Os superpoderes do enunciador (V.6. N.7. P.5, 2023)
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Imagine três poderes especiais de alguém: a) Chaves do reino: comanda quem entra ou não; b) Senhor do tempo: determina quando ocorrem os acontecimentos (no presente, no passado ou no futuro); c) Senhor do espaço: aponta o mundo de desenlace dos acontecimentos. Dentro de cada poder especial, existem poderes excepcionais, que podem colocar em curso alterações como um veículo o faz usando a marcha (embreagem e debreagem). Acrescente a esses poderes especiais a possibilidade de ser e sentir (subjetividade) ou aparentar isenção completa (objetividade). O mago que detêm esses poderes é enunciador. Ele é a ponte entre o arsenal da língua e o discurso.
O discurso não é um mero produto de comunicação de uma mensagem (intenção). É um arranjo complexo e multifacetado de uma intencionalidade que abrange duas construções paralelas feitas pelo enunciador: do mundo como objeto e de si mesmo. A escolha de qual superpoder utilizar e como utilizar não é aleatória. É uma construção que tem uma finalidade dentro da visão de mundo do enunciador e que se adequa a mensagem que deseja veicular. De modo consciente quis transmitir, no primeiro parágrafo, cinco aulas de José Luiz Fiorin na Univesp TV disponibilizado numa playlist (https://www.youtube.com/playlist?list=PL78E2EE496FE72765). Fiz escolhas, nelas estão reveladas quem sou. Mas nem eu mesmo compreendo com exatidão todas as escolhas feitas.
O discurso é mais do que fala ou texto, e se podemos saltar da língua para linguagem para dizer que é uma expressão da comunicação humana com uma estética, uma poética, uma plástica que acontece em um tempo, um lugar, um contexto e dentro de uma visão ideológica e parcial de mundo, como são todas as nossas visões de mundo. O discurso pode ser uma expressão de ideias hegemônicas ou marginais numa sociedade. Contudo, sempre será uma mobilização da língua ou das linguagens disponíveis. Com tal pode ser objeto de análise semiótica ou da análise do discurso. O domínio das características da enunciação permite identificar o sentido que o enunciador desejou imprimir no discurso. Mas todo discurso tem mais camadas do que a exclusivamente linguística ou semiótica.
O professor Florin, apropriou-se do discurso de Émile Benveniste, para apresentar o seu curso sobre Enunciação. Ele fez um movimento antropofágico próprio porque tudo exemplificou com a literatura brasileira ou portuguesa. Mostrou o português brasileiro em seu movimento e seu discurso, no curso, é datado de 2011. É um discurso próprio de quem conversa com outros linguistas ou docentes de português e compreende junto com os demais as dificuldades de apresentar a visão de pessoa de Benveniste dentro do ensino de gramática na escola. A mídia utilizada difere da precisão de um artigo científico. Muito do que foi falado neste curso livre em vídeo pode ser localizado no artigo de José Luiz Florin “Uma teoria da enunciação: Benveniste e Greimas” (Gragoatá, Niterói, v.22, n. 44, p. 970-985, set.-dez. 2017). Professor Florin me aconselhou a leitura de sua obra “ As astúcias da enunciação”.
Não é um curso para quem deseja se aprofundar na análise do discurso ou na análise do discurso crítica, mas seguramente se constitui um alongamento para quem quer se exercitar na interpretação de textos. A ideia do discurso esteve sempre presente ao longo das cinco aulas, mas não chegou a ser a protagonista principal do curso. Afinal, sendo provocativo, a análise do discurso é algo muito sério para ser assunto apenas de linguistas.