o trabalho de Kotsialou et al. (2022) reúne e analisa as propostas de 11 (onze) dessas iniciativas, abrangendo projetos REDD+ de combate ao desmatamento e incentivo ao florestamento usando tecnologia Blockchain. O trabalho conclui que, apesar de incipientes, esses sistemas desenvolvidos têm o potencial de:
1. Atrair patrocínios mais consistentes para os projetos REDD+, por descentralizar a verificação da veracidade dos dados de redução de emissão;
2. Redistribuir de forma mais eficiente as arrecadações, por tornar o processo de emissão de créditos menos custoso e mais rápido, além de diminuir a necessidade de terceiros confiáveis para intermediar as transações de créditos;
3. Melhorar a capacidade de monitorar, reportar e verificar os dados de avanço dos projetos florestais, devido à imutabilidade e auditabilidade da rede Blockchain;
4. Aumentar a participação de comunidades dependentes das florestas e comunidades indígenas, permitindo que as mesmas interajam diretamente com o Mercado Voluntário de Carbono (MVC). Como resultado, essas comunidades passam a ter um acesso mais simples aos recursos provenientes da venda de créditos de carbono.
Outro importante trabalho é o de Howson et al. (2019), em que também se realiza uma análise de projetos REDD+ com o uso de tecnologia Blockchain, trazendo pontos de melhorias futuras. Os autores dizem que, apesar da crescente gama de estudos na área, pouco foi discutido sobre formas de lidar com disputas de direitos territoriais, bem como aplicar essas novas tecnologias de forma efetiva em áreas remotas rurais e em comunidades indígenas. Além disso, também é dito que existe uma necessidade do desenvolvimento de medidas adequadas para garantir o respeito à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP). Segundo os autores, essas questões são centrais para o combate ao desmatamento, visto que os conflitos de direitos territoriais são uma das principais motivações para incêndios criminosos.

Conclusões e o Futuro
Os projetos REDD+, desde sua concepção em 2003, sofreram com diversas fraudes e com a perda de confiança do mercado. Apesar disso, o espírito do conceito se mantém forte até hoje, criando incentivos financeiros para a preservação e recuperação florestal. Ademais, o surgimento de novas tecnologias renovou o interesse nos projetos REDD+, com grande parte do otimismo atual vindo da aplicação de novas tecnologias, principalmente a Blockchain.

Em destaque, a aplicação da tecnologia Blockchain em projetos REDD+ vem demonstrando o potencial de reformular a geração e venda de créditos de carbono de origem florestal, diminuindo os riscos de inserções ou alterações de dados maliciosos, aumentando a transparência dos dados de progresso dos projetos e garantindo a possibilidade de auditabilidade. Várias empresas estão no processo de desenvolver soluções baseadas em Blockchain, porém ainda existem pontos pouco explorados pelas pesquisas atuais, o que inspiram possíveis rumos para trabalhos futuros como, por exemplo, os dois seguintes:
1. É necessário definir formas de lidar com disputas de direitos territoriais, deixando quaisquer conflitos pertinentes aos projetos REDD+ transparentes para os consumidores dos créditos;
2. Faz-se necessário desenvolver formas de garantir o respeito à UNDRIP, de forma que seja possível a codificação dessas regras dentro da rede Blockchain.

Além disso, em nossa pesquisa não pudemos observar projetos REDD+ nacionais que estejam desenvolvendo aplicações computacionais com tecnologia Blockchain. Assim, sendo a preservação florestal um tema de suma importância em nosso país tropical, sugerimos que estudos nacionais sejam realizados na forma de projetos finais de cursos de graduação, dissertações de mestrado e, ainda, teses de doutorado.

Bibliografia
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Aguiar, Mário César de. (2018). O mercado voluntário de carbono florestal: o caso do REDD+ no Brasil. 2018. xvii, 109 f., il. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) —Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em: < http://www.rlbea.unb.br/handle/10482/33037> Acesso em: 3 de março de 2025.
Howson, P., Oakes, S., Baynham-Herd, Z., & Swords, J. (2019). Cryptocarbon: The promises and pitfalls of forest protection on a blockchain. Geoforum, 100, 1-9. Disponível em: < https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2019.02.011>.
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Kotsialou, G.; Kuralbayeva, K.; Laing, T (2022). Blockchain’s potential in forest
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Neves, Rodrigo Fernandes das. (2024). Blockchain e mercado voluntário de carbono REDD+ jurisdicional no sistema de incentivo a serviços ambientais do Acre. 2024. 299f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em: < http://www.rlbea.unb.br/handle/10482/51334> Acesso em: 3 de março de 2025.
Salles, G. P., Salinas, D. T. P., & Paulino, S. R. (2017). Execução de Projetos de REDD+ no Brasil por meio de diferentes modalidades de financiamento. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(3), 445-464. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/1234-56781806-94790550302>. Acesso em: 8 de janeiro de 2025.
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. Acesso em: 8 de janeiro de 2025.

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