Bach e Moog: dois séculos de diferença, mas a mesma paixão (V.8, N.3, P.3, 2025)
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(imagens: Johann Sebastian Bach & Robert Moog)
A “Ária na corda Sol”, originalmente publicada como “Ária da Suite Nº 3 em Ré Maior, BWV 1068,” é uma das composições mais reconhecíveis de Johann Sebastian Bach, composta por volta de 1730 [1]. Esta peça, que originalmente foi escrita para orquestra de cordas, destaca-se por sua melodia lírica e harmonias ricas, evocando um sentimento de profunda serenidade e contemplação. A melodia é frequentemente executada no violoncelo, onde a quarta corda — a corda do “Sol” — proporciona um timbre profundo e ressonante [2]. A “Ária” tem sido adaptada em diversas versões, mas seu caráter atemporal continua a ressoar com os ouvintes, sendo uma obra-prima da música barroca. Inesquecível e arrebatadora.
Uma das interpretações mais inovadoras da “Ária na Quarta Corda” foi apresentada por Wendy Carlos no disco “Switched-On Bach”, lançado em 1968 [4]. Neste álbum, Carlos utiliza um sintetizador Moog para recriar a riqueza melódica de Bach, trazendo uma nova dimensão à obra clássica. A combinação do som eletrônico do Moog com a melodia da “Ária” cria uma experiência auditiva única, quase espiritual, que amálgama as fronteiras entre a música clássica e a música eletrônica. Essa interpretação não só popularizou a música de Bach entre novas audiências, mas também destacou o potencial do sintetizador Moog como um instrumento versátil e expressivo.
Capa do LP “Switched on Bach” de Wendy Carlos (1968)
O sintetizador Moog teve um papel significativo na evolução da música no final do século XX, principalmente no rock’n’roll, sendo utilizado por muitos artistas e bandas icônicas. O som característico do Moog, com suas ricas texturas sonoras e capacidades de modulação, se tornou uma parte fundamental do rock progressivo e do rock psicodélico. Bandas como Pink Floyd, Yes e Emerson, Lake & Palmer incorporaram o Moog em suas composições, explorando sua capacidade de criar atmosferas sonoras e melodias cativantes.
Esse instrumento leva o nome de seu criador, o engenheiro estadunidense Robert Moog. Amplamente reconhecido como o pai do sintetizador Moog, desenvolveu um interesse precoce por música e eletrônica, que o levou a criar seu primeiro instrumento eletrônico na adolescência [5]. Em 1964, fundou a Moog Music [6] que revolucionou a música ao permitir a manipulação de sons por meio de circuitos analógicos. Seu trabalho teve um impacto profundo na música popular, especialmente nos gêneros de rock, pop e música eletrônica. Moog também colaborou com músicos renomados e continuou a inovar na área de síntese sonora até sua morte em 2005, deixando um legado duradouro que transformou a forma como a música é criada e experimentada.
Apesar de dois séculos os separarem, Bach e Moog tinham a mesma paixão: a música.
Um dos elementos mais importantes do sintetizador Moog é o VCA (Voltage Controlled Amplifier – Amplificador Controlado por Tensão), que controla o volume de cada nota, dando ao som suas características, através de variações dinâmicas nas performances musicais [7]. A função do VCA pode ser dividida em quatro etapas: ataque, decaimento, sustentação e liberação (ADSR). O ataque determina a rapidez com que o som atinge o volume máximo; o decaimento controla a descida desse volume até um nível de sustentação; a sustentação mantém o volume durante a parte central da nota; e a liberação regula o tempo que leva para o som desaparecer após a liberação da tecla. Esse controle detalhado sobre o envelope sonoro permite que os músicos moldem o som de maneira expressiva, trazendo nuances que vão além da simples reprodução da nota.
Comportamento do VCA ajustado para sintetizar uma nota de flauta (esquerda) e de um piano (direita). A linha azul é o “envelope” do VCA.
Chip AS2164, com 4 VCAs analógicos, fabricado pela empresa Alfa Rpar
Se, em sua época, Johann Sebastian Bach tivesse acesso a um sintetizador Moog, ele certamente teria criado uma sinfonia vibrante onde os timbres do Moog se entrelaçariam com as melodias clássicas, resultando em uma experiência musical multidimensional, onde cada nota pulsasse com um novo tipo de vitalidade.
É uma pena que, mesmo diante de um vasto arsenal de instrumentos brilhantes como estrelas, muitos artistas de hoje ainda vagam por um deserto sonoro, incapazes de criar a beleza e a profundidade que outrora floresceram nas composições do passado.
ReferÊncias:
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[1] Robin Stowell, “Orchestral suites” in Oxford Composer Companions: J.S. Bach, ed. Malcolm Boyd and John Butt, Oxford University Press, 1999, p. 336
[2] Grove’s Dictionary of Music and Musicians, 5th edition, 1954, Vol. IX, p. 298, “Wilhelmj, August”
[3] Rogers, Jude (November 11, 2020). “‘She made music jump into 3D’: Wendy Carlos, the reclusive synth genius”. The Guardian. Archived from the original on November 11, 2020. Visualizado em novembro de 2020.
[4] https://www.youtube.com/watch?v=zLm3QmLdVi4&list=PLnfUixsffkm7wurAz8k-djRftgQ5ADtTJ
[5] Pinch, Trevor; Trocco, Frank (2004). Analog Days: The Invention and Impact of the Moog Synthesizer. Harvard University Press. ISBN 978-0-674-01617-0.
[6] https://www.moogmusic.com/original-series?type=14
[7] Richard James Burgess (2014). The History of Music Production. Oxford University Press. p. 134. ISBN 9780199385010.