Foucault e seu pêndulo. (V.7, N. 8, P.8, 2024)

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Divulgador da Ciência: Annibal Hetem Junior.

Jean Bernard Léon Foucault teve uma infância rica em aprendizado e diversão. Nascido em Paris em 1819, dedicou-se à medicina e depois à física [1]. Seus estudos envolveram os processos de geração de fotografias (os daguerrótipos, como eram conhecidos), uso do microscópio em anatomia, espectrografia da luz solar, medidas da velocidade da luz, eletromagnetismo (as famosas correntes de Foucault), entre muitas outras atividades. Também foi o criador de nomes e termos científicos famosos, como “giroscópio”, por exemplo.

 

J.B. Léon Foucault (18/09/1819 – 11/02/1868) foto: https://www.futura-sciences.com/sciences/personnalites/physique-leon-foucault-1118/

 

Foucault tinha uma mente interdisciplinar.

Entre suas inumeráveis e impressionantes conquistas, aquela que mais me sensibiliza é o Pêndulo de Foucault, que considero como sendo uma das experiências de maior relação benefício/custo da história da ciência.

Foto do pêndulo instalado por Foucault no Panthéon, em Paris (fonte: o autor)

Imagine, caro leitor, um pêndulo instalado em um local bem elevado, com sua extensão chegando quase ao chão. Em seu movimento oscilatório, o pêndulo traça uma linha imaginária conectando os pontos de máximo deslocamento da posição central. Acreditamos que o pêndulo correrá para frente e para trás sempre sobre a mesma linha, perdendo lentamente velocidade com o passar do tempo.

Entretanto, observamos que a cada ciclo, o pêndulo se desloca levemente para um novo ângulo, e a linha traçada de volta não cai sobre a anterior, mas desenha uma roseta.

Roseta indicando o movimento no plano horizontal de um pêndulo de Foucault.

Por que o pêndulo não volta pela mesma linha? A resposta, caro leitor, pode impressionar os pobres de espírito: porque a Terra está girando.

A cada ciclo do pêndulo, o movimento da Terra desloca angularmente o chão sob o aparato, o que chamamos de precessão do plano de oscilação. Assim, entre o ir e vir do pêndulo, o “chão” (o piso, os turistas tirando fotos, o resto do edifício…) é que se desloca. O pêndulo, que não sabe que o chão está girando, continua seu balançar, mas por um caminho diferente.

A taxa de precessão do plano de oscilação do pêndulo tem uma dependência com a latitude do local, dada por =ω sen ϕ, onde é a latitude e é a velocidade angular de rotação da Terra (7,2921×10−5 rad/s). Assim, temos que em Paris, com latitude de 48º56’ o pêndulo se desloca cerca de 11,3º por hora. No Grande ABC (=23º30’), este valor seria um pouco menos do que 6º por hora. Nos polos observaríamos um deslocamento de 15º por hora (que é a própria rotação da Terra), e no Equador teríamos precessão nula.

O que torna este experimento maravilhoso é que através de um dispositivo extremamente simples (um pêndulo…) temos uma evidência direta da rotação da Terra, com uma explicação suficientemente simples para que as pessoas consigam entender e apreciar. Poucos experimentos conseguem tanto com tão pouco. Tenho certeza de que Galileu Galilei (que teve sua iniciação na física observando um pêndulo e quase foi executado por afirmar que a Terra gira) também ficaria impressionado como o resultado.

Entretanto, existe um outro detalhe nesta experiência que deve ser ressaltado, desta vez de caráter filosófico.

Umberto Eco em sua obra imortal [2] escreveu a respeito que “… Paris inteira comigo, e juntos rodávamos sob o Pêndulo… A Terra girava, mas o lugar onde o fio estava ancorado era o único ponto fixo do universo.

Este autor captou uma sutileza que muito poucas pessoas conseguem perceber. Ao se construir um pêndulo de Foucault, deve-se escolher um ponto elevado (como Léon Foucault fez em 1851 ao pendurar a esfera de 28 kg a 67 m de altura) e, por força da dedução matemática que se segue, este ponto elevado acaba sendo considerado como independente dos seus arredores. Para compreendermos a experiência, temos que admitir que aquele ponto não pertence à Terra.

No texto de Eco essa independência do “ponto fixo” é levada ao extremo de ser colocada como o único ponto fixo do universo, o que é, obviamente, uma figura de linguagem ligada à trama do romance. Contudo essa afirmação carrega uma curiosa verdade.

Aquele ponto fixo está verdadeiramente acima de nós, humildes seres humanos. Ele nos vê girar em torno dele, demonstrando que não apenas as pessoas, mas o planeta inteiro está girando. Aquele ponto tem a qualidade de evidenciar a grandeza e superioridade da ciência acima de outras construções oníricas, mitos e inverdades. Esse reconhecimento é uma grande necessidade nos dias de hoje.

Apresento uma lista com os 5 maiores pêndulos de Foucault do mundo. Aconselho entusiasticamente ao caro leitor que, dada a oportunidade, visite um deles. 

Depois, ao ser questionado pelos incrédulos negacionistas se acredita que a Terra gira, você poderá responder: “Sim, pois eu vi.”

Os 5 maiores pêndulos de Foucault do mundo no início de 2024.

local cidade comprimento
(metros)
Catedral de Cristo Salvador Moscou 74
Panthéon Paris 67
Academia de Ciências da Hungria Budapeste 52
Museu de Ciências CosmoCaixa Barcelona 38
Museu Nacional de História Natural Washington, D.C. 25

 

Referências

[1] Herbermann, Charles, ed. (1913). “Jean-Bertrand-Léon Foucault”. Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company.

[2] Eco, Umberto. “O Pêndulo de Foucault”. 3a ed., Ed. Record, 1988.

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