A guerra do lítio (V.6. N.11. P.5, 2023)
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As cadeias globais de suprimento otimizam os parâmetros econômicos que satisfazem os agentes financeiros que nela estruturam os seus investimentos. Essa aparente paz na globalização econômica esconde tensões reais e artificiais por melhor posicionamento nesse mercado mundial. Pequenas aventuras de perturbar esse mercado são feitas constantemente visando reposicionamento mais vantajoso desses agentes financeiros. Essa estratégia encontra, muitas vezes, convergência de interesses militares, políticos, ambientais ou sociais.
Vantagens de curto prazo podem ser sacrificadas por uma consistente e estável vantagem de longo prazo. Isto significa que os agentes financeiros têm tempo de construir e distribuir eficazmente um discurso que lhes favorece em momentos oportuno. Para vantagens de curto prazo são recrutados nomes do executivo, legislativo, judiciário e da mídia para defenderem estratégias de agentes financeiros e de grandes grupos empresariais. Tais estratégias de curto e longo prazo precisam ser conhecidas e denunciadas pois, na maioria das vezes, não há qualquer convergência com o desenvolvimento nacional dentro de uma perspectiva democrática. A força e a impessoalidade do capital financeiro não teme jogar grande parcela da população na marginalidade econômica.
A escassez real ou planejada de metais, para alimentar cadeias de suprimento, é razão para aumento de preço e preocupações estratégicas, conforme se pode inferir nessa declaração: “The European Raw Materials Alliance (ERMA) contributes to ensuring reliable, secure and sustainable access to raw materials as key enablers for a globally competitive, green, and digital Europe.” A performance tecnológica do lítio em baterias (armazenamento de energia) já desencadeou uma reação do mercado no domínio estratégico desse metal. “The alliance will expand to address other critical and strategic raw materials needs, including those related to materials for energy store.” A visão estratégica das principais economias mundiais ou das empresas transnacionais que atuam neste mercado até seriam louváveis, não fosse a pesada ingerência em países da América Latina ou da África para atingir seus objetivos. Fragilizar a legislação ambiental, incluir mineração em terras indígenas, desenvolver infraestruturas públicas para usufruto privado são apenas algumas das estratégias possíveis, brandas, e já utilizadas no passado. Derrubar governos não-colaborativos também faz parte do elenco de possibilidades que já foi usado pelo setor mineral mundo afora.
Eventos recentes como a pandemia de covid-19, conflito militar Rússia versus Ucrânia, guerra comercial China versus EUA são sinais adicionais de instabilidades e incertezas para os quais os agentes de mercado precisam redesenhar cenários e neles descobrir nichos específicos de maior ganho de curto e longo prazo. A situação política brasileira, o desempenho de governos latino-americanos, o aumento da militarização do Japão e da Alemanha, o aumento de tensões na ásia, a crônica situação de beligerância no oriente médio, as frequentes disputas comerciais, militares e políticas no continente africano tornaram as grandes corporações transnacionais verdadeiros agentes geopolíticos atuando dentro de todas as nações.
A legitimação de seus interesses é feito sempre através de uma fachada estritamente econômica, com a ajuda de representantes locais, e com um afinado discurso sobre o desenvolvimento sustentável. O poder econômico de tais corporações e o discurso sobre as vantagens socioambientais de seus empreendimentos dão carta branca para atuação em quaisquer setores tais como saúde, educação, energia, mineração e agronegócio, por exemplo. Rapidamente aquela atuação estritamente econômica passa a se caracterizar muito mais como financeira e sua intervenção na esfera pública se faz sentir numa diversidade de maneiras, tanto através de uma opinião pública fabricada, quanto nas esferas políticas, manobrando governos para manter seus interesses estratégicos de longo prazo. Qualquer resistência pode até ser punida.
Diferentemente do telemarketing, cujas propostas “imperdíveis” mexem imediatamente com o nosso bolso, os agentes do mercado nos “vendem” primeiro uma ideia de desenvolvimento e geração de emprego para qual não desembolsamos nada. Resistir ao discurso simplista e compreender a complexidade de todas as opções é o que nos torna cidadãos críticos e conscientes; capazes de pensar, consequentemente, o desenvolvimento nacional de modo estratégico.
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