Salmonella vs Câncer: um Plot-Twist e tanto. (V.7, N.2, P6, 2024)

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Divulgadoras e Divulgadores da Ciência: Karlos Eduardo Wefer Silva, estudante do 9º ano da Escola Stagium, sob orientação da professora Ana Regina de Oliveira Hungaro, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino e História das Ciências e da Matemática da UFABC.

*Este texto é o fruto de um desafio de divulgação científica lançado pela professora Ana Regina  a suas alunas e seus alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.

 

A famosa “bactéria do ovo cru” pode ser mais importante que uma simples, mas preocupante, infecção (e algumas longas idas ao banheiro).

Pois é, a ideia de unir a doença que mais mata no mundo com uma das bactérias mais comuns mas, ao mesmo tempo, possivelmente letais da história pode parecer loucura, mas a verdade é que ela representa atualmente um dos, senão o, mais importante tópico da medicina oncológica. Só que a gente não está falando de um simples tratamento, mas sim de uma cura, ou, melhor ainda: uma vacina. É, a ciência é maluca, mas incrível.

Antes de tudo, primeiro vale lembrar o que, exatamente, é o câncer. Que ele é extremamente letal, perigoso e, infelizmente, cada vez mais comum, todos sabemos; mas, cientificamente falando, trata-se de uma mutação genética no DNA de algumas células do nosso corpo que ativa um gene chamado de proto-oncogene.

Naturalmente, as nossas células se multiplicam para manter o corpo em funcionamento; entretanto, com o “acionamento” desse gene, esse processo torna-se descontrolado, fazendo com que a molécula infectada reproduza-se de forma extremamente rápida, reação que cria um tumor principal e, possivelmente, outros “secundários”: as famosas metástases (Figura 1).

 

Figura 1: Processo de oncogênese.

 

O que acontece é que essas moléculas roubam recursos daquelas saudáveis, bem como secretam substâncias tóxicas, impedindo seu bom funcionamento; só que, como não são invasoras, passam despercebidas pelo sistema imunológico. Ou, pelo menos, passavam.

A Salmonella é um gênero bacteriano muito conhecido pela presença em ovos e carnes crus cujo consumo pode levar a duas principais infecções: a Salmonelose (mais comum e menos agressiva) e a febre tifóide (rara, mas extremamente preocupante). 

Só que ela tem uma característica muito específica: dentro do nosso organismo, prefere ficar em regiões ácidas e com pouco oxigênio: as mesmas condições de regiões com tumores. Acontece que, diferentemente deles, a Salmonella não passa despercebida pelo sistema imune, e aí já sabe o que acontece, né?

Bom, mas essa não é a única notícia boa: a bactéria, além de avisar para o corpo onde exatamente está a origem do tumor, produz toxinas que dificultam a vida das células cancerígenas ao inibir sua reprodução e enfraquecê-las, o que, em combinação com outros tratamentos como a rádio ou a quimioterapia, pode ser fatal para elas.

A ideia não é nova: ainda no século XIX, o médico William Colley realizou experimentos similares injetando dezenas de bactérias em pacientes com câncer, quando, obviamente, foi considerado antiprofissional. Mal imaginava ele que, em 2017, na Universidade Nacional de Chonnam, na Coréia do Sul, um grupo de pesquisadores iria utilizar quase que o mesmo método (só que agora sem testes malucos em humanos).

Nele, uma “cópia” geneticamente modificada da Salmonella, incapaz de gerar complicações, mas dotada de uma proteína chamada Flagelina B, capaz de super ativar o sistema imune, conseguiu quase que desaparecer com 11 de 20 tumores em ratos doentes.

Ainda antes, em 2010, uma pesquisa publicada pelo Instituto Europeu de Oncologia relacionava a presença da bactéria com a produção de uma outra proteína, chamada Renoxinn 43, em ratos “infectados” com melanoma, o tipo mais fatal de câncer de pele.

Essa proteína é responsável por nada mais nada menos que “marcar” o tumor para o sistema imunológico, que começa a atacar com força total (Figura 2); algo que pode ser inútil para estágios avançados da doença, mas só um pouco aproveitáveis se eles forem iniciais, ou, melhor: se não tiverem começado ainda. Não, você não está pensando errado: é uma vacina.

 

Figura 2: Bactérias da Salmonella (em vermelho) e glóbulos brancos combatendo células cancerígenas (em amarelo). Fonte: Microsoft Bing Image Creator (DALL-E)

 

Mas calma que antes de sair fazendo testes em humanos (né, Colley?), ainda faltam muitos estudos, pesquisas e engenharia para garantir que ninguém alcance, ao invés do Nobel de Medicina, uns 10 dias no banheiro.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Como surge o câncer? Instituto Nacional do Câncer – INCA. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/como-surge-o-cancer>. Acessado em 19 ago 2023.

BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Samonella (Salmonelose). Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/salmonella-salmonelose>. Acessado em 19 ago 2023.

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ – SECRETARIA DA SAÚDE. Câncer. Secretaria de Saúde – Paraná: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: <https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Cancer>. Acessado em 19 ago 2023.

KELLAND, K. Cientistas usam salmonela para combater câncer. 2010. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/08/cientistas-usam-salmonela-para-combater-cancer.html#:~:text=LONDRES%20(Reuters)%20%2D%20Cientistas%20descobriram,injetadas%20em%20v%C3%ADtimas%20do%20c%C3%A2ncer.>. Acessado em 19 ago 2023.

KINGUERY, K. Tumor-Seeking Salmonella Treats Brain Tumors. Duke Cancer Institute. Disponível em: <https://dukecancerinstitute.org/news/tumor-seeking-salmonella-treats-brain-tumors>. Acessado em 19 ago 2023.

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ZHENG, J. et al. Two-step enhanced cancer immunotherapy with engineered Salmonella typhimurium secreting heterologous flagellin. Sci. Transl. Med., 9, 2017. DOI: 10.1126/scitranslmed.aak9537

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